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Por que a internação de Clara em ‘O Outro Lado do Paraíso’ revoltou os psiquiatras

Cenas com a personagem de Bianca Bin levantaram protestos de especialistas por estigmatizar a área médica

Por Pedro Prata
Atualização:
Clara (Bianca Bin) foi submetida a eletroconvulsoterapia Foto: Reprodução de cena de 'O Outro Lado do Paraíso' (2017) / Globo

No capítulo de O Outro Lado do Paraíso dessa terça-feira, 21, a personagem Clara (Bianca Bin) foi levada para uma clínica psiquiátrica e internada à força pela ex-sogra, Sophia (Marieta Severo). As cenas não agradaram os médicos psiquiatras da vida real, que se irritaram com a Globo por não representar fidedignamente a área da psiquiatria e contribuir para a preservação de estigmas com relação aos tratamentos.

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O E+ conversou com a psiquiatra Analice Gigliotti, chefe de Dependência Química e Outros Transtornos do Impulso da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, para entender quais foram os erros representados na novela e como seria a forma mais adequada de se mostrar um tratamento médico tão importante.

Abordagem com cinco enfermeiros a uma paciente que resistia, mas não demonstrava agitação

Quando Sophia (Marieta Severo) avisa Clara (Bianca Bin) que será internada, ela nega que tenha problemas mentais e se direciona para a porta. Nesse momento, cinco funcionários são chamados para contê-la à força e levá-la para dentro da instituição.

A psiquiatra Analice afirma que, numa situação real, a abordagem deveria ter sido feita de forma verbal porque a paciente não estava agitada a ponto de justificar a intervenção da maneira brusca como foi encenada. Ela diz que a personagem não estava agredindo ninguém, não estava jogando objetos e nem possuía comportamento semelhante.

“A abordagem prioritária é verbal, no sentido do acolhimento do paciente. Qualquer paciente psicótico, normalmente, cede a uma abordagem verbal e raramente precisa ser contido desta maneira”, explica a especialista.

Cinco funcionários foram chamados para mobilizar Clara Foto: Reprodução de cena de 'O Outro Lado do Paraíso' (2017) / Globo

Submissão a um diagnóstico sem a clínica realizar exame próprio nem entrevista da paciente Outro ponto questionado pela psiquiatra foi o fato do responsável pela clínica aceitar o diagnóstico de outro médico que não trabalhava no local. Ela disse que o procedimento correto para uma internação é o médico do estabelecimento fazer uma entrevista com a paciente para poder identificar o seu quadro.

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Ela explica, por exemplo, que o especialista deve perguntar se o paciente fez uso de substâncias ilícitas, se está ouvindo vozes, se tem alucinações. Na cena da novela, o médico responsável pela clínica não fez pergunta alguma a Sophia, nem a Clara. “A gente não pode nem dizer que houve um engano médico porque ele sequer fez uma análise com ela”, disse Analice.

A clínica não produziu diagnóstico próprio Foto: Reprodução de cena de 'O Outro Lado do Paraíso' (2017) / Globo

Aplicação imediata de eletroconvulsoterapia (ECT) sem avaliação de critérios clínicos

Outra situação muito criticada pela especialista foi o fato de Bianca ser submetida a uma eletroconvulsoterapia (ECT, tratamento a partir de convulsão induzida por passagem de corrente elétrica) como primeira escolha no tratamento. Analice, no entanto, explica que o ECT é recomendado para muitos casos como, por exemplo, uma agitação psicomotora grave da paciente que a leve a risco de morte, mas nunca como primeira opção.

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Além disso, a eletroconvulsoterapia é um tratamento que possui uma imagem assustadora no senso comum, mas que se modernizou e, hoje em dia, é um procedimento considerado seguro. No entanto, o aparelho utilizado na gravação da novela é antiquado e contribui para a visão negativa do tratamento.

“A eletroconvulsoterapia não é feita sem anestesia, sem eletrocardiograma e sem monitoramento próximo. É ilegal, hoje em dia, a administração de ECT sem anestesia porque o paciente tem convulsão e isso causa dor. A anestesia faz com que seja um procedimento mais seguro e confortável para o paciente”, diz Analice.

A formacomo a eletroconvulsoterapia foi retratada é ultrapassada Foto: Reprodução de cena de 'O Outro Lado do Paraíso' (2017) / Globo

Dizer que a internação pode durar a vida inteira

Quando o médico recebe o laudo feito por um terceiro e lê que o diagnóstico é esquizofrenia paranóide, diz para Sophia que a internação pode ser “para a vida toda”.

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Analice afirma que, atualmente, as internações são feitas pelo menor tempo possível, uma vez que os tratamentos se modernizaram: “Antigamente é que os pacientes ficavam como se estivessem em um depósito, mas hoje em dia ficam por cinco ou dez dias, às vezes um mês, mas é pelo menor tempo possível”.

Colocar a psiquiatria como vilã do paciente

A especialista ouvida pelo E+ acredita que a novela colocou o exercer da psiquiatria como aliada da vilã, o que considera grave por contribuir para os estigmas e preconceitos que a área sofre.

“É um trabalho muito grande que a gente tenta para desmistificar a internação psiquiátrica. Às vezes eu vejo na clínica, quando um paciente vai ser internado, que os familiares choram e parece que a pessoa está indo para a masmorra. Internação psiquiátrica é uma internação médica, séria. E esse tipo de exposição na novela é muito grave”, defende Analice.

Outro lado

Através de sua assessoria, a Globo afirmou que “as novelas são obras de ficção sem compromisso com a realidade, como registramos ao final de cada capítulo. Ao recriar livremente situações presentes em nosso cotidiano, a teledramaturgia busca apenas tecer o pano de fundo para as histórias”.

*Estagiário sob supervisão de Charlise Morais

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