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Qual o futuro da moda italiana?

Em Milão, a tradição está em jogo versus a inovação vinda de outras capitais

Por Jorge Grimberg
Atualização:
Camurça e atmosfera vintage na Gucci trouxeram referências tradicionais da marca Foto: Reprodução Gucci

Miuccia Prada, Giorgio Armani, Roberto Cavalli e Donatella Versace representam a verdadeira realeza da moda global. Influentes e poderosos, eles resistem em abandonar os seus tronos e passar o cetro adiante para criadores mais jovens. Com idades variando entre 59 (Donatella) e 80 anos (Armani), os ‘reis' seguem no comando de suas marcas familiares e ultrapassam a mudança dos tempos.

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Dos italianos, o estilista Valentino Garavani é um dos poucos que abdicou do trono ainda em vida. Desde 2007, a dupla Maria Grazil Chiuri e Pierpaolo Piccioli reinventou a marca Valentino e a trouxe para o século 21 com estilo. Com desfile em Paris, e não em Milão, a Valentino vem conquistando um grupo de jovens consumidores com tênis esportivos e bolsas com tachas de metal dourado. Hoje, quando penso em Valentino, não vejo Sophia Loren em um sensacional vestido vermelho. Imagino um tênis esportivo nas mãos de um braço tatuado sexy. Essa imagem é de Terry Richardson e trouxe a grife para um lugar relevante e jovem nas mentes que circulam no universo de moda. 

Os guerreiros que sobreviveram à virada de século - e continuam tocando suas grifes - apresentaram suas coleções Primavera/Verão 2015 em Milão, na última semana. Esses empresários e criadores se firmaram há mais de 30 anos, na onda made in Italy, que teve o seu auge na década de 80 (com exceção de Donatella que somente passou a comandar a grife da família após a morte de seu irmão Gianni Versace, em 1997) e ainda hoje se esforçam para continuar relevantes. 

A atmosfera 70"s criada por Miuccia Prada segue em ares menos comerciais Foto: Reprodução Prada

Esses estilistas foram sucessores do império fashion francês, que contava, em seu ápice, com nomes como Coco Chanel, Christian Dior e Yves Saint Laurent, que décadas antes comandaram e influenciaram a moda global. Atualmente, esses nomes franceses representam mais que esses criadores, tornaram-se instituições da moda e fazem parte de conglomerados com estratégias comerciais agressivas. Se em Nova York e Londres grande parte dos desfiles (e das novidades) vem de um grupo de jovens talentos, como Public School, Proenza Schouler e Christopher Kane; e em Paris, os principais desfiles trazem interpretações de novos estilistas a casas de moda consagradas; em Milão, são ainda Donatella, Armani e Miuccia que devem, temporada após temporada, década após década, restaurar o glamour à la dolce vita. 

Entre os grandes desfiles que foram apresentados nas passarelas de Milão de 17 a 22 de Setembro, um clima de anos 70 parece que manteve a moda italiana presa ao passado. A Gucci, de Frida Giannini, apresentou um desfile com aspecto de Califórnia nos anos 70, com referência tradicionais da Gucci, como a camurça, que apareceu em bolsas, como há muito não era vista. O resultado é fresco e nostálgico ao mesmo tempo. O styling foi um mix de Jimmy Hendrix com Gloria Vanderbilt. Um roqueiro dos anos 70 da Califórnia em um jantar de sociedade em Nova York. 

A Prada, que relatou uma queda de 21% do seu lucro líquido no primeiro semestre, apresentou uma coleção pouco comercial e bastante íntima. Remendos de diferentes tecidos e combinações, que iam de alfaiataria a estofados, nos levaram a um mundo dos sonhos da estilista Miuccia Prada (com base certamente nos anos 70). O estilo remetia a uma garota que fugiu de casa e levou consigo o que pode, e costurou tudo junto. Foi um risco calculado. Mas o resultado foi tão delicado que os fãs de Prada com certeza ficaram felizes. Os elementos de design da Miuccia Prada estavam reconhecíveis e expostos na passarela, mas sem grandes inovações. 

Versace: novo estilo mais atlético Foto: NY Times

A Versace está procurando mudar. As peças que são sempre exageradamente decoradas, femininas e com muito ornamento em ouro, dessa vez vieram limpas, atléticas e sexy (sem ser vulgar). Donatella trocou os vestidos estruturados por modelagens simples e sólidas. 

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Mas existe também ar novo em Milão. Marcelo Burlon apresentou a primeira coleção feminina de sua marca, County of Milan, com apenas oito looks ‘statement’. O estilista, que até pouco tempo era uma figura conhecida da noite e amigo de gente importante, começou com uma linha de camisetas que hoje é vendida em mais de 450 pontos pelo mundo. Ele faz parte de um novo grupo de criadores que vem do underground para o mainstream que, junto com a nova-iorquina Hood by Air, transportam a contracultura para as passarelas internacionais. Uma raridade na Itália.

A Moschino apresentou o segundo desfile sob o comando do estilista inglês Jeremy Scott com o tema Barbie. Na trilha do desfile, o hit (duvidoso) do grupo Aqua, de 1997, ‘Barbie Girl’ dava o tom à coleção. Acho que nem vale a pena comentar a moda aqui. O mais interessante é o imediatismo do desfile feito para a geração Instagram, com vendas imediatas na Moschino.com e na Opening Ceremony alguns dias depois do desfile. Alguns estilistas menos conhecidos, como Uma Wang e Fay, apresentaram coleções inovadoras, sem atrair flashes da imprensa internacional, que deixou a cidade antes do final da semana de moda, rumo a Paris. 

Mesmo com tanta tradição, e até um respiro de inovação, os problemas da moda italiana vão muito além das passarelas. O país está passando pela sua terceira crise financeira aguda desde 2008, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. A economia, a terceira mais importante da zona do Euro, diminuiu 0.4%, em 2014, e esses números claramente refletem nos ânimos da temporada. Além disso, grandes instituições do luxo e da moda local foram vendidas nos últimos anos, tirando prestígio e confiabilidade à estabilidade local. A Bulgari, joalheira que representa todo o esplendor romano, já é parte do grupo francês LVMH, assim como a Pucci, marca que representa toda excentricidade e glamour ‘made in Italy’, também tem sobrenome francês. Sem falar na Gucci, tradicional maison de Florença, que pertence ao grupo Kering, também da França. É como se a Havaianas fosse argentina. Já pensou? 

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Será interessante observar as próximas temporadas dessa novela italiana. Enquanto a moda caminha para um lugar democrático, os reis felinianos continuam seduzindo, mas perdendo espaço e relevância. A Louis Vuitton acabou de recrutar artistas e estilistas de diferentes áreas para interpretar o famoso monograma da marca. Até Lagerfeld criou para a Louis Vuitton. Marc Jacobs entregou sua segunda marca, Marc by Marc Jacobs, para Katie Hillier e Luella Bartley, duas estilistas inglesas (mais jovens do que ele) que estão fazendo um excelente trabalho. As grifes hoje ultrapassam os seus criadores. Será que está na hora dos deuses italianos abandonarem seus tronos e abrirem espaços para novos talentos? 

Cenas do próximo capítulo.

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