Somos todos um?

O debate internacional trata sobre a inclusão social dos transgêneros, enquanto no Brasil um beijo gay ainda assusta o telespectador

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Por Jorge Grimberg
Atualização:
Duas gigantes da TV brasileira em ação: alvo de boicote Foto: reprodução

Nas última semanas, a baixa audiência da novela "Babilônia", da Rede Globo, dominou as conversas na internet. Com um elenco que reúne as maiores estrelas da casa, a trama recebeu um boicote que remete à moral e aos bons costumes de antigamente. Com isso, amarga o pior ibope da história da emissora no horário. Lendo uma reportagem sobre o tema, observei centenas de comentários repudiando a novela. Para quem não acompanhou, no primeiro capítulo, um casal de senhoras - interpretado por Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg - deu um beijo na boca, simbolizando a união de 35 anos das personagens. No mesmo episódio, a personagem de Glória Pires matou o motorista a sangue frio e ainda teve relações sexuais com vários homens. 

O que chocou a população foi o beijo das senhoras. Entre as críticas, li frases como 'não quero que meus filhos vejam isso', 'a Globo está enfiando goela abaixo homossexuais e nós não queremos assistir' e até 'vamos mudar de canal e mostrar pra eles quem manda' me deixaram perplexo. Fiquei pensando nocomportamento das famílias brasileiras e em como isso se reflete na sociedade e na moda. Será que vamos evoluir? 

A modelo Lea T no desfile da Têca Foto: divulgação

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Já na parte nórdica do continente, o medalhista olímpico Bruce Jenner, um senhor de 65 anos, padrasto da mulher mais bem paga da TV americana - Kim Kardashian -, anunciou a sua mudança para o sexo feminino e se declarou o novo porta-voz do movimento transgênero no mundo. Com apoio incondicional da mídia americana, das celebridades, dos filhos, dos enteados e das ex-mulheres, ele começa a escrever uma nova história para a causa. 

Analisar os dois episódios nos faz perceber o quanto os valores do Brasil estão fora de sintonia em relação ao respeito à individualidade tão em pauta nos Estados Unidos e na Europa. Em meio ao caos em que vivemos, a instituição familiar e os valores cristãos ainda servem como alicerce para o rechaçamento sem pudor dos movimentos de expressão individual. 

Bruce Jenner, padrasto de Kim Kardashian: 'Eu sou mulher' Foto: reprodução

A indústria da moda é precursora de ações que incentivam a mudança das percepções da sociedade. Afinal, os criadores influenciam a visão dos consumidores por meio de campanhas, desfiles e coleções. Duas modelos transgênero, Lea T e Andreja Pejic, têm estado constantemente nos holofotes, transformando a concepção do feminino/masculino. A brasileira Lea T foi a estrela do desfile da grife Têca por Helô Rocha no último SPFW. Ela precisou fazer sucesso no exterior, com o aval do estilista Riccardo Tisci, da Givenchy, para ser vista com bons olhos por aqui e estrelar campanhas e desfiles em seu próprio país. 

Andreja Pejic em foto de Patrick Demarchelier para a Vogue América Foto: reprodução

Nascida na Bósnia e Herzegovina, Andreja Pejic circulou como garoto por muitas temporadas de moda fazendo o estilo andrógino. Ela fez a transição de sexo recentemente e, como mulher, foi a primeira modelo transgênero a aparecer na revista Vogue América, na edição de maio deste ano. Em Londres, a tradicional loja de departamentos Selfridges está quebrando as regras com a sua nova área dedicada a coleções 'agender'. São três andares, denominados 'gender-free', em que os consumidores podem escolher entre peças que funcionam tanto para o sexo feminino quanto para o masculino. É uma celebração da moda sem definição da sexualidade do consumidor. Todos são bem-vindos. O estilo é cool, minimalista e de fácil uso para todos.

O estilo 'agender' da loja britânica Selfridges Foto: divulgação

Como brasileiro, me preocupo em entender se o país será um lugar em que a evolução da sociedade sempre acontecerá em ritmo muito mais lento do que no primeiro mundo. Para que isso não ocorra, cabe às marcas de moda, criadoras de imagens e de sonhos de consumo,deixarem de desenvolver campanhas somente com estereótipos de garotas 'Gisele' e machos alfa para, quem sabe, atrair mais consumidores que se sentirão incluídos. O mercado atual, em que os modelos masculinos são pais perfeitos ou atletas e as mulheres são todas loiras, altas e magras, acaba excluindo a maior parte da população. Enquanto a mídia e a indústria não fizerem o mesmo que a Rede Globo, enfiando goela abaixo as diferenças dos padrões humanos pré-estabelecidos, o país continuará engatinhando rumo a lugar nenhum. Parabéns, Globo! É tempo de mudanças. 

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