Projeto em Paraisópolis quer formar elite de moda da periferia

'Não fazemos assistencialismo, estamos no horizonte do empreendedorismo', diz co-fundador da iniciativa que oferece oficinas e cursos gratuitos em parceria com a USP

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Por Natália Guadagnucci
Atualização:
Na foto, da esquerda para a direita:Alan Jesus,Alice Marques, Alex Santos, Luan Costa, Rogerio Rocha e Beatriz Rocha Foto: Rafael Arbex/ ESTADÃO

Favela e elite, universidade e inclusão, empreendedorismo e projeto social: os conceitos à primeira vista contrastantes encontraram como denominador comum uma iniciativa na Zona Sul de São Paulo – o Periferia Inventando Moda (Pim). Instalado em Paraisópolis, segunda maior favela da cidade com cerca de 100 mil habitantes, o Pim oferece oficinas preparatórias para modelos, maquiadores e cabeleireiros desde 2014. Agora, está expandindo seus domínios.

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Junto com a Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP) e a Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Moda (Abepem), lança a UniPim, uma escola de moda com programação de cursos gratuitos, com temas como mídias sociais, branding e fotografia, com certificação da USP. Além das oficinas Start, como são chamadas as aulas, haverá uma série de painéis com nomes influentes da moda para debater temas relacionados ao mercado. 

“O projeto é interessante porque tem uma perspectiva de transformação social muito grande. Os jovens conseguem colocação no mercado de trabalho e, por isso, a gente entendeu que é importante estarmos juntos, cumprindo o papel da universidade de diálogo com a sociedade, suprindo essa carência de informação”, explica a dra. Clotilde Perez, chefe do Departamento de Publicidade e Relações Públicas da ECA/USP e responsável pela curadoria acadêmica da UniPim.

Elite da periferia

“As pessoas ainda olham a favela com muito preconceito”, diz o produtor cultural e psicólogo Nil Santos, co-fundador do projeto ao lado do estilista Alex Santos. “O mercado de moda é muito fechado e disputadíssimo. Quem faz evento de moda acaba caindo na dinâmica de chamar sempre as mesmas marcas, mesmos profissionais. Quebrar esses padrões é que é difícil”.

“Só por morar na comunidade, as pessoas já vivem o estigma das drogas, da violência. A gente quer devolver a essência delas, mostrar que elas são capazes de conquistar um lugar que nunca pensaram poder conquistar”, completa Alex.

Ao ocupar espaços não comumente frequentados por quem vem da favela, os fundadores do Pim e seus alunos têm rompido barreiras importantes. Para Mariano, aliás, “a moda deve ser elitista – o conceito de elite é que está equivocado”. “Aqui, tento formar uma elite de moda da periferia. A elite no Brasil não vem do mérito, mas de apadrinhamento e dinheiro. Quero mostrar que isso não basta, que ser da elite significa fazer parte do grupo que está mais preparado, dos melhores”, explica.

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O conceito de assistencialismo, frequentemente associado a projetos sociais, também é algo que a dupla tenta ressignificar. “Não fazemos assistencialismo. Estamos no horizonte do empreendedorismo”, fala Nil. “Você capacita a pessoa para que ela consiga galgar posições no mercado em pé de igualdade [com quem está fora da periferia]”, pontua. Tem mais. “Nosso objetivo não é exaltar o ‘pobrismo’, a favela pela favela. A gente não ama a favela, quer sair da favela. A gente não cultua a pobreza. Só queremos mostrar o nosso melhor”.

Nil Mariano e Alex Santos, os nomes por trás do Periferia Inventando Moda Foto: Natália Guadagnucci/ ESTADÃO

“Boa vontade não basta”

No segundo semestre, Alex e Nil pretendem ampliar a programação de oficinas, incluindo aulas como as de criação de moda e visagismo. Os planos são de expansão, mas a iniciativa ainda enfrenta um desafio comum à grande parte dos projetos independentes no país: a falta de recursos.

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Em busca de patrocínio, a dupla pretende lançar uma vaquinha virtual e se inscrever em editais para conseguir apoio da Prefeitura – que, por enquanto, restringe-se à liberação do espaço do CEU Paraisópolis para as aulas da UniPim. O trabalho voluntário de professores e o apoio de empresas, como o Grupo Leader e a Vult, tem dado fôlego ao orçamento, mas ainda não é suficiente.

“Boa vontade não basta. Quando você começa um projeto como este, vê muita boa vontade surgindo de todos os lados. Mas como traduzir isso em uma ação precisa, que vá fazer diferença? É preciso foco e trabalho duro, tanto da nossa parte quanto dos alunos. Sem dinheiro, tudo fica mais difícil”, afirma Mariano.

Ao centro, Alex Santos. Da esquerda para a direita, em pé: Beatriz Rocha, Alice Marques, Luan Costa, Alan Jesus e Rogerio Rocha Foto: Rafael Arbex/ ESTADÃO

União e força

Mais do que oferecer capacitação, a escola quer ampliar o horizonte profissional desses jovens, segundo Nil. "É o que chamo de empreendedorismo pessoal, de encontrar na moda uma carreira que não havia nem sido pensada antes", fala. Os alunos endossam o coro. Para Beatriz Rocha, de 21 anos, a UniPim revigora a ideia de que cada um tem sua própria essência. “A moda não deve ser algo que só quem é privilegiado edita”, diz ela, que participa da oficina de modelos há um ano.

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Na oficina de modelos, ministrada pelo próprio Alex Santos, os ensinamentos vão além da postura na passarela e das poses para fotos. O estilista quer estimular discussões entre os alunos, levando temas relevantes e informação dos mais variados campos da moda para as aulas, que acontecem todos os domingos. “As agências [de modelos] ainda buscam um padrão. Aqui a gente aprende a valorizar as nossas diferenças. Não precisa ser alto, magro ou branco para ter espaço”, diz Alan Jesus, de 18 anos, que também frequenta a oficina.

“Em Paraisópolis, mexeu com um, mexeu com todos. A gente trouxe isso para o Pim. E assim estamos atingindo lugares que nem imaginávamos ser possível”, completa o criador Alex Santos. “A vida fica mais fácil quando a gente se ajuda”.

Serviço

Pim Rua Major José Marioto Ferreira, 12B, Paraisópolis Tel.: 98776-8848projetopimsp.wixsite.com/unipim

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