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'Não dá para ficar neutra sobre esse assunto', diz Titi Müller sobre crítica a DJ Borgore

'Não tem mais espaço para isso nem no boteco, então não tem que ter espaço na cultura, na TV', disse a apresentadora

Por Hyndara Freitas
Atualização:
Titi Müller apontou machismo nas letras de Borgore durante transmissão ao vivo no Multishow. Foto: Iara Morselli/ESTADÃO

No último domingo, 26, durante a transmissão do Lollapalooza 2017 no BIS,  Titi Müller ganhou a internet após criticar, ao vivo, as músicas do DJ israelense Borgore, que estava prestes a se apresentar no festival.

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"As letras compostas por ele, extremamente machistas, misóginas, babacas mesmo, foram ganhando visibilidade. Eu gostaria de dizer que machistas não passarão nesse festival, mas vai passar agora, pelo menos no palco Perry", disse ela durante a transmissão.

A apresentadora já está há mais de dez anos de televisão, iniciando sua carreira como VJ da MTV Brasil e, posteriormente, migrando para o Multishow, em 2013, onde comanda o programa Anota Aí.

Em entrevista ao E+, Titi comentou sobre a repercussão de sua crítica ao DJ e sobre as mudanças que ocorreram na internet e na televisão desde que começou sua carreira.

Você esperava toda essa repercussão?

Não esperava. Já está durando mais de 48 horas, o que é uma eternidade em tempos de internet. Até porque, para mim, o que eu estava falando era tão óbvio que eu achei que fosse passar batido. Não foi a primeira vez que eu fiz esse tipo de comentário na TV, mas acredito que pelo fato de ser ao vivo, de ser um festival em que os apresentadores normalmente se posicionam de forma neutra, teve mais peso. Mas não dá para ficar neutra quando diz respeito a esse assunto, as letras dele são absolutamente grosseiras.

Quais foram as reações da equipe do Multishow e do BIS?

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Foi bem parecido com o que eu vi na internet. Todo mundo falou que eu fui muito bem, que representei, fui parabenizada pela coragem. Na hora eu não achei que foi uma atitude de grande coragem, porque a gente fica dez horas ao vivo, e a gente perde a noção de tempo, a gente muda muito de assunto dentro da transmissão, então nem sempre dá para considerar o peso do que a gente fala. Mas não teria como apresentar o artista se não fosse dessa forma, e acredito que todos da equipe agiriam da mesma forma. Se fosse na boca de outra pessoa, claro que o jeito de falar seria diferente, mas acho que qualquer um tocaria nesse ponto.

Apresentar o DJ daquela forma foi espontâneo ou foi ensaiado?

Eu não sabia que eu iria falar dele, porque, no ao vivo, é tudo muito improvisado. Quem estava naquele palco era eu e Laura Vicente. Na hora, ela estava fazendo uma entrevista. Eu então sabia apenas que tinha alguns minutos para introduzir o artista. A gente sempre estuda muito todos os artistas. Nós fazemos workshops, imersão nos festivais mesmo, para ter muito conteúdo se precisarmos falar dos artistas durante uma hora caso o show atrase, caso role entrevista, então a gente tem que estar muito bem munido. E eu descobri quem era o DJ nas pesquisas, e fui me interessando, negativamente claro, cada vez mais. Fui pesquisando as letras, e ele é considerado o DJ mais odiado do mundo desde 2014. Dizem que ele é um personagem, como eu disse na transmissão, mas é controverso, né? Pois geralmente quando um homem age de forma abusiva, machista, ele faz isso na vida pessoal e, na mídia, veste uma máscara, entrega flores no Dia da Mulher, prega a paz, e não o contrário. Então se ele é um personagem, é uma péssima escolha, né? Vamos trabalhar esse marketing aí.

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Como você recebeu as reações nas redes sociais?

A crítica massiva foi positiva. Eu não imaginei que tinha dado voz a tanta gente. Já havia falado desse assunto [machismo] antes, mas em um contexto de viagem, gravado, ele passa um pouco batido. Mas eu estou na TV há dez anos e a gente tem que evoluir mesmo. Inclusive faço um mea-culpa, tenho que mudar vários conceitos que estão impregnados, é um exercício diário e cada crítica negativa só reitera a necessidade de falar isso na TV. E, por mais que a gente ache que está falando o óbvio, esse óbvio tem que ser repetido cem, mil vezes para ser entendido.

Titi Müller em gravação do programa 'Anota Aí', no Multishow. Foto: Marcio Isensee/Multishow

E as críticas negativas?

Mas eu também recebi críticas negativas, mas foram em menor quantidade. Algumas pessoas falaram umas coisas sem-noção mesmo, me mandaram lavar a louça, adoro lavar a louça. Falaram que era falta de sexo, adoro transar. Chamaram de 'mimizenta', eu sou 'mimizenta' mesmo, e vou continuar sendo enquanto precisar, vamos continuar na luta aí. Eu lembro que quando apresentava o Acesso MTV e falava que não tinha gostado do figurino de um artista, da letra de Selena Gomez, da capa do álbum do Justin Bieber, tinha gente que vinha nas minhas redes sociais me ameaçar de morte. Hoje, essas pré-adolescentes cresceram e vêm no meu perfil dizendo 'nossa, eu falava mal de você porque você não havia gostado de um artista, desculpa'. Então espero que essas pessoas que hoje estão me xingando por um motivo muito mais sério do que um artista aprendam e se arrependam. 

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Hoje a televisão tem mais espaço para falar sobre o machismo?

Tem mais espaço e a polemica está maior. Não acho que falar de machismo seja um assunto polêmico por si só, polêmica seria se o Borgore rebatesse isso, mas eu nem sei se ele ficou sabendo. De qualquer forma, eu não falei dele e sim das músicas deles. Não o conheço como ser humano, dei minha opinião em cima do que li e do que ouvi. Mas a televisão tem um papel muito importante. O Amor e Sexo é o que mais causa repercussão, que escancara vários assuntos. Falou recentemente sobre feminismo, sobre identidade de gênero, e gerou polêmica porque várias pessoas atacaram o programa. Entre uma das reações negativas que eu vi, tinha um menino conversando com outro no Twitter e me marcando. Um deles disse 'essa a gente leva para o mato sem manteiga'. Ou seja, ele me ameaçou de estupro na minha timeline. Então, enquanto tiver esse tipo de reação, vai ter gente falando, seja eu ou seja outra pessoa. E se o microfone tiver na mão de uma mulher, que ela fale sim. E claro que também desejo que todos tenham o privilégio de trabalhar num canal que dá espaço para o apresentador expressar opiniões. A gente está acostumado a ver isso na nossa timeline com uma recepção mais positiva, mas na TV é tudo mais 'chapa branca', mas isso está mudando já, que bom. O holofote não tem que estar em mim, e sim no assunto. Que seja outro, que desperte outro debate amanhã, um por dia até desconstruir todos esses preconceitos que estão na gente. Nós fomos criados fazendo piada racista, machista, gordofóbica e não tem mais espaço para isso nem no boteco, então não tem que ter mais espaço para isso na cultura, na TV. 

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