PUBLICIDADE

Modelos contam como fotógrafos de moda os assediaram no ambiente de trabalho

Modelos homens e ex-assistentes de Mario Testino e Bruce Weber relataram ao 'The New York Times' situações vexatórias que passaram

Por JACOB BERNSTEIN e MATTHEW SCHNEIER and VANESSA FRIEDMAN
Atualização:
Mario Testino foi o fotógrafo da última sessão de fotos da Princesa Diana Foto: (Nina Westervelt/The New York Times

Para um modelo, o sucesso é atingido ao causar desejo. O trabalho muitas vezes inclui nudez e poses sedutoras, e a provocação é um índice para as vendas. Nesta indústria, os limites entre o tratamento aceitável e não aceitável para com os modelos nunca foi bem definido. Isso permitiu que fotógrafos famosos e anônimos cruzassem essa linha tênue por décadas, explorando sexualmente modelos e assistentes. A experiência, que já foi vista como o preço que os modelos têm que pagar por suas carreiras, agora está sendo chamada de outros nomes: abuso de poder e assédio sexual.  Quinze modelos homens que trabalharam com o fotógrafo Bruce Weber, cujas fotos para as campanhas de marcas como Calvin Klein e Abercrombie & Fitch o ajudaram a se tornar um dos principais fotógrafos de propaganda e de arte, contaram ao jornal The New York Times sobre seu padrão consistente de nudez desnecessária e comportamento sexual coercivo, muitas vezes durante sessões de fotos.  Os homens lembraram, com notável consistência, de conversas privadas com Weber, nas quais ele os pediu para se despirem e os guidou em uma série de exercícios respiratórios e "energéticos". Ele pedia que os modelos se tocassem entre si e a ele, movendo suas mãos onde eles sentissem a "energia". Às vezes, Weber guiava suas mãos.  "Lembro dele colocando seus dedos em minha boca, e agarrando minhas partes privadas", contou Robyn Sinclair. "Nunca fizemos sexo nem nada, mas muitas coisas aconteceram. Muitos toques. Muita molestação."  Em lembranças que datam do meio dos anos 1990, 13 assistentes e modelos homens que trabalharam com Mario Testino, fotógrafo queridinho da família real britância e da Vogue, contaram ao The NY Times que ele os submeteu a avanços sexuais que, em alguns casos, incluíram toques e masturbação.  Representantes dos dois fotógrafos afirmaram que eles estão assustados e surpresos com as alegações.  "Estou completamente chocado e triste pelas alegações ultrajantes que estão sendo feitas contra mim, que eu absolutamente nego", Weber disse em comunicado através de seu advogado.  Lavely & Singer, a firma de advocacia que representa Testino, questionou o caráter e a credibilidade das pessoas que o acusaram de assédio, e escreveu um comunicado afirmando que eles conversaram com vários ex-empregados do fotógrafo que estavam "chocados com as alegações" e que essas pessoas "não poderiam confirmar nenhuma das queixas."  Aqueles que disseram que estavam tendo uma atenção indesejada sentiram que a escolha era clara: aceitar e ser recompensado com um trabalho lucrativo em uma campanha publicitária ou rejeitar a abordagem e arriscar a destuir sua carreira. Muitos disseram que, ainda hoje, não falariam publicamente sobre o assunto.  Na moda, homens jovens são particularmente vulneráveis à exploração. Eles são os "menos respeitados e mais descartáveis", como disse o ex-modelo Trish Goff.  "Era uma prática comum dar um toque para os modelos sobre um fotógrafo específico que sabíamos que tinha certa reputação”, disse Gene Kogan, lembrando da época em que trabalhou como agente na Next Management entre 1996 e 2002. "Mas, se você dissesse que não ia trabalhar com alguém como Bruce Weber ou Mario Testino, você poderia fazer suas malas e ir trabalhar com outra coisa."

PUBLICIDADE

 O Mentor 

Quando Madonna teve sua primeira filha, a pessoa que registrou as fotos da bebê para a Vanity Fair foi Testino. Foi ele que imortalizou o noivado do Principe William e de Kate Middleton. Recentemente, ele fotografou a capa de fevereiro da Vogue America, estrelada por Serena Williams e sua filha. Conhecido por seu charme e entusiasmo, ele é adorado por celebridades e grifes como Michael Kors, Burberry e Dolce & Gabbana.  Dois modelos reclamaram de seu comportamento durante as fotos de uma campanha da Gucci nos anos 1990: "Se você quer trabalhar com o Mario, você precisa fazer fotos nus no Chateau Marmont", disse Jason Fedele, que aparece nessa campanha. "Todos os agentes sabiam que isso era o que fazia alguém se destacar e avançar na carreira."  O trabalho nu o incomodou menos do que o que ele acredita que eram avanços sexuais. Era como se Testino avalissem quais "movimentos" poderiam funcionar. "Ele era um predador sexual", afirmou Ryan Locke, que sucedeu Fedele nas fotos da Gucci. 

Jason Fedele, um dos modelos que acusa Testino de assédio sexual Foto: Zack Wittman/The New York Times

Locke contou que, quando disse a outros modelos que iria conhecer Testino, "todo o mundo começou a fazer essas piadas, dizendo que ele era notório e para eu apertar meu cinto."  O casting aconteceu no hotel de Testino. Em vez de o encontrar no lobby, o fotógrafo estava em seu quarto, onde abriu a porta usando um roupão solto. Locke contou que eles entraram em um debate sobre se era ou não necessário ele ficar completamente nu para as fotos de teste. 

Locke diz que, depois da Gucci contratá-lo para uma campanha, Testino foi agressivo e sedutor. No último dia de fotos, eles estavam fotografando em uma cama quando Testino disse que Locke não estava sentindo o clima das fotos e mandou todos embora do estúdio. "Ele fechou a porta e a trancou. Então, subiu na cama, ficou em cima de mim e disse 'sou a menina e você o menino'. Eu joguei a toalha nele, coloquei minhas roupas e saí", contou Locke.  Tom Ford, então estilista da Gucci, disse que não estava presente e não poderia saber que isso tinha acontecido. Ele explicou que é solidário com qualquer um que tenha sido assediado, mas ressaltou que, se um fotógrafo precisa de uma foto do rosto do modelo em uma cama, existem poucos ângulos para conseguí-la. 

Ryan Locke afirma que, durante um ensaio para Gucci, Mario Testino tirou todo mundo do estúdio e subiu em cima dele Foto: Ryan Young/The New York Times

Ex-assistentes disserem que Testino tinha o hábito de contratar jovens, geralmente héteros, e ossubmeter a avanços cada vez mais agressivos.  Não fazia muito tempo que Hugo Tillman havia saído do colegial quando começou a trabalhar como assistente freelancer de Testino, em 1996. O fotógrafo levou o menino e sua mãe para almoçar, dizendo que queria servir de mentor para o jovem. "Eu realmente gostei dele. Eu o admirava", disse Tillman.  Ele então mudou-se para Paris e começou a trabalhar em período integral como o quarto assitente de Testino, e logo foi promovido a terceiro. "Parecia como algo que Robert Altman mostraria, uma fantasia da moda", disse. "Frequentemente eu me sentia desconfortável nos trabalhos, quando era obrigado a massagear Mario na frente dos outros assistentes, modelos e editores." Uma noite, depois de um jantar, Tillman disse que o fotógrafo o agarrou e tentou lhe beijar. Após algumas semanas, enquanto estavam em uma viagem a trabalho, Tillman encontou Testino em seu hotel. O fotógrafo o fez fumar um baseado, o jogou na cama, subiu em cima dele e o prendeu pelos braços. Nesse momento, o irmão de Testino entrou no quarto e o fez soltá-lo Os advogados do fotógrafo disseram que seu irmão "está inflexível de que esse incidente". A namorada de Tillman na época disse em uma entrevista que ele contou a ela sobre o caso. Ele também deu o seu depoimento à Comissão de Direitos de Nova York em dezembro. "Eu estava assustado", comentou. "Não sabia o que ia acontecer." Ele se demitiu no final de semana seguinte e hoje é um fotógrafo de arte, que já exibiu suas obras na National Portrait Gallery, em Londres, e na Bienal de Shangai. 

Hugo Tillman, ex-assistente de Testino, disse que o fotógrafo o agarrou durante uma viagem Foto: Vincent Tullo/The New York Time

Até mesmo os que trabalharam com Testino sem terem sido assediados foram afetafos. "Eu o vi colocando as mãos nas calças das pessoas pelo menos umas dez vezes", disse Thomas Hargreave, produtor que trabalhou com o fotógrafo entre 2008 e 2016. "Mario se comportava como se fosse uma grande piada. Mas não era engraçado. Os homens colocados nessas situações não sabiam como reagir, eles olhavam para mim tipo 'o que está acontecendo? Como eu lido com isso?' Era terrível", disse Hargreave.  Na carta de defesa de Testino, escrita por seus advogados, eles afirmam que as fontes do The New York Times não podem ser confiáveis e que Tillman falou bem de Testino em diversas ocasiões, colocando sua saúde mental em questão, como se fosse "extremamente imprudente" colocá-lo como fonte. Sobre Fedele, que reclamou sobre a sessão privada de fotos nu, os advogados disseram que o modelo já foi clicado nu por outros fotógrafos e, inclusive, postou uma foto sem roupas, tirada por Herb Ritts, em seu Instagram em 2015. Eles também escreveram que Hargreave e Barrett são ex-funcionários rancorosos.  "Eu trabalhei em excesso, fui mal pago e assediado sexualmente diariamente", disse Barret."É por isso que estou descontente."  "Estou dizendo a verdade porque isso precisa acabar", declarou Hargreave. 

Publicidade

Vendendo Sexo

Como Calvin Klein, que criou uma imagem hipersexual para sua marca com a ajuda de Weber, falou recentemente para o The New York Times: "Escolhi as imagens do do modo como sempre fiz: as que faziam meu coração disparar." (Weber não trabalha com a marca que leva o nome de Klein desde 2008). 

15 homens acusaram Bruce Weber de conduta coercitiva durante as sessões de foto Foto: Evan Sung/The New York Times

"Vendemos sexo", disse Tom Ford, ex-estilista da Gucci. "Modelos homens recebem muito menos e não se tornam ícones, porque a cultura é muito mais voltada em objetificar mulheres para vender coisas. As pessoas ficam muito mais desconfortáveis quando isso acontece com homens."  "Eu sabia que se as pessoas não quisessem fazer sexo com você e não te achassem bonito, você não servia como inspiração", disse Taber, modelo que trabalhou com Testino no final dos anos 1990 e começo dos 2000. "Os modelos que conseguem os trabalhos são aqueles de quem os fotógrafos e stylists estão a fim. Eu também quero que as pessoas gostem de mim, especialmente as mais poderosas da indústria. Eu quase me sentia ofendido se eles não quisessem fazer sexo comigo. Foi assim que eu fui ensinado, era como funcionava na minha cabeça."  Avanços durante o casting e sessões de fotos privadas faziam parte da experiência com Testino, disse Fedele. "Esses pontos são pivot para fotógrafos testarem o terreno para saber se será ou não um desafio chegar em você", explicou. "Porque, se você consegue o trabalho, na maior parte do tempo você não estará pelado ou com roupa de banho. Então o que realmente acontece é que esses caras estão entendendo se você é tímido, mente aberta ou, sendo sincero, se você é gay ou hétero, e se está disposto a flertar com eles para alavancar a carreira." 

Exercícios Respiratórios 

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Em atividade desde os anos 1970, Weber se tornou um dos mais importantes fotógrafos de propaganda e de arte. Seu nome se tornou "sinônimo de representações eróticas de jovens homens bonitos", escreveu o The NY Times em 1999.  Em 2005, ele fotografou o modelo Robyn Sinclair para a Ralph Lauren. Eles trabalham juntos em inúmeros outras ocasiões. De acordo com Sinclair, exercícios respiratórios - tanto pessoalmente quanto por telefone - eram uma parte rotineira de sua relação.  "Era como se eu estivesse disposto e não quisesse ao mesmo tempo", ele disse. "Eu queria trabalhar." 

Modelos disseram que Weber tinha momentos privados com homens jovens, em longas caminhadas durante o almoço e em visitas privadas em seu quarto. "Eles até tinham um termo para isso: 'ele vai ser Brucificado'", disse Rudi Dollmayer, um modelo suíço que trabalhou com Weber três vezes.  "Era colocado como uma opção, mas não era de verdade", disse Erin Williams, uma modelo que estrelou duas campanhas da Abercrombie & Fitch clicadas por Weber, sobre trabalhar nua. Em testemunho à Comissão de Direitos Humanos de Nova York, ela escreveu: "Modelos que não ficavam nus eram sempre cortados no segundo dia, e aqueles que ficavam eram contratados para os outros dias. Os meninos que socializavam com Bruce depois do trabalho, em seu quarto de hotel, eram contratados com mais tempo e com a esperança de uma grande campanha na frente deles."

Para o modelo Monty Hooper, sua demanda de trabalho diminuiuconsideravelmente após ele negar as investidas de Weber Foto: Mark Makela/The New York Times

Em 2011, durante uma sessão de fotos para a Vogue Hommes em Miami, Weber convidou o modelo Josh Ardolf para seu quarto. Ele o fotografou sem roupas e, quando Ardolf pareceu desconfortável, o guiou o fez fazer o que chamou de um exercício "Eu estava guiando sua mão", disse o modelo. "Pelo meu peito, ombros e cabeça. Finalmente, eu coloquei sua mão sobre meu abdômen. Fiz a respiração. Logo após, ele forçou sua mão para a minha genital. Eu fiquei chocado, não sabia o que pensar e recuei. Me senti muito, muito, desconfortável e doente."  "Me senti desamparado", continuou Ardolf. "Como disse a minha agência, ele é muito poderoso, fez muitas campanhas grandes. Ficava na minha cabeça que eu não podia estragar tudo depois de ter chegado tão longe."  Weber mencionava campanhas futuras quando ligava para Ardolf nos meses seguintes. O fotógrafo repetia os exercícios por telefone e pedia para que ele tocasse suas genitais e se estimulasse, segundo o modelo.  Bobby Roaché, que trabalhou com Weber em 2007 e deixou a sessão depois que o fotógrafo "tentou colocar as mãos em minha calça", descreveu a reação de um de seus agentes: "Foi só o que ele fez? Você deveria ter ido além."  O modelo Monty Hooper disse que Weber o falou que ele deveria aprender a ser mais vulnerável, em um teste em seu estúdio em Nova York. Na sessão, ele hesitou em tirar a roupa antes de ficar completamente nu, então Weber o guiou em um exercício respiratório. "Se eu for mais vulnerável", Hooper repetiu o que o fotógrafo o disse, "eu irei mais longe em minha carreira."  "Ele estava me abraçando muito forte", disse Hooper. Perturbado, ele agradeceu a Weber e foi embora. Depois disso, ele afirma que o volume de trabalhos para os quais era chamado diminuiu bruscamente.  Para o The NY Times, Weber disse: "Eu uso exercícios de respiração comuns e fotografei milhares de modelos nus durante minha carreira, e nunca os toquei de maneira inapropriada. Dei minha vida para o trabalho e essas alegações falsas são desanimadoras. Tiro fotos há 40 anos e respeito todos com que eu trabalhei. Eu nunca tentei machucar ninguém ou imperdir alguém de ser bem sucedido - não é do meu caráter." 

Publicidade

Jeff Aquilon, que foi descoberto por Weber em 1978, disse em dezembro que ele nunca teve uma experiência ruim com o fotógrafo. "O que eu tenho ouvido nos últimos dias é tão pouco característico do que eu conheço dele que me deixou confuso", declarou. "Eu falei com ele: 'Bruce, não acredito no que estão falando. Sinto muito em ouvir pelo que você está passando', e ele disse para eu rezar por nós." 

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.