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O Fabuloso Universo de André Almada

Jorge Grimberg conversa com o empresário da noite paulistana para desvendar a fantástica cultura da noite gay e sua influência na cidade

Por Jorge Grimberg
Atualização:
Festa Toy no Grand Metrópole do Grupo The Week (2014) Foto: Reprodução

Existe um campo cultural em São Paulo que está à frente de Nova York, Londres e Milão. A subcultura da noite gay paulistana é referência no mundo pela diversidade, tecnologia, consistência e qualidade. Um dos principais responsáveis por isso é André Almada. Fundador do Grupo The Week, que completa 10 anos em 2014, o empresário dirige dois clubes em São Paulo - The Week e Grand Metrópole -, um prestes a reinaugurar no Rio de Janeiro, além festivais de verão em Florianópolis e festas especiais por todo o mundo com o selo da casa. 

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A The Week São Paulo, seu clube principal no bairro da Lapa, recebe todos os sábados aproximadamente 3.000 pessoas. Alguns milhares de homens e algumas centenas de mulheres, dos 18 aos 40 anos - em média -, extravasam a portas fechadas. Oclima é eletrizante. Só quem está lá sabe o que acontece. A pista pega fogo. Entre os frequentadores, estão médicos, juízes, dentistas, advogados e funcionários públicos. Mas também os profissionais dos bastidores da moda estão lá: stylists, maquiadores, cabeleireiros e estilistas. É um lugar onde as regras da sociedade se perdem e tudo pode acontecer. Da meia-noite até altas horas da madrugada, mágica acontece na Rua Guaicurus semanalmente. 

A noite sempre foi inspiração para a moda. Movimentos importantes como clubbers, punks e góticos saíram dos clubes noturnos e invadiram as passarelas dos anos 70 aos 90. No século XXI, tudo se perdeu um pouco. O street style passou a ser uma maneira mais fácil para que os estilistas identificassem as tendências. Mas os looks encontrados nos blogs são geralmente ‘montados' para as semanas de moda e não para a vida real. É na noite que as pessoas se vestem (ou se despem) para viver a vida. É um momento de expressão total, de liberdade criativa. É quando pessoas comuns brilham e colocam para fora toda a energia e criatividade, que a maioria esconde durante a semana em um emprego das 9 às 6. 

André é o rei do pedaço. Simples, acessível e sempre com um sorriso no rosto, o empresário tirou o universo gay da marginalidade e criou um ambiente sofisticado, que mudou a auto-estima dos jovens. Não existe nada parecido com a The Week nas principais capitais da Europa e EUA.

O empresário André Almada Foto: Reprodução

Os notívagos paulistanos vestem correntes de prata com símbolos religiosos, bonés e camisetas de baseball. Barbas e tatuagens são quase obrigatórios. Tanquinhos e bíceps definidos te dão acesso a esse clube. Os homens são extremamente masculinos e delicados ao mesmo tempo. Os corpos são meticulosamente trabalhados para poderem dançar sem camisa no sábado à noite e estarem ainda perfeitos quando amanhece. Os tênis são pesados, de cano alto, com referência ao universo do basquete e moda de rua dos anos 80. 

Somente no feriado de 7 de setembro, mais de 15.000 pessoas vieram de todo o Brasil e do mundo para as festas que comemoraram a primeira década da casa. 

Conversei com André Almada para capturar esse momento tão importante da nossa cidade e descobrir o trabalho que envolve a criação do seu ‘universo perfeito’.

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Festa Toy, no Grand Metrópole (2014) Foto: Reprodução

André, 10 anos! Eu lembro da sua primeira festa. Você reuniu meninos que eu nunca tinha visto juntos. Eles não tinham um estilo definido. Tudo foi criado na pista de dança. Como isso aconteceu?  Foi a vivência mesmo desses universos. Eu cheguei em São Paulo [de Birigui] na década de 90 e comecei a frequentar a noite. Fui a todos os clubs underground: Nepal, Gent´s, Massivo, Malícia, Columbia, Hells, Ursa Maior, Nation, raves, tudo que você possa imaginar. Foi o boom da cena eletrônica. Na época, a [jornalista] Erika Palomino colocou esse universo na mídia, nos holofotes. Conheci todos os tipos de personalidades diferentes. Eu nunca fui só de um universo, assim você se segrega por pertencer a um certo grupo. Eu sou do mundo e isso reflete na The Week. Ela é democrática. Para mim todos são bem-vindos. A noite é onde todos se libertam e a The Week é o lugar onde as pessoas vêm buscar o anonimato. Elas querem conhecer um nobody, fazer sexo, ser feliz, namorar e não ser a pauta do almoço do [restaurante] Rodeio (churrascaria tradicional na Rua Haddock Lobo) no domingo. Se você está na pista 1, dá uma escapada da sua turma e vai para pista 2 e conhece um cafuçu*, sua privacidade está preservada. Em outros clubes de São Paulo, ninguém se solta porque todo mundo se conhece. Por isso a The Week é um sucesso. Ninguém tá nem aí. 

A vida noturna sempre define subculturas. Já vimos os ravers, góticos, rockers, hippies, etc. Como você define a sua tribo? Na verdade não dá para definir. É um universo inexplicável: novos, velhos, sarados, heteros, gays, arrumadinhos, sem camisa, fashionistas, clubbers, todo tipo de gente! É a anti-cultura. É um exibicionismo puro. Uma concentração de pessoas que querem mostrar o corpo. O frequentador malha meses na academia e realiza o desejo de tornar-se o estereótipo do que ele almeja ser na pista de dança. 

Na noite, é onde eu vi os looks e estilos mais absurdos. É onde a moda nasce. Quais tendências que você viu surgir no universo da The Week? O que eu vejo na cena gay hoje são os bonés, os looks masculinos de jogador de basquete, tênis pesados estilo Riccardo Tisci (para Nike). Esse estilo mais mano mesmo. No subconsciente, existe no gay essa coisa de superar o lado masculino por meio da moda. Quando você é mais sensível, você tenta fortificar isso com os looks para chamar a atenção de outros homens. Quantos caras a gente conhece que vestem Osklen e fazem a linha surfistinha para pegar o cara bofe? Isso não é só moda. Isso é um comportamento. É criar uma imagem para suprir algo da sua personalidade que você não consegue esconder. As tatuagens, as barbas, os bermudões, tudo hoje é muito masculino. É aquela coisa do ser macho. Isso é novo. É muito doido. É o que eu estou vendo agora. É muita barba!

O DJ israelense Offer Nissim no aniversário de 10 anos da The Week (Setembro 2014) Foto: Reprodução

E como você observa a mudança de comportamento do gay mais afeminado até o novo estereótipo machão, com barba e tatuagem? Não era assim. No universo sertanejo, por exemplo, na cena hetero, os homens vestem tudo justinho. O gay já está um passo à frente na moda, na atitude. Nós sempre fomos aquela coisa baby-look e calça justinha. Agora é tudo gigante: regatão, camisetão, bermudão, além de pulseiras de couro e metal. Tudo muito masculino e grande. E esse movimento está aumentando cada vez mais. Isso também tem influência da maneira como os gays querem ser vistos pelos outros. 

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O povo de moda tinha muito preconceito com a The Week e, pouco a pouco, a imagem foi mudando. Eu acho que justamente a sua noite é um caldeirão underground de culturas, estilos, música e ideias, que surgem e evoluem. Como você faz para não sair de moda e manter-se relevante? Na verdade, o público se recicla automaticamente. O que faz da The Week um sucesso é que ela nunca pode estar com cara de ontem. Estamos sempre em reformas. Agora estou focado em terminar a obra do Rio de Janeiro, comprar o espaço que fazemos as festas em Floripa e depois vamos reformar São Paulo completamente. O segredo é trazer sempre novidades. Transformar cenários, equipamentos, disposição de luzes, a criatividade dos figurinos, dançarinos e fazer as pessoas viajarem nisso. Criar o desejo de ver algo novo sempre. 

Eu estava em Nova York e escutei um amigo dizendo: “Gostaria que Nova York fosse como São Paulo, que no sábado à noite todo mundo soubesse onde ir”. Ele estava falando da The Week. Nesse momento eu vi que o Brasil pode, sim, estar à frente de novos movimentos. Você planeja expandir o seu conceito e cultura de noite para o mundo? Cogitamos abrir em Miami, mas ainda é muito incipiente. A The Week é única porque nós temos o melhor público. É o brasileiro que faz a The Week. Se tivesse uma lá fora, sem os brasileiros, não ia dar certo. A música, a iluminação, os profissionais, tudo é daqui. Eu uso Made in Brazil no logo. Eu faço festas pelo mundo, mas elas não representam a experiência da The Week. Aqui as pessoas se sentem seguras. Elas conhecem o cara do caixa, o cara do bar. As pessoas que frequentam estão em casa. É uma família. Você se sente dentro de uma caixa protegida. Todo mundo se sente dono. Prova disso é o que aconteceu esse ano no Carnaval de Florianópolis. As pessoas compraram ingressos sem saberem onde seriam as festas. Sem programação. Elas confiam na gente. 

Você vê ainda preconceito das marcas de moda em conversar diretamente com o público gay? O que falta para o seu ‘universo perfeito’ ser aceito como universo de consumo? Ainda tem muito preconceito. As grandes empresas dificilmente se associam ao público gay diretamente. Com isso, assumimos o papel de lançadores de tendências e descobrimos tudo antes dos outros. Ao invés das marcas nos buscarem, nós buscamos as marcas. O que mudou na última década é que o gay no Brasil não precisa mais ir para um gueto escondido buscar diversão. Hoje os gays podem sair com orgulho. A The Week é mencionada em novela e é cenário de filmes. E, ainda digo mais, arrisco dizer que o novo clube do Rio de Janeiro será o melhor do mundo. 

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* Cafuçu: gíria criada no Brasil para definir homens mais rudes que geralmente moram nas periferias das cidades.

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