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Por que a moda agora ama Cuba

A retomada das relações entre os Estados Unidos e a ilha caribenha está influenciando o universo fashion e colocou o país no centro das atenções

Por Vanessa Friedman
Atualização:
A modelo Giedre Dukauskaite posou em Havana para o editorial da Marie Claire americana de setembro de 2015. Foto: Reprodução/ Takay/ Marie Claire

Quando as pessoas conversam sobre a retomada das relações entre os Estados Unidos e Cuba, como fizeram após a visita do presidente americano Barack Obama à ilha entre os dias 21 e 22 deste mês ou depois do show histórico da banda britânica Rolling Stones em Havana, no dia 25, elas falam principalmente de história, diplomacia e influência. E, principalmente, sobre o que isso significa para o futuro em termos de negócios, turismo e, obviamente, direitos humanos. Ninguém costuma falar sobre moda.   No entanto, por mais estranho que pareça,a moda de Cuba diz muito sobre o país - e não só porque a situação política atual deixou a ilha em alta e a tarefa da moda seria refletir o espírito desse momento. Também não é porque a abertura das importações pode afetar o fluxo de roupas do sul para o norte, muito menos porque o candidato republicano à presidência dos Estados Unidos, Marco Rubio, é cubano-americano. Mas porque, para uma ilha relativamente pequena, com 11,2 milhões de habitantes, Cuba ocupa um espaço considerável na imaginação de estilistas mundo afora.   Isso não diz respeito somente às guayaberas, camisas típicas das ilhas caribenhas, ou às camisas com colarinho cubano, mais aberto e com duas dobras, embora elas tenham se tornado um item icônico no guarda-roupa masculino. Diz respeito a algo mais abstrato e visual: uma noção de cor, clima e sensações que alimentam a fantasia de uma "ilha proibida" e tem sido a fonte de referência sem fim para estilistas com laços reais com o país (como Adolfo Sardiña, Narciso Rodriguez, Isabel Toledo e Alejandro Ingelmo) ou sem.    Foi Cuba que inspirou a coleção masculina de primavera/verão 2015 de Donatella Versace, com jeans brancos, bordados dourados de folhas de palmeiras, tons de rosa, areia e azul, e detalhes em renda que faziam alusão à arquitetura de Havana. A ilha também deu forma à coleção feminina de primavera/verão 2014 da estilista americana Tracy Reese, com saias amplas e estampas de hibisco em cores vibrantes e tropicais. E ainda serviu como ponto de partida para a primeira coleção masculina do britânico Matthew Williamson, em 2010.

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  Fora das passarelas, é memorável o editorial de 18 páginas da revista americana Harper's Bazaar, de 1998, com as tops Naomi Campbell e Kate Moss. Clicado pelo badalado fotógrafo francês Patrick Demarchelier, o ensaio rendeu uma multa de US$ 31 mil do Tesouro americano à publicação por ter violado o embargo.   Isso só para dar uma leve ideia da influência de Cuba no mundo da moda. Em relação a por que, bem, em parte tem a ver com o histórico político de Cuba, e a romantização do tabu; e em parte com as referências culturais do escritor Ernest Hemingway para o "Fim de Semana em Havana" de Carmen Miranda.   Principalmente, porém, tem a ver com o fato de que - nas palavras de Alejandro Ingelmo, renomado designer de sapatos, cujo avô tinha uma das fábricas de calçados mais famosas de Cuba mas fugiu quando Fidel Castro chegou ao poder -, "a ilha estava muito desconectada". 

"Quase não existem videogames, internet ou mesmo TV", diz ele. Por isso, Cuba nunca foi parte da onda de globalização que criou um nível de similaridade cultural que pode fazer Tóquio parecer St. Tropez. "A imagem da ilha congelou no tempo por volta da década de 1950", afirma Ingelmo. "As imagens, as histórias que nós temos em mente: tudo é daquele tempo." E poucas coisas animam tanto a moda como um pulo em décadas passadas.   Mas isso foi antes das mudanças políticas, quando Cuba era apenas uma abstração para muita gente (o embargo americano serviu para isolar até mesmo aqueles que poderiam visitar a ilha sem sofrer consequências). Agora que essa situação mudou, as roupas também vão mudar? Vamos começar a ver uma influência cubana que vai além daquelas já notadas nas passarelas e lojas, ou será que a fantasia vai ser derrubada pela realidade?   Como Ingelmo sinaliza, Cuba é um país de privações reais, em que se tem a impressão de que "a vida é vivida lá fora". Parte de seu apelo visual é um resultado da falta real de opção. Uma coisa é sonhar sobre uma terra isolada pela lei, outra é de fato confrontar essa realidade.   "Acredito que o novo cenário político definitivamente vai ter uma influência na moda", diz Paul van Zyl, diretor executivo da grife americana politicamente correta Maiyet. Como essa influência vai se dar é outra questão. Evidentemente, as respostas menos óbvias vêm de designers que têm entendimentos mais reais sobre Cuba: Ingelmo, Rodriguez e Toledo (os dois últimos são também, coincidência ou não, os favoritos de Michelle Obama). E talvez aí esteja uma dica.   Rodriguez, por exemplo, atribui seu amor a vestidos justos e sua paleta de cores à ascendência cubana. Toledo, que nasceu em Cuba e se mudou para os Estados Unidos quando adolescente, diz que aprendeu a ver cor e atmosfera em Cuba.   "A cidade em que nasci era no alto de uma montanha, no meio do país", afirma ele. "A luz era bem particular lá. Ela definitivamente influenciou a forma como eu enxergo cores e texturas. Sinto que o romance e o mistério em meu trabalho têm relação com Cuba, mas a lógica das minhas estampas são totalmente influenciadas por minha experiência americana."   Ingelmo, por sua vez, acredita que a combinação de "sensualidade e elegância" em seus sapatos é algo especificamente cubano, e o separa de outros estilos tropicais. Ele também concorda com Van Zyl e acha que Cuba está prestes a ter seu momento no mundo da moda. "Nesta indústria, tudo volta", disse.   Já Rodriguez, no passado, afirmou que nunca havia falado sobre Cuba. Era um assunto muito sensível politicamente. "Agora, no entanto, acho que talvez seja o momento", afirma.

* A reportagem foi atualizada e traduzida por Marília Marasciulo.

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