Quando as famosas se vestiam por conta própria

Os museus Metropolitan, em Nova York, e Palais Galliera, em Paris, sediam exposições que celebram duas mulheres que esbanjavam estilo (e dispensavam stylists): Jacqueline de Ribes e Élisabeth, a condessa Greffulhe

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Por Vanessa Friedman
Atualização:
Élisabeth Greffulhe, assunto da mostra da Palais Galliera, em Paris. Na foto, ela veste um vestido e um casaco feitos com pele de cordeiro, por volta de 1886 Foto: Otto/Galliera/ Roger-Viollet

Imaginem uma época anterior ao tapete vermelho. Foi uma época antes das celebridades serem pagas pelas marcas para se vestir. Uma época em que ainda não éramos instruídos diariamente pela mídia social e pelos blogs, nem pelas páginas pessoais dos artistas e pelas listas constantes dos mais bem vestidos. Uma época em que as pessoas que ditavam a moda não escolhiam o que vestir com a ajuda de outras pessoas e não alteravam seu visual a cada mudança do contrato. 

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Uma época em que o streetstyle não era cooptado pelas marcas e as pessoas usavam seu próprio guarda-roupa - e não um guarda-roupa emprestado com o propósito específico de serem fotografadas no decorrer de suas vidas “reais”. Antes, ter um estilo próprio era algo autêntico e necessário, e a melhor maneira de consegui-lo era estudar as mulheres que o haviam criado sozinhas. 

Com a chegada da temporada de premiações, que começa tradicionalmente em novembro, com o Gotham Independent Film Awards, e termina em março, com a cerimônia do Oscar, nos preparamos para ser inundados por uma maré de imagens do tapete vermelho que nos dirão como devemos nos vestir. Por isso, se você estiver com tempo, é interessante revisitar red carpets passados. Como poderemos fazer isto? Visitando um museu.

Até fevereiro próximo, o Costume Institute, do museu Metropolitan, em Nova York, e o Palais Galliera, em Paris, apresentam mostras para comemorar e expor os guarda-roupas de duas mulheres diferentes, donas de estilos absolutos: 'Os Vestidos-Tesouros de Elisabeth , condessa de Greffulhe', no museu da moda em Paris, e 'Jacqueline de Ribes: A Arte do Estilo', no Met.

Será coincidência que duas das mais importantes instituições da moda tenham decidido sediar mostras semelhantes mais ou menos na mesma época? Possivelmente. Ou talvez seja apenas uma reação ao ethos atual. “Nós sempre falamos dos criadores, mas raramente das clientes”, afirma Olivier Saillard, diretor do Galliera, explicando sua escolha. “São elas que talvez tenham mais a nos ensinar.."

Sobre o que? “A não comprar demais e a filtrar a moda para descobrir o que favorece mais a cada um”, diz Harold Koda, curador encarregado do Costume Institute. Os dois homens não conversaram (sequer falam a mesma língua, e suas afirmações pertencem a discussões totalmente diferentes), mas claramente têm um discurso alinhado. A mostra do Met inclui 60 trajes, principalmente vestidos de noite, dos anos 60 até o final dos 90. 

Jacqueline de Ribes fotografada por Richard Avedon, no Met Foto: The Richard Avedon Foundation

Uma das musas de Truman Capote, assim como Gloria Vanderbilt e Marella Agnelli, Jacqueline de Ribes era famosa por seu perfil de Nefertiti, imortalizado por Richard Avedon, e celebrada por seu bom gosto. Ela frequentemente colaborava com os costureiros que a vestiam, de maneira que seus trajes, como disse Koda, ganhavam a etiqueta “Jacqueline de Ribes para Christian Dior”.

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Em 1982, ela abriu seu próprio negócio homônimo de confecções, que foi fechado em 1995. Tornou-se uma das primeiras socialites a virar estilista, preparando o caminho para nomes como Carolina Herrera e Tory Burch. Sua marca, segundo Koda, era uma “espécie de exotismo idiossincrático”, marcado por cores saturadas, linhas rigorosas e assimetrias.

A mostra do Galliera, por sua vez, tem 50 vestidos de costureiros como Charles Frederick Worth, Fortuny e Jeanne Lanvin, evoluindo dos trajes estruturados com bordados extravagantes da virada do século para peças mais soltas, mais fluidas e cheias de plumas que pertenceram à mulher que inspirou o personagem da Duquesa de Guermantes, de "Em Busca do Tempo Perdido", de Marcel Proust.

E para saber o porquê, basta olhar para os vestidos. “Eles falam de uma mulher que montou o seu guarda-roupa para criar uma identidade”, afirma Saillard. Uma identidade que implicava dar forma, não apenas aos gostos estéticos dos seus pares, como também a seus valores culturais e políticos. 

Peças da mostra "Os Vestidos-Tesouros de Elisabeth , condessa de Greffulhe', no museu Palais Galliera, em Paris Foto: Divulgação

Embora a condessa de Greffulhe lançasse tendências quase meio século antes de Jacqueline de Ribes, ambas as exposições são marcadas por uma palpável coerência estética, um caráter atemporal contraposto à sensação de moda, em parte porque seus personagens se vestiam para agradar a si mesmos e para se expressarem. E não para causar impacto nnas redes sociais e aparecer para os paparazzi.

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“Suas roupas eram feitas não para serem mostradas, mas para serem usadas”, diz Saillard sobre o guarda-roupa de Greffulhe. O que não significa que elas sejam discretas e ultrapassados- pelo contrário, algumas podem ser notavelmente dramáticas.

Koda admite que, antes de conhecê-la, pensava que a condessa de Greffulhe não passava de uma mulher ociosa, que tinha grande apreço por mobiliário e arte. Mas mudou de ideia quando ouviu da própria, aos 86 anos, que ela não era assim. "Desde criança resisti a ser colocada nesta categoria. Eu queria criar". E, de fato, suas roupas foram seu veículo de expressão. 

“Exige certa dose de disciplina dizer: ‘Isto é bom para mim, eu sou isto, e nenhuma tendência será encontrada aqui. Eu só vou comprar o que posso usar para emoldurar o melhor retrato de mim mesma”, acredita Koda. “Isso diz respeito à realidade de mulheres que levam certo tipo de vida”. E, embora tais tipos de vidas possam parecer superficialmente uma relíquia de outra era, as lições de cada exposição a respeito da escolha e da visão de si mesma, da compreensão da identidade que você cria por meio da roupa e das oportunidades que elas expressam, são totalmente contemporâneas. Até mesmo mais atemporais do que os vestidos em si.

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Tradução de Anna Capovilla