Entenda a dança das cadeiras entre os estilistas das grifes italianas

O grande desafio dos CEOs das marcas de luxo hoje é detectar novos talentos "escondidos" nos ateliês e capazes de manter a relevância da marca para a próxima geração de consumidores

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Por Maria Rita Alonso
Atualização:
Desfile da Gucci na Semana de Moda de Milão Foto: Divulgação

Milão - A moda italiana passou por uma reviravolta nessa última temporada. Cabeças de consagrados estilistas rolaram e uma nova geração tomou a frente da criação, estimulando a competitividade e elevando o nível dos desfiles de maneira geral. O trono de diretor criativo da Gucci está ocupado agora pelo romano Alessandro Michele, um hippie de barba e cabelos longos, que vive de camiseta branca, jeans surrado, pulseiras amarradas no pulso e anelões nos dedos. Ele tem 42 anos e passou os últimos 10 como assistente da antiga estilista, Frida Giannini, até que em janeiro foi alçado ao cargo de criador número 1 da casa. Valeu a resiliência, pois em seu terceiro desfile para a grife, já vem sendo apontado como a grande estrela fashion da Itália, liderando uma nova era na moda, mais libertária e boêmia. 

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Na passarela da Gucci, 64 looks apresentaram uma mistura de popstar dos anos 70 com a estética geek do Vale do Silício. As inspirações, segundo Michele, vieram de toda a parte: da dinastia Tudor, da filósofa francesa Madeleine de Scudéry (1607 -1701), das flores (em estampas variadas em vestidos e bolsas), dos insetos e répteis (em formatos de broches, bordados, brocados) e dos arquivos da própria marca. Os vestidos de noite surgiram leves e intrigantes, com tules de seda transparentes e sem forro, adornados com a técnica do trompe l'oeil, que dependendo da perspectiva aparenta ter três dimensões. Calças de cetim verdes, saias de lantejoulas rosa e lurex listrados, coloridos e pop estavam ali também, deixando tudo com um glamour divertido. “Cada peça da coleção é tratada como um objeto único, com motivos, padronagens, savoir-faire e emoções próprias. Nós nos ‘perdemos’ em cada uma delas”, disse o estilista.

Outras estreias aguardadas foram a do estilista Peter Dundas, ex-Emilio Pucci, na grife Roberto Cavalli, e Massimo Giorgetti, que comandava uma marca própria e ficou no lugar de Dundas na Pucci. “Estou adorando essa dança de cadeiras na moda da Itália. A mudança trouxe uma energia nova, um olhar fresco e um jeito de pensar mais livre para as passarelas”, avalia a consultora Costanza Pascolato, de Milão. O fato é que há um forte desejo na indústria da moda (assim como em muitas outras) de manter a relevância para a próxima geração de consumidores.A coroação desses estilistas representa um novo momento nos negócios das grifes de luxo, nos quais executivos e CEOsse encarregam agora de detectar talentos capazes de criar identificação com a parcela mais jovem da clientela. "O mundo está mudando e precisamos evoluir com ele", afirmou Mauro Grimaldi, novo executivo-chefe da Pucci, na saída do desfile.

Fã de rock indie, Massimo Giorgetti apresentou, ao som de hits da banda The Strokes, uma série de estampas inspiradas nas costas de Capri e na Côte D'Azur, que já haviam servido de mote na década de 50 para roupas assinados pelo fundador da casa. Os vestidos eram soltos, assimétricos, com destaque para as cores puras e fortes. Ao encostar as estampas que marcaram a década de 60 e são o grande símbolo da grife, no entanto, Massimo dividiu opiniões entre as editoras (muitas gostaram, sim) e as clientes (que em geral torceram o nariz) . “Ele mudou as coisas para pior”, avaliou a blogueira e consumidora brasileira Lala Rudge, que acompanhou o desfile. “Não gostei, não parece mais a Pucci."

Já Dundas, agora na Cavalli, foi mais certeiro, em termos comerciais. Ele, que começou a carreira como assistente do próprio Cavalli na década de 90, voltou apostando em uma moda sexy e feita sob medida para os tapetes vermelhos, com decotes, mini-comprimentos recortes laterais e vestidos justinhos de um ombro só. Não foi uma estreia brilhante, mas sua chegada foi tida como promissora por boa parte dos pesos-pesados da moda, acomodados na fila A.

Velha-guarda. Enquanto isso, a velha-guarda se armou trazendo novidades de toda ordem às passarelas. Donatella Versace convocou uma tropa de modelos lindíssimas (Isabeli Fontana e Carol Trentini, entre elas) para mostrar sua melhor coleção dos últimos anos. A canção “Transition”, de Violet and Friends, gravada para o projeto Equality Now, de uma instituição em defesa dos direitos femininos, abriu o show. "Esta música é dedicada a todas as mulheres, independentemente de cor, religião, sexualidade, ou o sexo em que nasceram”, anunciava-se em alto-falantes.

Com estampas camufladas e modelagens de inspiração militar, justas, curtas provocantes, bem ao estilo Versace, o desfile acabou sendo um dos mais festejados da semana. Donatella não cansa de ser sexy, mas dessa vez soube aliar looks de couro, peças de alfaiataria risca de giz com a bainha descosturada, blazers alongados de uma forma mais cool à coleção. Além de contar com uma cartela de cores linda, com tons poderosos de vinho e verde.

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Dolce & Gabbana deu show de tecnologia e conectividade, promovendo uma homenagem à Itália e colocando em cena modelos com celulares nas mãos fazendo selfies, que eram projetadas imediatamente em quatro grandes telões armados ao redor da passarela e também no Instagram da marca. A modelo Maja Salamon abriu o desfile em um vestido que trazia as palavras "Italia is love" e bordados com as imagens de atrações turísticas como as gôndolas de Veneza e a basílica de Santa Maria di Fiore, em Florença. "Nós temos clientes em diferentes lugares do planeta, do Brasil a Rússia, e sabemos que todo mundo é louco pela Itália”, disse o estilista Stefano Gabbana, durante um coquetel após o desfile. “Ressaltamos a nossa essência italiana e estamos sempre prontos para contar uma história do jeito mais atraente possível.”

As tendências. Se depender dos italianos, nos próximos meses estarão na moda listras, bolas e flores. As listras podem ser verticais, horizontais, de todas as larguras e diversos tons. Prada, Tods, Pucci, Missoni e Salvatore Ferragamo apostam na tendência. As bolas foram vistas com destaquenos acessórios da Marni e da Prada. “A contemporaneidade hoje está alinhada com conceitos modernistas. Os estilistas agora buscam afastar a silhueta das roupas do corpo e promover as formas retas e jogos de proporções pouco usuais”, avalia Costanza. 

Também está em conseguir fazer algo inusitado. Karl Lagerfeld, que além de ser diretor criativo da Chanel comanda a equipe de estilo da Fendi há 50 anos, trouxe vestidos e saias de couro supermacio com nervuras em forma de colmeias, em um trabalho primoroso de confecção. Aplicações de flores em bolsas e sapatos remetiam a imagens de jardins. "Todos nós sentimos o conflito entre natureza e vida urbana", disse Silvia Fendi, nos bastidores do show. “E a moda serve para representar nossas sensações.” 

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