Karlie Kloss e Christy Turlington: supermodelos de ontem e hoje

Uma das tops mais famosas de hoje e outra que foi ícone nos anos 90 falam sobre as dificuldades da carreira, a volta aos estudos e a importância de usar sua imagem para o empoderamento feminino

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Por Philip Galanes
Atualização:
Christy Turlington, modelo que fez sucesso nos anos 1990, e Karlie Kloss, uma das principais tops da atualidade, se encontraram para uma conversa sobre moda, educação e filantropia em um restaurante de Nova York Foto: Christopher Gregory/The New York Times

Tecnicamente, o termo “supermodelo" é anterior aos anos 1980, mas foi só nessa década que nós, civis, soubemos quem elas eram: Linda, Naomi e Christy (Evangelista, Campbell e Turlington). Conhecidas como a “Trindade”, elas foram as primeiras modelos a desafiar o poder das estelas do cinema. E estavam por toda parte: não apenas na moda, mas também em videoclipes, programas de entrevistas, e desfilando juntas pelas páginas das revistas de celebridades.

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Houve muitas outras supermodelos desde então. No momento, porém, poucas chamam tanto a atenção quanto Karlie Kloss. Aos 23 anos, ela está aproveitando o sucesso como modelo e seusmuitos seguidores nas mídias sociais (além do brilho indireto que emana de sua grande amizade com Taylor Swift) para dar visibilidade ao ativismo social entre as jovens. Por meio do projeto Kode With Karlie, ela contribuiu para a captação de 21 bolsas de estudos em computação para meninas em 2015. Em parceria com a Momofuku Milk Bar, ainda criou os Karlie’s Kookies, linha de biscoitos veganos cuja verba das vendas é destinada a crianças carentes e outras causas de caridade. Não bastassem tantos predicados, a moça acaba de ingressar na Universidade de NovaYork.

Tudo isso faz dela a pessoa perfeita para se encontrar com a Sra. Turlington Burns, de 46 anos, que deu um passo para trás na própria carreira de modelo em 1994, quando estava no auge, para voltar aos estudos. Ela se formou na NYU e prosseguiu a vida acadêmica na Faculdade de Saúde Pública Mailman, da Universidade Columbia. Posteriormente, casou-se com Ed Burns, cineasta e ator, com quem teve dois filhos. Em 2010, fundou a organização de caridade Every Mother Counts, dedicada à saúde materna, trabalho que lhe rendeu uma nomeação para o ranking das 100 pessoas mais influentes do mundo, elaborado pela revista Time em 2014.

Saboreando risoto de aspargos e salada de abacate no Il Cantinori, as duas conversaram a respeito de suas surpreendentes carreiras de modelo, do efeito disso para suas famílias, e de seu compromisso conjunto com o ensino e a melhoria das vidas das mulheres. Confira o bate-papo. 

Philip Galanes: Christy, adorei que você escreveu uma recomendação universitária para Karlie.

Christy Turlington Burns: Apenas descrevi em 500 palavras a paixão que sinto por ela. Karlie vai estudar e extrapolar todos os limites. Ela está muito ansiosa em relação aos próximos passos, pensando no que fará em seguida.

Karlie Kloss: Toda a ideia de acreditar que eu poderia frequentar a faculdade e ser modelo vem diretamente de Christy. É muita coisa para enfrentar de uma só vez, mas ela conseguiu. Talvez eu peça ajuda com a lição de casa.

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PG: A faculdade é uma das muitas semelhanças entre vocês. Vamos começar falando de como vocês foram “descobertas" quando tinham apenas 13 anos. Um sujeito fez uma foto de Christy andando a cavalo, e outro fez uma foto de Karlie num show beneficente num shopping. Pronto! Tornaram-se modelos. Já tiveram a sensação de terem sido arrancadas da infância?

CB: Quando comecei a trabalhar, havia apenas mercados locais. Miami e Norte da Califórnia, onde morávamos. Eu era uma menina normal com uma vida comum em família. Foi somente depois dos 15 anos, na volta de uma viagem de trabalho a Paris, com minha mãe, que as coisas mudaram. Paramos em Nova York e tudo começou a acontecer. Mas tive que voltar para a escola. Depois disso, fiquei para lá e para cá trabalhando muito.

KK: Para mim a coisa também foi bastante gradual. Fui descoberta aos 13, mas vivíamos em St. Louis, e eu trabalhava em Chicago. Fiz uma campanha da Abercrombie Kids com Bruce Weber. Mas ele nem sabia que eu estava lá. Os cães eram mais importantes do que eu. A carreira não explodiu até eu completar 15 anos e vir para Nova York participar de um desfile para a Calvin Klein. A passarela é uma verdadeira catapulta. Somos colocadas diante de estilistas e dos melhores editores. E também na internet.

PG: Aos treze anos, estamos no auge da adolescência desengonçada. Vocês não tinham vergonha das câmeras?

KK: É difícil ser uma adolescente de 13 anos. É grande a pressão para se ajustar. E eu sempre me destaquei. Um patinho feio, alto e esquisito. Maior que os colegas e os professores.

PG: As duas são as segundas filhas de famílias com apenas garotas. Eu teria matado uma irmã mais nova que tivesse se tornado supermodelo. O sucesso de vocês atrapalhou a dinâmica da família?

KK: Na verdade, não. Meus pais e minha avó começaram a fazer um malabarismo para decidir quem viria comigo para Nova York e Milão, e quem cuidaria de todos os outros.

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CB: Minha mãe foi comigo a Paris. As pessoas com quem eu trabalhava tinham a idade dela. Ela se divertia bastante e adorava tê-la só para mim.

PG: Mas o que quero dizer é: vocês estavam em Paris enquanto suas irmãs tinham que estudar geometria. Como não ficariam ressentidas?

CB: Quando comecei a trabalhar como modelo, minha irmã mais velha estava muito mais interessada naquilo do que eu. Mas logo disseram a ela: “Você não é alta o bastante”. Ela ficou triste, mas já era muito popular. E eu levava minhas irmãs comigo por toda parte. Assim, elas também foram beneficiadas.

KK: Para mim foi o mesmo. Minhas irmãs estão sempre comigo. Mas também observam o quanto eu trabalho: desembarco de um voo noturno às quatro da madrugada, dormindo apenas três horas antes de voltar ao trabalho.

PG: Vocês começaram tão jovens. Devem ter aprendido muita coisa a respeito da moda e do trabalho de modelo.

KK: Tive muita sorte. Fui a garota certa na hora certa. Mas também me comportei como uma esponja. Não falava muito. Preferia ouvir e manter os olhos bem abertos, tentando absorver o máximo possível.

CB: A moda gira em torno das referências. Um monte de nomes sendo mencionados. E eu indagava: quem é Anna Magnani? O que é La Dolce Vita? Tinha a sensação que aprender aquilo era o meu trabalho. Foi um aprendizado incrível, e o fotógrafo Steven Meisel foi um grande professor. Também fizemos muitas estreias de cinema - com a equipe de cabelo e maquiagem e a estilista Lori Goldstein. Brincávamos: vamos imitar Sophia Loren! Também tive ótimas experiências com Arthur Elgort, o primeiro grande fotógrafo com quem trabalhei. “Não fique com as mãos assim”, dizia ele. Aprendi muito a respeito da luz e dos ângulos.

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As medidas de cada uma
Altura Busto Cintura Quadril
Christy Turlington 1,78 m 86 cm 58 cm 91 cm
Karlie Kloss 1,80 m 81 cm 58,5 cm 86,5 cm

PG: Por quê?

CB: Falei no assunto por tanto tempo. Parecia o menino que gritava “lobo”. Além disso, não fui tão corajosa. Já tinha dois contratos bem grandes quando parei. Já não trabalhava mais nas passarelas.

PG: As duas encontraram tempo para estudar. As pessoas acharam loucura o fato de vocês terem desistido de todo aquele dinheiro?

PG: Também tiveram que aprender a lidar com as finanças, já que estavam ganhando rios de dinheiro quando eram apenas meninas.

CB: O dinheiro não parava de crescer. Na época os contratos vinculavam as modelos às agências, como a Ford Models. E eu pensava: “De jeito nenhum! As agências vão trabalhar para mim, não o contrário”. Na primeira vez que assinei um contrato com a Calvin Klein, fui aconselhada a não ter meu próprio advogado. Meus pais não entendiam como funcionava aquela indústria. Assim, aprendi cometendo erros, mas me tornei mais sagaz.

KK: Lembro de fazer uma campanha para a Macy’s depois da escola. Trouxe meu vale e recebi 700 dólares. Minha única referência eram os trabalhos de babysitter que pagavam 6 dólares por hora.

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CB: As viagens, tão atrativas no começo, se tornam desgastantes. Temos vontade de ter um lar, um relacionamento. E eu tinha inveja das experiências que minhas irmãs tiveram na escola. Quase tive de me esgotar como modelo antes que pudesse dizer, “Ok, estou pronta para a faculdade”.

KK: Eu, que comecei tão jovem, nunca imaginei que minha carreira seria essa. Agora penso a longo prazo. Desejo fazer esse trabalho por décadas, mas não quero me exaurir agora. Ir à faculdade é parte desse equilíbrio. Há muito para aprender.

PG: Vocês duas alcançaram o sucesso em um trabalho que envolve muitas críticas e até a objetificação feminina, e transformaram isso em uma plataforma de lançamento para projetos que dão poder às mulheres.

KK: Christy abriu o caminho.

CB: Não estou tão certa disso. Mas sempre busquei maneiras de transformar minhas derrotas na defesa de causas legítimas. Quando perdi meu pai para o câncer de pulmão, decidi: “Não serei mais fotografada fumando. Não acredito nesse trabalho”. Foi uma decisão muito importante para mim.

PG: É importante o fato de seus grandes projetos - saúde materna e programação para meninas - envolvam a busca por direitos iguais para as mulheres?

KK: Para mim, tudo começou quando percebi o quanto interagimos todos os dias com a tecnologia. Independentemente do que façamos. Quis saber mais. Assim, participei de um curso de programação de duas semanas na Faculdade Flatiron. E aquilo virou minha cabeça - “Uau! É assim que funcionam os aplicativos; é assim que meu celular funciona”. Pensei, “Quero compartilhar isso com outras garotas”. Sinto-me sortuda por ter 20 anos e a vida toda pela frente. Tenho oportunidades que não existiram para minha mãe, e muito menos para a mãe dela. Quero que todas nós possamos tê-las.

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CB: E, quando nos cercamos de pessoas que fazem coisas incríveis - amigas, colegas, parentes -, elas nos inspiramtodos os dias. O nível de exigência é maior.

KK: Podemos almoçar juntos todo dia?

PG: Depois que você terminar o dever de casa.

Tradução de Augusto Calil

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