Luto: fashionistas comentam fim da publicação da 'Elle' no Brasil

Trinta anos depois de seu lançamento, editora Abril encerra atividades da revista no País

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Por Sergio Amaral e Anna Rombino
Atualização:
A primeira capa da 'Elle Brasil', em 1988, e a última, em 2018 Foto: Divulgação/Elle

Foi um susto, tipo morte súbita, a notícia do fim da revista Elle pelo grupo Abril nesta segunda, 6, triste para a moda nacional. Num comunicado oficial em que deixou de nomear os títulos descontinuados para focar apenas nos que serão mantidos (Veja, Veja São Paulo, Exame e VIP, entre outros), a Abril confirmou o encerramento das atividades de suas demais publicações, entre elas Elle, Cosmopolitan e Boa Forma.

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“Fiquei passada! É muito triste, acho uma perda”, lamenta a editora Regina Guerreiro, que foi diretora de redação da revista em meados dos anos 1990. “Estou chocado, nem sei o que dizer”, diz o beauty-artist Daniel Hernandez, surpreendido com a notícia pela reportagem. “É uma grande perda para a cultura e a moda de nosso País”, reforça Adriana Bozon, diretora criativa da Ellus. “Triste para todos os profissionais de imprensa”, sintetiza Lenita Assef, que trabalhou na revista desde seu número zero e também foi diretora ali. “Estamos vendo o mercado se afogar, derreter. É muita gente boa que vai estar na rua, sem emprego.”

Com 30 anos só no Brasil, a Elle é uma das mais relevantes publicações de moda do País. Pelas suas páginas passaram grandes modelos, nomes da fotografia, do jornalismo, do estilo e do mercado de moda como um todo. Seguida por mais de um milhão de pessoas no Instagram, vivia um ótimo momento editorial, usando a moda como instrumento para tratar de pautas importantes, como questões de sustentabilidade, representatividade racial e LGBT e plus size. “Uma pena que num momento tão bom isso tenha acontecido. Não é que a revista acabou porque estava ruim. Ela estava ótima!”, afirma André Hidalgo, diretor da Casa de Criadores.

A seguir, as impressões e depoimentos destes e outros profissionais sobre o fim da publicação da Elle pela editora Abril, assim como considerações sobre o estado atual da moda, do jornalismo e do mercado editorial por um elenco de primeira linha, acompanhados por capas e imagens icônicas dos 30 anos da revista. 

Lenita Assef, diretora de redação entre 2002 e 2013

“Trabalhei na Elle desde o número zero. Eu era editora de beleza. Fiquei muitos anos, passei pelo marketing, voltei para a redação e depois virei diretora. Foram onze anos! Pela situação não da revista, mas da empresa, é a crônica de uma morte anunciada. Quando a empresa não está bem, ela não vai segurar títulos que não são dela. Ficaram Veja, Exame e Claudia, que são títulos da Abril. Não esperava que isso fosse acontecer agora porque a revista estava num novo caminho, de dar força para a mulher e para a diversidade, principalmente. Para o mercado de moda é uma tristeza infinita. Primeiro porque ele não está bem e uma revista é sempre uma força. É uma vitrine a menos para se expor, para se reerguer. A internet não tem o mesmo padrão de uma revista, é uma coisa mais superficial, mais 'pum-pah'. A Elle faz um trabalho que a internet não faz. É triste para todos os profissionais de imprensa. Estamos vendo o mercado se afogar, derreter. É muita gente boa que vai estar na rua, sem emprego. Estou triste. Muito!”

Lu Curtis, top capa de várias edições da Elle

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“Fiquei chocada [com a notícia do fim da revista]. A Elle é uma revista que estava fazendo as melhores matérias, tocando assuntos importantes, como sustentabilidade, inclusão, é uma perda enorme... Comecei minha carreira com a Elle. Um dos trabalhos de que lembro com mais carinho é meu primeiro, aos 15 anos, uma capa feita em Ubatuba, com fotos da Nana Moraes e moda do Paulo Martinez. Nunca imaginei que aos 15 anos eu ia ser capa da Elle - nem com mais [anos] eu achava. (risos) Lembro de dias e dias de fotos no Estúdio Abril trabalhando. Foi a revista com que mais trabalhei no País. Hoje em dia acompanho como leitora e adoro a revista. É inacreditável [essa notícia].”

Regina Guerreiro, diretora de redação da revista de 1993 a 1997

“Fiquei passada, muito triste! A Susana [Barbosa, diretora de redação] está fazendo um trabalho bonito. É uma perda e não é só aqui que está acontecendo. É no mundo inteiro! Acho que a culpa de tudo isso, não só na Elle, mas na imprensa em geral, é dos diretores [das empresas] que não fizeram realmente nada para deixar que não acontecesse isso. A circulação começou a cair e começaram a encolher, a querer gastar menos, e perder mais.

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Haveria, sim, um jeito sim de fazer um jornalismo impresso superinteressante e diferenciado do jornalismo digital. Infelizmente hoje tem um monte de gente que não é jornalista cagando regra, de 'fotógrafo' que não é fotógrafo... Nossa experiência foi deletada. Esse jornalismo acabou até nos jornais. Então faz [uma notícia assim] 'fulano de tal lançou tal coisa'. Precisa ter uma pesquisa. Quem é o fulano? Por que vai vingar? Isso vai de encontro ao desejo da maioria? Acho péssimo o jornalismo de moda de hoje. É muito ruim, pobre de informação, não tem anzol. Sempre ensinei para quem trabalhou comigo: a gente tem que agarrar na primeira frase.

Foi uma época muito feliz da minha vida a que tive na revista. Fiz uma Elle revolucionária. Acho que consegui, modéstia à parte, atingir minhas leitoras com meu jeito de escrever que é quase um diálogo e uma mudança grande no estilo de imagem.”

Paulo Martinez, stylist, foi produtor e editor de moda da revista nos anos 90

“É uma tristeza muito grande. Uma tristeza e uma tragédia nesse país que a gente não sabe... A Elle foi tão importante na minha vida profissional... Quando a Regina [Guerreiro] chegou para ser editora, ela inventou uma seção que chamava Ideia Fixa. Todo mês ela selecionava uma peça e a gente fazia de seis a oito páginas dessa mesma peça usada de diferentes maneiras. Era um exercício de styling delicioso. Hoje, com o advento da internet, as revistas ficaram com o conteúdo um pouco obsoleto. Acho que o mercado destas revistas mensais, precisa se adaptar para que elas fiquem mais especiais. Talvez elas não devam mais ser mensais para a gente poder colecionar essas revistas…”

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Adriana Bozon, diretora criativa da Ellus

“É uma grande perda principalmente para a cultura e a moda de nosso País. A Elle trouxe uma nova linguagem para a moda e para suas leitoras, foi transgressora e à frente de seu tempo. Sempre tivemos uma grande afinidade como marca. A Ellus e a Elle conversavam muito entre si! Regina Guerreiro, Lenita Assef e Susana Barbosa [diretoras do título]: grandes mulheres com personalidade, que fizeram muito bem seu trabalho à frente da revista e que tornaram a moda algo mais interessante! Uma grande perda para nós! Triste.”

Gui Paganini, fotógrafo e colaborador assíduo das páginas da Elle

“Recebi com muita tristeza a notícia. Acompanhei o lançamento em 1988, e colaborei muito. É como se algo dentro da gente tivesse morrido. Triste. Triste pelas pessoas que trabalhavam na revista e que faziam um excelente trabalho.”

Tania Otranto, sócia da assessoria de imprensa Mkt Mix

“A Elle deixou sua marca. É uma revista que trazia a moda e algo mais. Se posicionava, falava com todos os tipos de mulheres. Fez história em seus quase 30 anos de publicação. Vai fazer muita falta.”

Lily Sarti, estilista "Acredito que a perda de um título de moda enfraquece toda a história da moda brasileira assim como enfraquece as bases da moda."

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Flavia Lafer, editora de moda “É com profunda tristeza que recebo essa notícia, mas já imaginava que isso ia acontecer. Paga-se muitos royalties para títulos internacionais. Esse modelo está um pouco ultrapassado. A Elle era a revista de moda mais lida do mercado. É o que eu sempre soube. É muito triste, mas estamos em uma época de mudanças de como iremos entender o jornalismo e a imagem de moda. É uma fase de transição, estamos mudando."

Daniel Hernandez, beauty-artist

“Estou chocado, nem sei o que dizer... Faço Elle desde que cheguei em São Paulo. Foi a primeira revista que me deu espaço. Acabei de fazer a capa da Isabelli de cabelo curto... Ela estava num caminho excelente. Encontraram uma maneira de mostrar a moda de um jeito jornalístico, levantando assuntos do momento e interpretando isso como moda. É muito muito triste. Muito! Até os concorrentes devem ter assustado. Ninguém queria isso.”

André Hidalgo, diretor da Casa de Criadores

“É um momento muito triste para a moda brasileira de maneira geral. É uma tristeza ver um título tão importante, que estava simplesmente no seu melhor momento, com uma postura muito bacana com relação a essas novas pautas da moda, ser encerrado. A [diretora de redação] Susana Barbosa é uma guerreira, uma mulher maravilhosa, extremamente inteligente. É mérito dela ter levado a revista para esse lado. O que acho uma pena é que num momento tão bom, isso tenha acontecido por uma coisa externa, que é a crise da própria Abril. Não é que a revista acabou porque estava ruim. Ela estava ótima! A Elle conseguia falar de feminismo, de raça e da questão LGBT de uma maneira muito suave, usando a moda de uma maneira positiva. Vai deixar muitos órfãos. Perde todo mundo. É um momento importante para as pessoas que amam fazer moda no Brasil se unirem para fortalecer o mercado como um todo: os eventos, os estilistas, as marcas, a imprensa. Meu Deus, o que seria de um evento, de um estilista, ainda mais os novos no nosso caso, se não houvesse a imprensa acompanhando, apostando?”

Camila Coutinho, blogueira, escreveu no seu site, o Garotas Estúpidas

"Sempre amei ler e me inspirar em revistas como essas, saí nas capas de várias delas, tenho amigos talentosíssimos que estão nessas redações, por isso sinto realmente um aperto no coração com essa notícia. É muito difícil mesmo manter o interesse no impresso quando está tudo aí livremente publicado no Instagram, Youtube e sites de notícias a qualquer hora – e a apenas um clique de distância, de graça.

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Na minha opinião, realmente não tem mais espaço para tantos veículos impressos, e a melhor saída para sobreviver no cenário atual é investir no branding em cima do nome da revista com produtos offline, eventos, de forma que o título seja o que mantém o fascínio por uma marca, mas não necessariamente sua principal fonte. Há outros caminhos a serem explorados também, como fizeram a Capricho e a Teen Vogue, que deixaram de ter sua versão impressa para focar em edições digitais, evitando assim o fim completo de marcas tão fortes.

Todo mundo passa por reformulações – os blogs também! – e a gente tem que estar aberto às mudanças. Notícias como essa da editora Abril só mostram o quanto é preciso valorizar também o mercado digital – cobrar os preços certos, ter direito de imagem, de criação, dar valor aos profissionais… Na prática, o mercado ainda tende a valorizar mais o impresso (por ser mais palpável, por seu prestígio tradicional…) do que o digital, mesmo sendo possível atingir muito mais gente com a internet. Tem muita mão de obra boa por aí, e o mercado também tem que perceber que aquela que é feita para a internet também tem muito valor, é preciso fortalecer essa plataforma como negócio. A verdade é que o conteúdo nunca morre, as pessoas vão querer consumir informação sempre, mas para ter isso com qualidade é preciso um mercado forte, sem medo de ser criativo e de apostar em novos modelos."

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