"Vamos fazer uma ciclovia ligando o shopping JK ao Iguatemi"

Carlos Jereissati Filho fala sobre os três anos do JK e diz que ele já ultrapassou o Cidade Jardim em faturamento. Revela também a admiração que tem por gente transgressora e seu ativismo em prol de causas como a descriminalização da maconha

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Por Maria Rita Alonso
Atualização:
O empresário Carlos Jereissati: ele planeja inaugurar uma ciclovia unindo seus dois shoppings na capital paulista, o Iguatemi e o JK Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

Carlos Jereissati é hoje o seu maior concorrente. Ele comanda o shopping número 1 em luxo no país, o Iguatemi, e também o número 2, o JK. Presidente do grupo, o empresário tem planos de criar uma ciclovia para unir os dois empreendimentos e pretende inaugurar, até setembro, um teatro de 1200 lugares ligado ao JK, que comemora três anos. Para ele, mobilidade urbana e cultura estão intimamente conectadas com o universo do consumo. 

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Em entrevista exclusiva, Jereissati fala sobre o mercado de luxo no Brasil, a moda nacionale a admiração que sente por personalidades rebeldes. Revela ainda seu papel como ativista pela descriminalização da maconha. "Às vezes, as pessoas ficam muito quadradinhas, no conforto de um regramento, e não continuam avançando. Nesse ponto eu gosto da transgressão."

Qual é a sua avaliação sobre o mercado de luxo no Brasil, nas capitais e nas cidades de interior, diante do cenário de instabilidade econômica? Quem sofre mais com a crise? 

Sempre fui cético. Luxo no Brasil se sustenta mesmo só em São Paulo, Rio e Brasília, pela questão tributária e pela renda média do brasileiro. Acho que esses três mercados permitem que as marcas internacionais tenham uma pujança. Os outros dependem dos ganhos da economia no País e por enquanto são experiências, que podem flutuar e ter dificuldade num momento de baixa, como o que Brasil vai viver nos próximos dois ou três anos.

Como ficam os planos de expansão do grupo Iguatemi diante da desaceleração da economia? O JK está fazendo três anos e cumpriu a promessa de ser um lugar inovador, seguindo o conceito do hi-low, a ideia de misturar vários mundos e de valorizar a arte e o design. Para atrair as pessoas, trouxemos quase 50 operações que não estavam presentes no Brasil, como a Gap, a Sephora, a Zara Home. Hoje o shopping já ocupa o segundo lugar como principal centro de luxo no País. Mesmo tendo sido inaugurado um tempo depois do Cidade Jardim, já é o número dois em faturamento ­– o primeiro é o Iguatemi. E tem muita coisa para acontecer. Vamos inaugurar em setembro um teatro maravilhoso atrás do JK com 1200 lugares. Vai ser uma revolução para a região.

Admiro os rebeldes apesar de não ser um deles. Às vezes, as pessoas ficam muito quadradinhas, no conforto de um regramento, e não continuam avançando.'

Você acredita que há espaço em São Paulo para os dois shoppings serem bem-sucedidos e rentáveis? Sim, eu acredito. Vamos até fazer um ciclovia, protegida por árvores, para ligar o JK ao Iguatemi. São Paulo tem um mercado de luxo consolidado. Há 20 anos, luxo era o shopping Iguatemi e a Rua Oscar Freire. Hoje você vê que a rua perdeu a sua dinâmica, tem dificuldades por questões como a mobilidade, a segurança... As pessoas também estão em outro ritmo, têm menos tempo, querem casar programas e resolver a vida de forma mais rápida.

Quais polos de moda mundiais você considera referência para o consumo de luxo atualmente? O meu luxo é muito mais parecido com o de Berlim e o de Londres do que com o de Xangai e de Dubai. De qualquer forma, os nossos shoppings são diferentes porque as nossas cidades são diferentes. No Brasil, elas se formaram de uma maneira muito particular. Não seguimos a lógica das cidades medievais europeias nem temos a mesma dinâmica das grandes cidades americanas, com subúrbios e rodovias. Aqui é uma mistura. Faltou um pouco de planejamento, o que fez com que tudo ficasse meio embolado. Não contamos com um transporte público muito eficiente nem temos infra. Ao mesmo tempo as coisas funcionam porque criamos uma densidade populacional. O resultado são shoppings superurbanos. As lojas de departamento não vingaram, o nosso comércio é diferente. Por isso, eu costumo olhar e entender tudo o que existe por aí e depois faço a minha interpretação do que pode funcionar para nós.

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Como você analisa a chegada das principais marcas de moda internacionais ao Brasil? A mulher brasileira tem um estilo muito próprio, bem diferente do da americana e da europeia. Por isso, há operações que funcionam melhor ou pior no nosso mercado. Por exemplo, a Dolce Gabbana vai muito bem no Brasil porque a nossa consumidora se identifica com o estilo exuberante da mulher siciliana, que está no DNA da marca. No mercado de moda masculina, a Prada tem bons resultados. Já no de feminina, ela encontra alguma dificuldade. Nem toda a marca funciona 100% no Brasil.

A moda brasileira está perdendo a relevância no mercado de luxo? Os nossos shoppings hoje estão menos focados no mercado de moda nacional, o que é natural. Até a abertura da economia nos anos 90, não podíamos comprar as grifes internacionais aqui. Com a abertura, os consumidores se voltaram para elas. Mas acho que em breve esse cenário vai mudar porque a gente cansa de ver as mesmas coisas. E hoje as vitrines das grandes lojas de luxo são as mesmas em Paris, Nova York e São Paulo. O cenário é positivo para os nossos estilistas. Acho que a próxima etapa é a valorização daquilo que é próprio do País e que não se pode encontrar em todo o lugar. O consumidor brasileiro vem experimentando roupas com alta qualidade em termos de acabamento, tecido, design... E não vai querer voltar atrás em nada disso.

O cenário é positivo para os nossos estilistas. Acho que a próxima etapa é a valorização daquilo que é próprio do País e que não se pode encontrar em todo o lugar.'

A automatização das lojas físicas é uma questão de tempo? Como a tecnologia vem modificando os pontos de venda? Fazer compras tem uma parte incrível que é comprar! A parte chata é pagar e carregar. Nesse sentido, acho que a tecnologia pode facilitar muito. Agora, a compra é um programa social, uma experiência legal, você experimenta uma roupa, se sente bonito, tem um momento de relacionamento com os filhos, uma oportunidade de passar valores, conhecimentos. Acho que só quando a compra é por obrigação é que ela pode ter um caráter mais tecnológico. Livros, por exemplo. As pessoas querem entrar numa livraria. É preciso ter esses lugares incríveis, que você olha e fica encantando com o conjunto de produtos oferecidos. As grandes livrarias vão continuar porque as pessoas gostam de pegar, de folhear os livros, de estar dentro daquele universo. A sensação de prazer que a gente sente em fazer parte desse mundo de conhecimento não será substituída tão rapidamente.

As livrarias fazem hoje o papel das bibliotecas. Praticamente. Para mim não existe nada mais bonito do que uma bela biblioteca. A gente tem uma parceria com o Instituto Ruth Cardoso e eu me lembro de uma reportagem que li há muitos anos com fotos incríveis da dona Ruth em sua biblioteca. Era uma biblioteca de verdade, com todos os livros marcados, um por cima do outro, e não aquela biblioteca de casa de madame. Não há nada mais incrível que uma pessoa com conteúdo, que gosta de aprender, que tem uma história. Eu acharia um desastre se as livrarias não existissem mais.

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Pessoalmente, o que faz você se sentir bem quando vai às compras? A transparência, a iluminação dos ambientes, dos corredores e a edição de lojas. É preciso fazer uma curadoria constante das marcas e dos serviços oferecidos. Primeiro fomos buscar todas as marcas nacionais de relevância na moda, depois começamos a ir atrás das internacionais. Acompanhamos quem são os estilistas promissores e os que estão acontecendo, e procuramos sempre trazê-los para perto.

Quais são as experiências e os mimos que podem favorecer o consumo de luxo? O mundo do luxo pede um exercício de relacionamento com programas específicos, eventos pequenos... Chegamos a montar até uma casa de eventos ao lado do Iguatemi, que usamos para fazer jantares e encontros. A gente tem todo esse cuidado.

Como eventos ligados à arte, como as feiras de fotografia contemporâneas e exposições, contribuem para o sucesso do negócio? Queremos proporcionar experiências. Está em cartaz no JK uma exposição sobre Jimi Hendrix superbacana, por exemplo. O cara já morreu há 45 anos e continua encantando gerações. Acho que todo mundo queria ser rebelde.

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A música de Hendrix tem a ver com o seu estilo? Não, mas admiro os rebeldes apesar de não ser um deles. Às vezes, as pessoas ficam muito quadradinhas, no conforto de um enquadramento, e não continuam avançando. Nesse ponto eu gosto da transgressão.

Que tipo de causas transgressoras você defende? Fui, por exemplo, um dos primeiros a entrar na luta pela descriminalização da maconha. Eu não fumo maconha, mas acho absolutamente errado tratar o usuário como bandido. Tenho uma amiga que toca o Instituto Sou da Paz, é ligada ao Instituto Igarapé, e ela me introduziu no assunto. É incrível a visão geral que ela tem sobre o tema. Quando ela me chamou eu falei: “Mas você me quer ao seu lado? Você sabe que eu não entendo nada disso?” E ela disse que era importante ter gente defendendo a causa sem a intenção de lutar por um interesse próprio. E é isso. Ela tem razão. Eu gosto de ideias novas balizadas por gente séria.

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