Heroína da resistência

Como Carolina Herrera, estilista venezuelana radicada nos Estados Unidos, construiu um império fashion ao evocar a elegância atemporal e evitar modinhas - o que inclui a nova mania da nudez no red carpet

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Por Robin Givhan
Atualização:
Designer Carolina Herrera posa ao lado de um stand em seu showroom em Nova York Foto: Jesse Dittmar

De vestido creme sob medida e broche formando um buquê de lavanda, a estilista Carolina Herrera entra em seu escritório na Sétima Avenida, em Nova York, com a postura alongada de uma bailarina. Ela acaba de chegar do cabeleireiro e seu penteado perfeito contradiz com o dia chuvoso lá fora. Usa um batom discreto. Tem uma aparência imaculada, tranquila e refinada. Há muitos designers que preferem roupas mais casuais: camiseta e jeans, um pulôver preto básico, uma espécie de camuflagem. Não querem desviar a atenção da glória da sua coleção. Carolina não. Ela é exemplo para a mulher que compra suas roupas - ou pelo menos as deseja. 

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Está sempre alerta a detalhes que podem estragar um look: cabelo desarrumado, saia que enruga no quadril, corpete forçando os botões. Seu estilo não é rígido ou antiquado, mas é formal. Segundo a estilista, toda mulher deve ter um vestido, uma saia lápis e um vestido de noite. O estilo de Carolina se destaca nesta época agressivamente informal. Participar de um desfile de moda de roupas que levam sua assinatura significa entrar em um salão repleto de socialites, clientes ricas e senhoras com sotaque estrangeiro e nomes terrivelmente complicados, sugerindo nobreza em algum ponto nos mais altos ramos da sua árvore familiar.

O mundo de onde ela própria emergiu há mais de três décadas, aos 40 anos de idade, para lançar sua própria coleção de prêt-à-porter. Membro de uma rica família da Venezuela, Carolina casou-se com um nobre espanhol, Reinaldo Herrera Guevara. Com o passar dos anos, construiu sua empresa com sede na Sétima Avenida que inclui toda a linha que leva seu nome, simbolizada pelos elegantes vestidos de noite que aparecem regularmente nas ocasiões de entregas de prêmios, como também fragrâncias, vestidos de noiva e também uma coleção secundária, a CH Carolina Herrera. 

Coleção feminina de outono 2015, por Carolina Herrera Foto: The Washington Post

Aos 76 anos, Carolina admite que teve êxito no setor evitando ser moderna demais. Não pretende ser provocadora ou estar na última moda. Sempre quer surpreender suas clientes com algo novo - o que pergunta uma mulher para si mesma quando entra numa loja e que não seja “o que há de novo?”. Mas não quer chocá-las. “Se você é um estilista naturalmente moderno, tudo bem. Mas não entendo um designer que vê esses jovens e querem ser como eles. Você confunde o cliente”, diz ela.

Carolina almeja algo mais sutil, o contemporâneo, imagem que suas quatro filhas ajudam a passar quando usam os vestidos clássicos da grife das mais variadas maneiras. Contemporâneo também é o mantra que ela compartilhava com seu amigo, o estilista Oscar de la Renta, morto no ano passado. “Ele sempre delineou a mesma silhueta para seus modelos, mas com um toque moderno”. 

Nos últimos tempos, Carolina anda desiludida - na verdade, preocupada e perplexa - com a nova tendência de competição que se observa no universo fashion: a ideia que de que moderno é sinônimo de exibição do corpo. Isso porque alguns estilistas parecem achar muito cool que a mulher esteja quase nua e acreditam que vão atrair as consumidoras mais jovens se criarem roupas exibicionistas. “Não”, diz Carolina, enfaticamente. “Quase nua! Meu Deus. Elas estão tentando fazer com que as pessoas prestem atenção nelas. Na vida, deve haver um pouco de mistério”. 

Coleção masculina de outono 2015, por Carolina Herrera Foto: The Washington Post

Carolina refere-se à recente noite de gala do Costume Institute no Metropolitan Museum, em Nova York. Beyoncé e a sua confusa rede contra mosquitos, Jennifer Lopez num vestido de noite transparente bordado de contas vermelhas, Kim Kardashian com uma cauda de penas brancas que saía de um “traseiro” exibido para ser admirado. “Supostamente elas são ícones da moda e estão vestindo qualquer coisa. É uma obsessão agora”, afirma a estilista. Carolina não é puritana. Está mais do que propensa a oferecer às suas clientes trajes com decotes profundos, mas sabe que a modelagem exige cuidado e uma colocação precisa dos seios sob o tecido. “Se abertos demais parecem ovos fritos. Moda tem a ver com proporção”, explica. 

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A marca Carolina Herrera foi lançada em 1981 e caiu nas graças da turma fashion graças ao aval da lendária editora Diana Vreeland. Em 1995, a companhia foi comprada pelo conglomerado de luxo Puig, com sede em Barcelona, proprietário das marcas Nina Ricci e Paco Rabanne, e com uma participação na empresa de Jean Paul Gaultier. Dessas casas de moda, a de Carolina provavelmente é a menos atenta às mudanças de tendências. Permanecer fiel à sua estética às vezes significa evitar qualquer moda passageira, ainda que seja uma estratégia arriscada. “Para mim, moda tem a ver com originalidade, sofisticação e beleza. Não estou envolvida nos negócios da moda, mas na sua beleza”. O comedimento da grife foi adotado por primeiras damas como Laura Bush e Michelle Obama, que escolheu um vestido da estilista com um corpete de renda preta bordada e uma saia azul para receber o presidente francês François Hollande para um jantar de Estado na Casa Branca em 2014. 

Coleção feminina de outono 2015, por Carolina Herrera Foto: The Washington Post

Mas a cliente mais fiel de Carolina Herrera é a atriz Renée Zellweger. As duas se encontraram há quase 15 anos em um evento de gala do Costume Institute que exibiu o guarda-roupa de Jacqueline Kennedy. Conversaram muito e René perguntou se poderia visitar Carolina em seu estúdio. “Foi adorável, sem complicações e fácil”, diz Carolina. O vínculo perdurou. Uma raridade. “Não existe nenhuma fidelidade” no relacionamento entre marcas e celebridades, segundo ela. “Há milhões de estilistas e eles estão oferecendo coisas espetaculares. As celebridades vão de um para o outro”. Mas vestir grandes nomes repercute. “Eles viajam pelo mundo e se parecerem fabulosos é ótimo para a casa”, diz Carolina. Mas e se parecerem um desastre? A casa paga o pato. Mas o que é certo é que eles não estarão metade nus. Não sob o olhar de Carolina Herrera. 

Tradução de Terezinha Martino 

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