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Seria Edward Enninful a próxima Anna Wintour?

Como o editor-chefe da ‘Vogue’ britânica está revolucionando a indústria da moda com seu trabalho pela inclusão

Por Robin Givhan
Atualização:
Edward Enninful assumiu o comando da publicação em agosto de 2017 Foto: The Washington Post by Tom Hoops

Edward Enninful, o novo editor-chefe da Vogue britânica, está super confiante tanto em seu senso estético quanto sua visão de mundo. Em pouco tempo, ele ressuscitou uma publicação centenária, transformando a linha editorial para atender as demandas da audiência global e criando algumas das imagens de moda mais memoráveis, inspiradoras e diversificadas do ano passado. Seu trabalho exala autenticidade. Ele fez a inclusão parecer orgânica e sem esforço. E fez a moda parecer gloriosa.  Ainda, Enninful, neste dia em particular durante a Semana de Moda de Paris, está desconcertado por causa de um casado. Não qualquer casaco, ele me conta, mas o seu próprio. Ele é cor de caramelo, um presente de Riccardo Tisci, o diretor criativo da Burberry. A cor tirou o seu equilíbrio, já que ele prefere a simples camuflagem preta e branca: terno preto. Camisa branca. Óculos com lentes escuras. É o seu uniforme.  O casaco Burberry é um clássico e ficou esplêndido em Enninful, mas ele claramente não se sente bem. Ele está conversando com seus colegas, matando tempo antes da maratona de desfiles do dia, segurando o casaco em volta do torso, com seus ombros curvados, como se tentasse desaparecer dentro dele. A maioria das pessoas não teria tantos sentimos sobre uma simples peça, mas Enninful passou um tempo considerável de sua vida falando sobre como as roupas nos fazem não só parecer mas também sentir.  E aquele casaco fez com que Enninful se sentisse exposto quando, pela primeira vez, ele está em destaque. 

Ele começou sua carreira na moda como modelo, um instrumento para contar histórias. Depois, ele se tornou stylist, selecionando as roupas para as narrativas. Como diretor de moda de revistas, ele pode escrever os contos com as próprias mãos. Agora que virou o todo-poderoso da Vogue britânica, ele tem o poder de decidir quais histórias serão contadas.  "Eu sempre senti que as histórias mais fortes ressoam com o tempo em que vivemos. Então as minhas sempre serão um pouco políticas", ele me conta. "Estamos em uma época em que o mundo está divido. Muitos muros foram construídos. É muito importante que a Vogue britânica diga, você sabe, está tudo bem. Está tudo bem mostrar a beleza", ele continua. "A diversidade funciona. Está tudo bem." 

Enninful, 46, assumiu o comando da altamente conceituada publicação britânica em agosto de 2017, com uma série de primeiras vezes. Ele é o primeiro homens no topo da revista de moda de 102 anos e também o primeiro editor-chefe negro. Mas estas seriam meras notas de rodapé em sua biografia por causa da perspectiva única que ele traz ao seu trabalho.  Ele quer celebrar a arte e a criatividade, é claro. Mas ele o faz de um jeito que parece tanto real quanto aspiracional. Ele tem falado de maneira descarada sobre a falta de diversidade histórica nas páginas da Vogue UK e em seus funcionários, e ele está determinado a remediar isso especificamente, como também na indústria da moda geral.  "Tem um buzz sobre ele. Normalmente, isso passa depois de algumas revistas publicadas. As pessoas superam e passam a procurar pela próxima novidade. Mas eu acho que as pessoas acham o seu trabalho tão agradável, e ele o faz em todas as direções", explica a editora de moda veterana Grace Coddington. "Amo o que ele faz. De verdade. Para mim, é assim que todas as revistas deveriam ser."  A aposta de Enninful no globalismo e sua visão expandida sobre cultura o fizeram ser notado. No sempre presente jogo de quem irá substituir Anna Wintour, a mais famosa e poderosa editora do mundo, ele está no topo da lista. Os empresários da editora Condé Nast, dona de todas as Vogues, estão ocupados negando as especulações de que Anna estaria se aposentando ou diminuindo o ritmo de trabalho em breve. "Ela é parte integrante das transformações futuras de nossa empresa e concorda trabalhar comigo por tempo indeterminado em seus trabalhos como editora-chefe [da Vogue America e diretora artística da Condé Nast", disse o CEO Bob Sauerberg em comunicado. Ainda sim.  --- A ideia de Enninful como substituto de Anna Wintour - que seria, o próximo editor com influência tão grande na indústria da moda que se torna um ícone até mesmo fora dela - não significa mudar para Nova York e ter um escritório no One World Trade Center. O local aumentaria sua audiência e poder financeiro, mas ele já é extraordinariamente influente. Se ela é produtora de blockbusters de grandes estúdios, ele é aquele produtor de filmes independentes que te embrulham o estômago. É rico e dinâmico. Pode te irritar ou acalmar. E vai te fazer pensar.  As pessoas tendem a esquecer que Anna não era a onipotente diabo-que-usa-prada quando chegou no topo da Vogue norte-americana, há 30 anos. Ela cresceu nesse papel, e o tipo de poder que ela conquistou reflete uma indústria que está se tornando mais corporativa, mais enamorada por celebridades, mais hierárquica. 

A Vogue America permanece acumulando anúncios, mas não está imune a crise no setor das revistas. A próxima (ou próximo) Anna Wintour surgirá de uma indústria que está mais difusa e vazia. É um negócio sem fronteiras, no qual celebridades estão ficando famosa pelas redes sociais tanto quanto pela tv e pela indústria de Hollywood. O papel de ditar moda é menos importante quando um jovem designer pode vender diretamente para o consumidor, negociar um tênis milionário ou cortejar um mar de influencers.  E Enninful está bem localizado nesse novo negócios. Ele possui um olhar extraordinário e artístico que faz o seu trabalho sobressair do caos visual. Ele regularmente conversa com seus mais de 855 mil seguidores no Instagram. Ele olha para a África como um lugar para expandir seus leitores e vai para Gana para lutar pela educação artística lá. Ele está conectado com grandes grifes e com o mundo do entretenimento. Ele conhece a Oprah! E ele está focado na questão social mais urgente da moda: diversidade.  Em sua primeira edição, em dezembro de 2017, ele colocou Adwoa Aboah como estrela. A modelo e ativista tem uma cor de mel única, sardas no nariz, o pescoço de uma gazela e cabelos raspados. Ela não é especialmente longilínea, mas emana força. Na capa, ela usa um minivestido rosa pálido e marrom da Marc Jacobs com turbante nos mesmos tons. Nas pálpebras, ela estava com uma sombra metálica turquesa e seus lábios foram pintados de vermelho brilhante. Adwoa parecia ter saído dos anos 1970 mas com uma parada nos 1940. Seu estilo foi inspirado na diáspora africana com um toque de glamour disco.  A imagem é um mix de referências, colocadas juntas por Enninful e fotografadas por Steven Meisel. Ela confiantemente exala a moda de rua e a informalidade. É altíssima moda - com conteúdo, segura e refinada. E ainda sim diz: todos são bem vindos. 

Ela foi recebida com aplausos na imprensa e nas redes sociais ao redor do mundo. O entusiasmo foi uma resposta clara a falta de diversidade na moda. Quando a ex-editora da Vogue britânica Alexandra Shulman postou uma foto de seus 54 funcionários, todos eram brancos. Durante os seus 25 anos na revista, teve um período de 12 anos em que nenhuma negra apareceu sozinha na capa. Até esse ano, nenhum fotógrafo de origem africana tinha clicado uma capa da Vogue America em seus 125 anos de história. Por mais de 100 anos, nenhuma mulher negra foi editora-chefe em nenhuma das publicações Condé Nast ao redor do mundo, até 2012, quando Keija Minor virou líder da Brides. Nenhuma mulher negra nunca ganhou o prêmio do Conselho de Designers de Moda da América (CFDA) nas categorias roupas masculinas, roupas femininas ou acessórios. Até 2013, as passarelas internacionais eram tão desproporcionalmente brancas que Bethann Hardison, ex-dona de uma agência de modelos e ativista, com o apoio de Iman e Naomi Campbell, publicou uma lista de grifes e estilistas que foram considerados racistas pela falta de modelos negros em seus desfiles. 

Uma indústria que sobrevive de ser inspiração, poucas pessoas não-brancas são autoras das histórias contadas, da definição de beleza, de como o status é conferido e como a feminilidade é representada. Alguns podem argumentar que, em 2012, a ênfase de Enninful na diversidade - que também inclui tamanhos, etnias e culturas - é inevitável, óbvia e fácil. Mesmo assim, muitas edições internacionais da Vogue floresceram: China, México, América Latina e Arábia. Mas a verdade é que nenhum outro editor de uma publicação líder da indústria trata o multiculturalismo como princípio fundamental de operação.  Enninful impressiona os leitores e tranquiliza os anunciantes ao incorporar a diversidade sem democratizar a moda; ele não a dilui, a explica de mais ou faz uma conexão forçada com as rus. Nas mãos dele, a moda continua rara e chique como sempre. Como ele diz, inclusão não significa preços baixos. Ele oferece a mesma tentação que por geração atrai milhões de pessoas pelo mundo, simplesmente tendo conhecimento que crianças não-brancas também sonham.  "Normalmente quando um novo diretor assume, existe um período de instabilidade até ele encontrar sua voz", explica Jonathan Newhouse, chairman da Condé Nast Internacional, que contratou Enninful. "No caso de Edward, ele produziu um produto magistral e de destaque desde o início."  Em maio, ele produziu uma capa com nove modelos em ascensão, de várias cores, tamanhos e uma delas usando um hijab. Elas estavam vestidas em tons de cáqui, bege, oliva e marrom, encaram o expectador com confiança, talvez o desafiando. Alguns críticos falaram de discriminação reversa: ruivas com pele da cor de marfim e loiras de olhos azuis não foram representadas. Mas, em geral, o feedback foi muito positivo.  Junho trouxe a modelo e atriz Cara Delevingne. Ariana Grande foi fotografada em julho. Em agosto, Enninful vestiu Oprah Winfrey com um um vestido Stella McCartney combinado com brincos de diamantes e esmeraldas. "Para mim, é um prazer transformar a Oprah em uma imperatriz que usa os melhores vestidos e mergulhada em joias", diz ele. Uma mulher que foi fotografada milhares de vezes foi vista de uma maneira totalmente nova.  Para o outono do hemisfério norte, parece que Enninful criou o efeito ripple. Tradicionalmente a revista com mais anuncios no ano, as edições de setembro das revistas de moda parecem um tanto quanto homogêneas. Mas este ano, as maiores revistas do mundo colocaram mulheres negras na capa. Beyoncé foi a estrela da Vogue America, fazendo história ao ser clicada por Tyler Mitchell, que é afro-americano. Outras estrelas do mês incluem Slick Woods e Naomi Campbell além das atrizes Tracee Ellis Ross, Lupita Nyong'o, Ruth Negga, Tiffany Haddish e Zendaya. Mas ele liderou o grupo com Rihanna usando um arranjo de flores dramático na cabeça, com sobrancelhas finíssimas desenhadas da mão e lábios brilhantes como amoras laqueadas. E foi a primeira mulher negra a aparecer na edição de setembro da Vogue britânica.  Quando Enninful estava planejando esta capa, ele pensou nas tendências da estação. Depois começou a construir uma personagem, buscando inspiração em diversos períodos históricos, como nos anos 1960, quando mulheres corajosas raspavam suas sobrancelhas e desenhavam outras novas e exageradas. "Lembro de mandar [para Rihanna] um livro que eu tinha sobre mulheres africanas de tribos", ele conta. "Foi apenas um dos campos, mas é o que faz uma boa foto, quando você reúne todas aquelas inspirações e influências e as derrete juntas para criar algo que é novo para os olhos. É quando eu me sinto bem sucedido." 

O trabalho de Enninful tem a influência de Diana Vreeland, Richard Avedon, Helmut Newton. Ele é preciso - livre mas intencional. Seu trabalho é luxo. O visual que ele cria é um atalho para nossas fantasias e medos. Ele brinca com a tensão entre cultura de luxo e a popular, entre privilegiados e desprovidos de direitos, entre o mundo ocidental e todo o resto. E o resultado é profundamente, extraordinariamente lindo.  "Ele tem a visão e talento para contar a história", diz Newhouse sobre Enninful, que ele conhece há 20 anos. "Vogue é como um truque de mágica. Como você descreve a diferença entre uma imagem linda e uma ordinária? É difícil colocar em palavras; você não pode por em um planejamento. Mas o sucesso depende disso." 

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