'Não faço fashion, faço design de roupas', diz Marisa Ribeiro

Com trabalho silencioso consistente, Marisa Ribeiro faz há décadas o que é tendência hoje

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Por Sergio Amaral
Atualização:
O inverno 2018 de Marisa Ribeiro: conforto e construções arquitetônicas Foto: Marisa Ribeiro/Divulgação

Com um trabalho tão consistente quanto silencioso, a estilista Marisa Ribeiro é um tipo raro que vai na contramão da moda - há 33 anos ao menos, desde que sua marca surgiu. Não se interessa por modismos nem tendencinhas nem efemeridades. Sustenta-se com um tipo de criação atemporal, preciosa nos materiais e minimalista no design, onde essência se sobrepõe à aparência.

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Precursora (naturalmente, sem voluntarismo) de um tipo de movimento bastante celebrado, mas pouco praticado, o chamado slow fashion, ela inaugura na quarta-feira, 18, seu novo QG, na rua Gabriel Monteiro da Silva, um corredor das artes e da decoração em SP - fechando suas outras lojas, na Oscar Freire e no MorumbiShopping, para focar a energia ali.

Em entrevista ao E+, ela conta como transforma em roupas e materializa nos negócios e na vida os valores que cultua, defende o consumo de qualidade com poucas e boas aquisições, diz ficar triste ao ver mulheres compactadas em roupas excessivamente justas, e revela como vem mantendo há mais de três décadas a marca que leva seu nome e que desafia o império do efêmero fashion. “Não faço uma blusa porque todo mundo está comprando, só porque todo mundo quer. Ando um pouquinho na contramão”, diz.

A designer de roupas Marisa Ribeiro: roupas atemporais, pouca decoração e materiais preciosos Foto: Clovis França/Divulgação

Por que abrir uma loja de moda em plena Gabriel Monteiro da Silva?

Sempre tive essa vontade porque acho uma rua muito bonita, um corredor por onde que meu público passa muito. Acho uma bela vitrine a Gabriel. E como meu produto também não é um produto focado em moda, é muito mais design de roupa do que moda, eu não faço fashion. É completamente diferente, tenho esse olhar arquitetônico. E é do lado da minha casa, vou a pé, melhora a qualidade de vida. Meu ateliê vai ser lá também.

Além do ateliê, você vai ter trabalhos de outros artistas e designers…

Como a loja é muito grande, tem uma parte que tem o salão com as roupas e fiz um lounge, com um sofá confortável e onde vou ter alguns artistas. São pessoas que fazem objetos de arte, não tem foco em ser uma galeria, mas sim em mostrar o que acho de mais moderno, de mais bacana.

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Pode citar alguns?

Todas são legais. Um é o trabalho da Iza Figueiredo, que faz um trabalho com placas muito fininhas de cerâmica colocadas em caixas de madeira. Tem o trabalho do Sergio Machado, ele faz umas coisas muito bonitas, como um diário todo bordado à mão. Tem minhas filhas, Coca Aguiar, que faz uns terrários maravilhosos, as joias da Mariana [Aguiar] com pedras brutas e peças da Regina Dabdab que trabalha com fragmentos da natureza, um coisa viking de que gosto muito, tem uma sensibilidade agreste.

Você acaba de voltar da Dinamarca, vi no seu Instagram...

Fui para a Escandinávia inteira. É incrível, sou superfã. Gosto muito da simplicidade deles e da sofisticação, do design, da maneira como eles olham as coisas.

Tem muito a ver com você e com seu trabalho, não?

Me identifico muito com o fazer nada, os designs são sempre funcionais, mais limpos, tem menos coisa e mais qualidade.

A região da Escandinávia é uma das paixões da estilista, que cultiva valores semelhantes Foto: Marisa Ribeiro/Divulgação

Tem um movimento muito em voga mas ainda raro que é do slow fashion. Você se identifica com isso?

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Acho que meu trabalho é atemporal, não é um trabalho sazonal para uma estação. Sou contra você ter muita coisa. Acho que temos que ter poucas coisas e que sejam boas, de qualidade, que te façam sentir bem, que sejam confortáveis e te façam feliz.

E os materiais que são um elemento chave nas suas roupas...

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Trabalho com algodão que eu trago do Egito. Escolho onde comprar mando fazer o fio para mim, com um acabamento que deixa ele muito macio, permite que você lave e seque na máquina. Trabalho muito com cashmere da Mongólia, que é o melhor que existe, e com algumas malhas mais grossas para usar como suporte dos tricôs.

Suas criações têm um estilo minimal.

Não gosto de roupa enfeitada. Quando a mulher fica enfeitada, a roupa distrai. Prefiro coisas lisas, uso muito pouco estampa. Quando muito é uma listra, uma bola. Não gosto de roupa enfeitada. Quando a mulher fica enfeitada, a roupa distrai, tira a atenção dela. Gosto de roupas despojadas e sempre confortáveis. Ter conforto é uma coisa muito moderna. Essa coisa de você estar engessada ou comprimida dentro de uma roupa, eu acho isso muito triste.

Como assim?

Acho que começa a chegar num ponto em que ela precisa andar toda desconfortável para que? Ela não tem nada para mostrar melhor que isso? E o tipo de pessoa que ela atrai assim também acho triste. Acho que temos coisas melhores para trocar.

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Imagemda campanha da coleção do inverno 2018 de Marisa Ribeiro Foto: Marisa Ribeiro/Divulgação

Como enxerga o mercado de moda no Brasil hoje?

De qual mercado você diz?

Marcas, redes sociais, blogueiras...

Não vejo nada, não tenho a menor paciência, acho que é muita perda de tempo. Esse mundo de que você está falando é um universo do qual sou muito distante: de moda para o ego. Meu trabalho é para a alma. É vestir aquilo que você sente, que é simples, que você não precisa mostrar para ninguém.

Tem uma coisa espiritual nisso. Você tem alguma religião?

Tenho uma preocupação e um estudo há muito anos sobre a evolução da consciência. Uso bastante a meditação. Quem é você, o que você quer, qual é seu verdadeiro desejo, seu verdadeiro talento, o que te faz feliz de fato? Não é uma religião. Não tenho religião, não.

Você está no mercado há 33 anos e deve ter visto muita marca ir e vir. A que atribui a longevidade da sua?

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Primeiro a um controle financeiro muito rígido, de não dar um passo maior que a perna, de não querer parecer uma coisa que não sou. Muitas marcas de moda sentiram necessidade de mostrar coisas que eram um pouco caras demais para aquele momento da vida delas e eu não uso essa política.

Como é na sua empresa então?

Tenho excelentes funcionários, pessoas maravilhosas que ganham muito bem e que recebem sempre em dia. Se sobra algum dinheiro para fazer uma loja nova, eu faço. Se não sobra, nao faço. Outra coisa: não faço o trabalho por dinheiro, faço por paixão. Não faço uma blusa porque todo mundo está comprando, só porque todo mundo quer. Ando um pouquinho na contramão.

Imagem da campanha da nova coleção fotografada pela própria designerna Escandinávia Foto: Marisa Ribeiro/Divulgação
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