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No mundo da moda, gordura ainda é tabu

Em cartaz em Nova York, a exposição "Além das Medidas: Moda e as Mulheres Plus-Size" sugere que a vergonha do corpo, com raízes no século 19, continua um fardo nos dias de hoje

Por Ruth La Ferla
Atualização:
Cintas modeladoras e enchimentos usados pelas modelos são mostrados em slideshow exibido na exposição"Beyond Measure: Fashion and the Plus-Size Woman." Foto: Kristiina Wilson, via Refinery29/80WSE Gallery

Corada e cheinha, Madame de St.-Maurice sorri complacente para os visitantes da 80WSE Gallery, na Universidade de Nova York (NYU). Na tela do século 18, de Joseph Siffred Duplessis, Madame ostenta seu queixo múltiplo, os braços rechonchudos e o vasto colo velado em uma roupa semitransparente. 

Quando o quadro original foi exibido, houve elogios “pela confiabilidade que passava”, diz Tracy Jenkins, curadora da exposição 'Além da Medida: a Moda e a Mulher Tamanho Grande', da qual o quadro faz parte e que está em cartaz na NYU. Sim, a moça é gordinha, e daí? Fosse um par de séculos depois, Madame seria malhada como antiestética, talvez até vista como uma afronta moral à sociedade bem-educada.

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Esse conceito é o cerne da pequena, mas emocionante exposição de fotos, manequins, vídeos e anúncios. Organizada por estudantes de moda da Escola Steinhardt, da NYU, a exibição vai até 3 de fevereiro e sugere que a vergonha da gordura, com raízes profundas no século 19, continua um fardo nos dias de hoje. Execradas em postais populares e anúncios do fim daquele século e início do 20 como grotescas, indignas e descontroladas, mulheres “grandes” são personificadas na galeria por "Nettie, a Gordinha", atração de um show apresentada em um cartaz do início do século 20 como ridícula e infantil. Ela veste um tutu e mal se equilibra nas gordas pernas.

Hoje essa imagem radical não teria vez, suplantada, pelo menos na mídia popular, por belas modelos “tamanho grande” e voluptuosas, como as desafiadoras Beth Ditto e Melissa McCarthy, Adele e a agressivamente curvilínea Tess Holliday, apresentada na capa da revista People como a primeira supermodelo tamanho 50. Uma tentativa de aceitação das mulheres exuberantes, a partir dos anos 1990, é destacada na exposição com Stella Ellis, conhecida como a primeira modelo tamanho grande. Ela tem porte de diva, desfilou para Jean Paul Gaultier em 1992 e apareceu em seus anúncios com seios à mostra e o penteado alto como o de uma cantora de ópera. 

Stella Ellis,clicada em campanha daGaultier em1992, é conhecida como a primeira modelo tamanho grande. Foto: Jean Paul Gaultier, via 80WSE Gallery

Há também na mostra o vestido florido usado nos anos 1930 pela atriz Maria Dressler, e um recente videoclipe da desafiadoramente redonda, cabelos cor lavanda, Ashley Nell Tipton, a primeira estilista a vencer o reality show "Project Runway" com uma coleção plus-size. Entretanto, o avanço ainda é lento. "Ainda assim, hoje a gordura está muito menos estigmatizada, especialmente entre os jovens”, afirma a curadora Tracy Jenkins.

Isso, fora do mundo do estilo. “A função da moda é excluir”, diz ela. “A moda não aceita a gordura."E a exposição é a prova: excluindo-se o desenho do vestido drapeado com efusivos adereços femininos de Maaria Dressler, e um par de itens infantis da Chubbies Patterns dos anos 1950, não há manequins “de peso” – nem moda para vesti-los. "São itens difíceis de encontrar", explica a formanda Ya’ara Keydar, organizadora da mostra. Em uma visita recente a uma exibição de vestidos de noite históricos no Museu Sigal, em Easton, na Pensilvânia, Ya'ara só viu um traje modelo grande em exibição. “Roupas como essas não são exibidas, a não ser que tenham pertencido a alguém famoso, como a rainha Vitória”, afirma. "Mesmo em museus com uma seção dedicada a roupas existe preconceito." 

Stella Ellis,clicada em campanha daGaultier em1992, é conhecida como a primeira modelo tamanho grande. Foto: Jean Paul Gaultier, via 80WSE Gallery

Em passarelas convencionais e em material impresso, a gordura ainda provoca sobrancelhas franzidas, como se houvesse quebra de etiqueta ou até como se fosse uma transgressão. "É um tabu mais persistente que os de raça, idade ou classe", acredita Tracy Jenkins. Isso porque, independentemente de raça, idade ou status, “pode-se chegar a uma silhueta que não brigue com a moda”, diz Ya’ara. “Com um corpo mais cheio, não.” 

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Hoje usa-se menos a palavra “gordo”, substituída na exposição, como na indústria da moda, pelo eufemístico “tamanho grande”. “Gordura é um conceito muito marcado e a moda tem de chegar a um acordo com ela", diz Tracy. Imagens de modelos plus-size desfilando em passarela, exibidas no website Rinery29, confirmam essa percepção. Vestindo roupas íntimas, as mulheres têm suas saliências e curvas estrategicamente suavizadas ou cobertas. A mensagem? Elas podem ser ideais de beleza, mas mesmo assim precisam ser 'melhoradas'.

E, como em todo o mundo da moda, as modelos plus-size também são sujeitas a padrões rigorosos. As preferidas são as de cabeça pequena. Sem queixo duplo. Igualmente proibido: pelanca e estria. “Na moda plus-size, há tantos espelhos quanto na convencional”, diz Tracy Jenkins. 

TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

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