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Street Style no Brasil: Verdadeiro ou Falso?

Uma disputa entre os looks do dia das blogueiras e o autêntico street style internacional é debate constante entre os aficcionados por moda. Afinal, onde está a verdadeira moda de rua brasileira?

Por Jorge Grimberg
Atualização:
Ângulos diferentes e fotos espontâneas também com ícones da moda, como a russa Miroslava Duma Foto: Le 21 ème/ Adam Katz Sinding;

Na esquina da rua 57 com a Quinta Avenida em Nova York, foi construída a carreira do maior fotógrafo de moda de rua de todos os tempos. Bill Cunninghan, 85 anos, publica semanalmente no jornal New York Times, há mais de 30 anos, sua visão sobre a moda na cidade. A evolução do olhar aguçado de Cunninghan sobre o lifestyle dos novaiorquinos só aconteceu nos anos 2000, quando blogs de rua, como o reconhecido The Sartorialist, começaram uma propagação dos estilos reais mundo afora, dessa vez contando com a velocidade da internet. 

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A moda de rua identifica tribos urbanas e registra o nascimento das tendências entre os cidadãos comuns em seu dia-a-dia, gerando informação rica para empresas de moda planejarem suas coleções futuras. No Brasil, um diferente fenômeno tomou forma na propagação da moda de rua. Em vez de fotógrafos estrategicamente posicionados na Rua Oscar Freire, em São Paulo, ou na Rua Garcia D’avila, no Rio de Janeiro, para capturar a essência real de paulistanos e cariocas, surgiram os looks do dia nos blogs. Esse novo fenômeno virtual passou a ensinar o bê-a-bá da moda para um público ávido por informações. “No Brasil, a gente não tem street style como na Europa e nos Estados Unidos. Nós não temos fotógrafos que estão nas ruas querendo pegar esse dia-a-dia das pessoas”, disse Alice Ferraz, empresária de moda e criadora da primeira plataforma de blogs do Brasil, o f*hits. 

A rede é uma empresa que reúne cerca de 25 blogs comandados pela empresária em parceria com o próprios blogueiros. Alice encontrou nos blogs uma oportunidade de gerar novos negócios para a indústria da moda e também uma profissionalização do segmento dos blogs. O f*hits passou a negociar a participação de marcas junto aos novos influenciadores para aumentar as receitas dos blogs e, também, organizar viagens internacionais para as semanas de moda e montar verdadeiros centros dos looks do dia (os QGs com referência a quartéis generais) em hotéis de luxo durante o SPFW e Fashion Rio. “Aqui esse street style foi traduzido com a criação do look do dia da blogueira. Ela mesma se fotografa, contratando um fotógrafo, e posa como se fosse real, mas, na verdade, ela mesma criou aquilo”, explicou Alice.

A indústria da moda local encontrou nos blogueiros ícones para se aproximar ao grande público. E ainda propiciou o surgimento de novos modelos de negócio, como o f*hits, para gerar um crescimento e renovação do mercado. Porém nem todos abraçam a cultura dos looks do dia, já que as imagens criam uma simulação da realidade que, muitas vezes, não transmite os reais códigos urbanos. “A simulação e o patrocínio engessam a imagem, o personagem ou está posando demais ou feliz demais, a atitude é claramente falsa. As pessoas que têm estilo natural continuarão a tê-lo, mesmo se um dia a mania do look do dia passar”, disse Sylvain Justum, editor de moda da revista Harper’s Bazaar Brasil. Já Alice, defende a forma dos patrocínios nas imagens criadas pelos blogs. “Não acho que tira autenticidade. As blogueiras usam as marcas que elas gostam. É muito difícil uma blogueira usar algo que ela não acredite ou não se sinta confortável. A blogueira que faz isso só por dinheiro perde a credibilidade e fica fora de seu estilo”.

Esses códigos urbanos são detectados aqui no Brasil durante as semanas de moda, quando estudantes e profissionais do setor se reúnem por uma semana nas capitais como Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo para conhecerem as novas coleções das marcas. Nesse momento, fotógrafos como o jovem Murilo Yamanaka, 25, ficam a espreita de estilos e conceitos que representem a verdadeira moda nas ruas brasileiras. “Durante as semanas de moda, você acaba encontrando pessoas que se vestem de suamaneira original e outras que copiam blogueiros internacionais e acabam exagerando um pouco”, conta Murilo. Fora dos eventos de moda, a busca por autenticidade é diferente. “A cena muda drasticamente. Você tem muito mais dificuldade em encontrar pessoas em que o estilo transmite o que elas realmente são. Se eu for na Praça Roosevelt agora fotografar, acho que o estilo dos skatistas – com camisetas enormes e tênis rasgados – representa uma realidade mais interessante. É despretensioso, mas é real”, completa o fotógrafo. 

Um dos gurus das tendências de moda, Isham Sardouk, Chefe Criativo do Stylesight, um dos portais líderes do segmento com sede em Nova York, disse, em entrevista exclusiva ao Estado, que as tendências de rua dizem respeito aos códigos específicos do vestuário e outros atributos que pertencem às subculturas. “As pessoas que querem pertencer a uma determinada tribo adotam componentes icônicos, como um sinal de reconhecimento e de pertencimento, e é assim que identificamos as tendências de rua autênticas. É quando vemos um verdadeiro estilo que está em harmonia com a forma como as pessoas vivem em seu ambiente”, disse Sardouk. 

No Brasil, tanto nos blogs quanto nas fashion weeks, é comum encontrar uma reprodução das tendências internacionais. A busca pelas reais tribos urbanas depende ainda de um radar aguçado e de buscar localizações estratégicas. “A quantidade de reclamações sobre o circo que se formou nas portas de desfile e sobre a ‘mentira’ nos posts patrocinados mostram claramente que nem todo mundo acredita na fórmula. Hoje em dia, menos é mais na moda real de rua. Estar montado e perfeitinho demais é o primeiro passo para a perda de credibilidade”, disse Sylvain. Mas como identificar o surgimento de uma nova tendência de moda através das ruas? “É quando vemos um grande volume de pessoas que tem o mesmo estilo ou aparência. Por que todos os jovens nas ruas de Nova York e Londres, de repente, têm barbas e tatuagens na parte de trás de seu pescoço? Isso não veio das passarelas, em primeiro lugar, isso saiu das ruas e agora está aparecendo em editoriais. Assim, o jogo muda nesse sentido, e moda de rua é uma nova moeda, uma linguagem invisível usada pelas pessoas que pertencem à mesma tribo”, explica Isham. 

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Paula Martins é uma consultora de moda e uma das fundadoras do blog Look do Dia. Estilista e jornalista formada, Paula defende que precisamos entender que mesmo que as marcas estejam querendo dominar a moda de rua, sempre terá um novo movimento autêntico que mostrará alguma novidade. “Isso faz parte da história da moda. Algo novo acontece, é massificado, mas logo em seguida, figuras irreverentes aparecem para começar um novo ciclo. Acredito, sim, que ainda teremos autenticidade nos looks espontâneos de rua e vamos tirar muitas ideias deles, mas não tem mais como brecar ou parar esses movimentos”, explica Paula. 

Mix de estampas e produções ousadas: direto no foco dos fotógrafos ​ no SPFW ​ Foto: Thiago Borba

O street style no Brasil traduz um retrato real da fragmentação do mercado. As fotografias montadas representam nossa busca por uma realidade que não existe aqui, já que gasta-se cada vez mais em compras no exterior, e vive-se com medo nas capitais brasileiras. Em abril de 2014, os brasileiros bateram um novo recorde em gastos internacionais, atingindo mais de US$ 2 bilhões. Por outro lado, a autenticidade vista em Nova York ou Paris é fonte de desejo para os brasileiros, que reproduzem e inventam moda com o material disponível e sonham com a liberdade de poder se expressar na rua. Logo, aqui o verdadeiro é falso e o falso é verdadeiro. 

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