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Quando sim significa sim, por que não falar disso?

Nós precisamos aceitar a responsabilidade pelas nossas decisões e compreender que nossas ações se baseiam no consenso ativo e positivo

Por Gina Barreca
Atualização:

Qual é a diferença entre dizer: 'Não significa não', e dizer: 'Sim significa Sim'? Não é uma pergunta ardilosa: é uma questão que está no cerne da discussão que ocorre nas universidades e nas legislaturas estaduais de todo o país.

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Ela diz respeito às chamadas leis do consenso afirmativo, que determinam que os encontros sexuais exigem que as pessoas envolvidas deem o seu consentimento claro e voluntário em todas as fases de atividade erótica. A maioria das universidades impôs regulamentações próprias destinadas a tratar da má conduta sexual, pelas quais os perpetradores são punidos de várias maneiras, com a suspensão dos seus privilégios ou com a expulsão ou, em alguns casos, com a entrega dos seus arquivos à polícia e acusações de natureza criminal.

À primeira vista, o conceito de consentimento pode parecer redundante. Existe, acaso, um consentimento negativo? Sim, existe - e é por isso que precisamos de uma linguagem coerente, específica e formalizada para deixar claro o que queremos dizer quando falamos de abuso sexual, ataque e estupro. 

O consenso negativo equivale a ser incapaz, por qualquer razão, de fazer com que a própria vontade predomine em determinada situação.

Quer saber por que você clica na tecla "Concordo" toda vez que assina um boletim, baixa um aplicativo, finaliza uma compra ou atualiza seu software?

Nós precisamos aceitar a responsabilidade pelas nossas decisões e compreender que nossas ações se baseiam no consenso ativo e positivo Foto: Pixabay

Quer saber por que a maioria das religiões pede que você anuncie publica e reiteradamente sua devoção em lugar de dar de ombros e dizer: "Não sei, talvez, não sei decidir"?

Quer saber por que nós ainda pedimos assinaturas em documentos importantes ou, em recibos de artigos que custam mais de 49,99 dólares? Porque o consenso ativo vale a pena. Eles não querem fazer parte de uma aliança (embora breve e superficial ou mesmo capaz de mudar uma vida, e eterna) com um parceiro recalcitrante.

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Nós precisamos aceitar a responsabilidade pelas nossas decisões e compreender que nossas ações se baseiam no consenso ativo e positivo. Presumivelmente, nem os seres supremos nem os fabricantes de software (não são a mesma coisa) querem que as pessoas os acusem de serem inescrupulosos. Eles não querem ser olhados como pessoas que intimidam, destroem ou ameaçam os outros fazendo-os aceitar o que lhes é oferecido.

Portanto, quando queremos algo, concordamos afirmativamente. E se não concordamos, e somos tratados como se concordássemos, ficamos revoltados.

Por exemplo, temos leis em vigor que permitem com que a nossa privacidade seja violada. Entretanto, será uma imposição assegurar que os jovens perguntem a potenciais parceiros eróticos seu consenso antes que de fazer sexo? Acho que não.

As palavras são importantes. Quando os universitários, como ritual nos trotes, em geral avisam: "Não quer dizer sim e sim significa 'anal' ", como faziam em Yale alguns anos atrás, isto compromete a credibilidade do não. A mesma falência da linguagem vale para a pergunta de Rush Limbaugh (comentarista político de direita), em 2014: "Quantos de vocês rapazes em sua experiência com mulheres aprenderam que não significa sim?". Limbaugh estava zombando da política sobre conduta sexual adotada pela Universidade Estadual de Ohio, segundo a qual, falar sobre sexo obviamente "acaba com o romance" e desmerece a arte da sedução.

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Se sedução significa o uso da manipulação, da força ou de coquetéis feitos segundo a receita de Bill Cosby para prender a atenção de uma companheira que de outro modo não estaria interessada, então vamos rebaixar a sedução de uma arte para mera brincadeira.

Talvez cheguemos perto de um ideal em que é possível substituir a ignorância sexual pela atração mútua, pelo interesse recíproco e pela possibilidade de prazer, embora, naturalmente, esta possa ser minha maneira totalmente feminista de considerar as coisas. Mas, lembrando o que os Beach Boys cantavam antigamente, Não seria demais?

Finalmente, precisamos ter certeza de que as novas leis protegem a todos: os homens, e também as mulheres, precisam ter um ambiente seguro que lhes proporcione apoio. Nem os homens nem as mulheres deveriam correr o risco de se tornarem vítimas da violação dos seus direitos ou de ações começadas com raiva, e realizadas com o objetivo de ferir.

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E para os estudantes que não querem conversar sobre sexo quando estão pensando em fazê-lo? Vocês poderiam ter uma aula de inglês e estudar o adorável solilóquio afirmativo de Molly Bloom no final do Ulisses de Jayme Joyce: "As palavras podem se tornar boas amigas - até mesmo íntimas".

Gina Barreca é professora de inglês na UConn, estudiosa feminista, e autora de oito livros

Tradução de Anna Capovilla

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