Um ensino especial

Fui colocado no ensino especial por causa da "hiperatividade"; a dúvida em relação ao papel positivo ou negativo desempenhado por ele na minha vida é algo que sempre me assombrou, de maneira cíclica

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Por Josh Max
Atualização:

O famoso ônibus amarelo encostou na entrada da garagem da minha casa às 8h30 da manhã no primeiro dia do quarto ano. No começo eu era o único passageiro, mas fizemos um ziguezague por aí, apanhando crianças que eu nunca tinha visto antes. Finalmente paramos num prédio de escritórios, numa cidade a 12 quilômetros de onde morávamos no interior do estado de Nova York, onde uma sala tinha sido alugada para a turma. Éramos do "ensino especial".

De setembro até o mês de junho seguinte, sete meninos e duas meninas correram em círculos pela sala, derrubando objetos pelas janelas, fazendo xixi nos armários, arremessando bolas na nuca de um visitante, jogando fatias de salame no telhado, empurrando e socando, gritando uns com os outros e, de vez em quando, realizando tarefas escolares. No meu segundo dia, um garoto maior chamado Darryl me deu um soco no lábio depois de uma breve discussão. Durante a quarta semana, um adolescente escondido no banheiro do corredor me encurralou e mandou que tirasse a roupa. Acertei-o com uma cabeçada na barriga, desviei dele e corri de volta para a classe, onde um quarteto de meninos, incluindo Darryl, logo foi reunido. Voltamos juntos ao banheiro, agarramos os braços e pernas do rapaz, arrastamos ele pelo corredor e o jogamos da janela do segundo andar no gramado. Nunca mais o vimos.

Fui mantido no sistema por três anos, em três escolas diferentes, sem saber o motivo Foto: C.T. / New York Times

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Já fora colocado no ensino especial por causa da "hiperatividade" - brigas com outros meninos, jogar móveis e quebrá-los quando ficava demasiadamente bravo ou frustrado, e a incapacidade de sentar quieto. No segundo ano, depois de exagerar nas perturbações à aula, fui levado a um hospital para um "teste das ondas cerebrais", como explicou minha mãe (estávamos nos anos 1970), e mandado a um psiquiatra da região que vivia repetindo: "Conte-me a história da sua vida". Com apenas 7 anos, não sabia o que ele queria dizer com isso, e passávamos os 55 minutos da sessão de boca fechada, um olhando para o outro.

No ensino especial, passei imediatamente a controlar melhor meus rompantes, por razões puramente práticas. Os garotos brigavam como adultos. Se acertasse alguém no braço, o revide poderia ser no rosto ou na genitália. Nesse sentido, o ensino especial funcionou - fiquei morrendo de medo, mas a sensação era como na prisão e, para sair dali, era necessário o meu melhor comportamento. Parei de pular nos outros e destruir a propriedade da escola. Mas não havia trabalhos escolares, nem provas, nem lição de casa, e ninguém perguntava "Como vão as coisas em casa?".

Fui mantido no sistema por três anos, em três escolas diferentes, sem saber o motivo; não me envolvia mais em brigas nem quebrava objetos. O segundo e terceiro anos foram menos caóticos. As aulas eram ministradas em escolas comuns, em ruas arborizadas perto de onde eu morava. Havia refeitórios e ginásios, e nada de tentativas de abuso nos banheiros. Os professores eram mais gentis e não tínhamos permissão para bater uns nos outros, dando uma sensação de mais segurança. Ainda assim, o tumulto constante dificultava a adaptação e, no sexto ano, como forma de protesto, parei de falar na escola a não ser que fosse absolutamente necessário, e permaneci mudo no playground, no ônibus e durante o almoço. Meus pais não ficaram sabendo que parei de falar, ninguém contou a eles, e ninguém na escola me confrontou por causa disso. Por isso, fiquei em silêncio o ano inteiro.

Quando fui até a estrada na frente de minha casa no início do ano letivo seguinte, um ônibus enorme - o ônibus escolar "comum" - não passou direto por mim, como de costume; parou para que eu embarcasse. Foi quando entendi que já tinha cumprido minha sentença.

Fui levado a outra escola a apenas 5 quilômetros de distância, sem ter decidido se voltaria a falar ou não. 

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Ainda não tinha chegado a uma conclusão quando duas meninas me abordaram perto dos armários e me perguntaram quando começava minha primeira aula. Quis responder "amo vocês", mas disse apenas "oito e quinze", elas me agradeceram, e passei a falar a partir de então. Mas não fazia ideia do que era trabalho escolar, nem sabia o que esperavam de mim. Coloquei os muitos livros que recebi no armário, sem tirá-los do plástico, no começo caminhava pelos corredores durante as aulas e trazia à escola diariamente cigarros, três facas, uma pistola de chumbo e um bolso cheio de pedras, por via das dúvidas. No oitavo ano descobri o violão, e foi assim que as armas sumiram.

Quando cheguei ao ensino médio, a julgar pelas aparências, eu era apenas outro garoto, embora ainda fosse patologicamente calado. No último ano, um amigo disse, "Quando o vi pela primeira vez, pensei que fosse retardado". Isso não me incomodou. O mais importante era que ninguém soubesse que frequentei o ensino especial. Era uma chance de começar do zero.

Afinal, andar no ônibus especial por três anos foi algo bom ou ruim? Não sei ao certo. Quando me formei no ensino médio, não era capaz de localizar Nova Jersey ou Connecticut no mapa. Mas um incidente ocorrido naquele primeiro e tumultuado ano no ensino especial, durante o quarto ano letivo, torna o ensino especial algo de valor incalculável aos meus olhos adultos.

Certa manhã, depois de ter entrado no ônibus, percebi que tinha esquecido o almoço em casa, e não havia nenhum lugar perto do edifício de escritório onde pudesse conseguir comida. Quando veio a hora do almoço, tive medo, não por causa da fome, mas porque os erros públicos eram costumeiramente aproveitados pelos outros garotos. "O imbecil que esqueceu o almoço" renderia muitas brincadeiras desagradáveis.

Enquanto os demais desembrulhavam seus sanduíches e abriam as garrafas térmicas, esperei em silêncio, com o olhar baixo.

"Ei, por que não está comendo?" indagou um menino.

"Esqueci o almoço", murmurei.

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Sussurros pela mesa; lá vem, pensei.

Um objeto retangular envolvido em papel alumínio cruzou o ar e me atingiu no peito. Abri e encontrei dentro meio sanduíche de salame. Uma maçã rolou na minha direção, seguida por um pedaço de peru, que apanhei no ar. Um saquinho de batatas foi passando de mão em mão até chegar a mim.

Ergui os olhos e todos na mesa estavam sorrindo para mim.

"O que dizemos nessas situações, Josh?", perguntou a professora.

"Obrigado", sussurrei para a turma.

"De nada."

"Imagina."

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"Não tem de quê, panaca."

Segurei a respiração em resposta ao súbito vulcão que entrou em erupção na minha barriga e logo desviei o olhar para os pés, mas não adiantou. Sabia como sufocar as emoções em resposta à violência, mas jamais conhecera a compaixão, gentileza e ternura, e não estava preparado para a cachoeira que irrompeu do meu rosto. Levantei rapidamente da mesa para fugir e esconder meus sentimentos da turma, mas fui impedido por uma das auxiliares. Corri diretamente para os seus braços, escondendo o rosto. 

Ela me envolveu com os dois braços e logo me conduziu ao corredor, fechando a porta discretamente atrás de si. Me abraçou enquanto eu soluçava, e minhas lágrimas mancharam seu vestido. Não me perguntou o que havia de errado; apenas me abraçou. Quando ergui os olhos, vi que ela também estava chorando.

Naquele momento senti pela primeira vez a sensação de receber apoio e ser aceito, de ser cuidado em vez de tratado aos gritos, com castigos e afastamento, que é como a maioria das pessoas reage às crianças de comportamento violento ou bestial. O ensino especial me fez entrar em contato direto com um lugar mais fundo, assim como ocorreria com a música mais tarde.

A dúvida em relação ao ensino especial e o papel positivo ou negativo desempenhado por ele na minha vida é algo que sempre me assombrou, de maneira cíclica. Quando estou em paz com a humanidade, quando o dinheiro está entrando, quando minhas ações rendem resultados satisfatórios, penso nesses anos como uma dádiva que me separa da massa. Quando passo por dificuldades, quando há mil coisas se acumulando e a pressão é insuportável, vejo-me novamente diante do punho que me acerta no rosto e ninguém faz nada, e "a culpa é deles".

Mas, felizmente, sou naturalmente bem-humorado. Estou sorrindo em todas as minhas fotos de bebê.

Tradução de Augusto Calil  

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