Donna Karan: calma em frente ao caos

Aos 65 anos, ainda no papel de diretora de criação de sua grife, ela enfrenta altos e baixos nas vendas de sua grife - e administra uma intensa agenda de trabalhos filantrópicos pelo mundo

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Por Geraldine Fabrikant
Atualização:
Aos 65 anos, Donna Karan enfrenta altos e baixos nas vendas de sua grife Foto: Elizabeth Lippman/The New York Times)

Quando a estilista Donna Karan apresentou sua mais recente coleção em fevereiro, a voltagem foi alta: um filme encomendado especialmente a Steven Sebring era exibido ao fundo enquanto modelos desfilavam pela passarela em modelitos que lembravam camisolas com casacos de ombros quadrados e botas de cano alto. No público, uma série de nomes de peso: Katie Holmes, Trudie Styler e Rita Ora, todas vestidas dos pés à cabeça com peças de Donna Karan.

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O desfile, realizado num espaço cavernoso em Wall Street, celebrou o 30.o aniversário de sua marca, e o agito do público envolvendo o evento deu início a rumores de que a estilista poderia finalmente anunciar sua aposentadoria. Mas, falando ao séquito de repórteres alinhados para entrevistá-la em seguida, Donna não deu indícios de planejar um desfecho de sua carreira em breve. 

É claro que Donna não está mais tão profundamente envolvida nas atividades diárias da marca como já esteve. Desde quando vendeu sua empresa à LVMH Moët Hennessy Louis Vuitton, em 2001, ela conta com uma equipe de veteranos no departamento de criação da marca Donna Karan e da DKNY. Ainda assim, ela se orgulha de desempenhar o papel de diretora de criação da marca que fundou, que até hoje reflete suas inspirações.

"Se não fizesse isso, não sei o que faria", disse durante uma entrevista no loft de Manhattan, onde trabalhava seu marido, o escultor Stephan Weiss, morto em 2001. Ela usava seu tradicional bodysuit preto, calças pretas e um enorme colar de renda preta. "Não há nada em minhas coleções que não tenham recebido minha aprovação pessoal. Literalmente, todas as minhas roupas me servem."

Aos 65 anos, Donna continua a fazer as mesmas perguntas de sempre a respeito de seu trabalho e sua vida. "Como encontrar a calma em meio ao caos?", indaga ela, quase como se falasse sozinha.Trata-se da pergunta que a levou a criar sua primeira coleção icônica envolvendo um guarda-roupa de "sete peças fáceis", revelado em 1985 a um público que fez os modelitos desaparecerem imediatamente das prateleiras. 

Naquele ano, ela criou um look que alterou o estilo feminino de se vestir: fugiu da uniformidade de um corte mais masculino voltado para o sucesso (com uma blusa com gola de laço), sem abrir mão de uma aparência séria o bastante para o trabalho, os cuidados com a casa e com os filhos. Em cada temporada subsequente, Donna amplificou o tema sem nunca se afastar muito dele: bodysuit, a blusa nos ombros (de acordo com ela, ombros não ganham peso) e as joias chamativas.

Mas, ainda assim, o momento atual não é dos melhores para a estilista. Durante o chá, Donna contou que seu relacionamento com a LVMH, empresa dona das marcas Marc Jacobs, Céline e Dior, precisa ser fortalecido. "A Vuitton cuida de seus negócios em separado", disse ela, sentada no imenso cômodo que serve como escritório, estúdio e sala de estar, com vista para um jardim no segundo andar. "Eu adoraria trabalhar mais com eles, mas a Vuitton não se mostrou muito receptiva."

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Enquanto mostrava um anúncio impresso da nova coleção, ela disse que teve de produzi-lo em um dia, viajando ao Haiti para supervisionar pessoalmente as fotografias. Patti Cohen, a vibrante ruiva que atua como diretora executiva de marketing global de Donna Karan e é amiga íntima da estilista desde quando as duas se conheceram há 35 anos, numa quadra de tênis em Fire Island, disse durante o chá que torcia pelo desenvolvimento de uma relação entre Donna Karan e Delphine Arnault, vice-presidente executiva da Louis Vuitton e filha do presidente da LVMH, Bernard Arnault. 

Mas Donna e Delphine ainda não passaram nenhum tempo juntas. (Nenhum dos Arnaults quis ser entrevistado para esta reportagem.)Sem dúvida, a marca deixou de ter o peso de tempos atrás. Embora seus principais produtos ainda sejam vendidos na Saks e na Neiman Marcus, a Bloomingdale's, antes inseparavelmente ligada às principais consumidoras da marca Donna Karan, deixou de oferecer seus produtos há cerca de seis meses. (A rede ainda traz uma ampla seleção de peças da DKNY.) Anne Keating, vice-presidente executiva, não quis comentar o motivo que levou a loja a abandonar a marca Donna Karan.

A estilista disse que Saks e Bergdorf Goodman são suas principais compradoras, acrescentando que a "Bloomingdale's faz um excelente trabalho com a grande presença da DKNY", cuja consumidora é "uma mulher mais móvel, que passa mais tempo nas ruas". E, de fato, parece que a DKNY está prosperando. A marca está se expandindo no exterior e, mais importante, no mercado asiático, em rápido crescimento. Há agora 250 lojas da DKNY em todo o mundo, número que deve aumentar, diz Patti.

Karan administra uma intensa agenda de trabalhos filantrópicos pelo mundo Foto: Elizabeth Lippman/The New York Times

Recentemente, a Opening Ceremony criou uma minicoleção da DKNY. "Crescemos na Califórnia e, quando chegamos a Nova York, a DKNY era o principal nome em roupas esportivas modernas", disse Carol Lim, cofundadora da Opening Ceremony. "Acompanhamos as campanhas de Donna durante a juventude - o outdoor em Houston, por exemplo -, e amamos este tipo de coisa. A ideia era prestar uma homenagem, e o público parece ter gostado muito."

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Mas a LVMH não aproveitou outras oportunidades, como uma It Bag para a marca Donna Karan. "Seria melhor voltar às bolsas?" indaga Donna, retórica. "Quando a marca Donna Karan começou, fomos os primeiros a entrar na onda das bolsas de crocodilo. Um dos pontos fortes da venda para a LVMH era a possibilidade de eles serem parceiros perfeitos para as bolsas, mas, em vez disso, eles me viram como estilista."

James Fingeroth, porta-voz da LVMH, disse apenas que o "legado dela sobrevive" e que o trabalho de Donna Karan "reflete a pulsação de Nova York". Houve boatos dizendo que Donna Karan e a LVMH poderiam encerrar sua parceria. "Que eu saiba, nada do tipo deve ocorrer no momento - ao menos, não por enquanto", disse a estilista, enigmática. Ela ainda é diretora de criação e "define o caminho a ser seguido pela empresa", de acordo com Mark Weber, diretor executivo da Donna Karan International.

Enquanto isso, Donna Karan continua sendo uma das estilistas americanas de maior visibilidade em sua geração, ao lado de Ralph Lauren e Calvin Klein. "Sempre optei pelo preto", disse Donna em seu estúdio. "Calvin era neutro em termos de cores. Ralph usava o azul e o xadrez. Certa vez, contratei um diretor executivo da Armani que me pediu para usar mais tons de cinza. Não funcionou."

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As diferenças não se limitam às cores. "Calvin articula a forma reta, de gosto mais geométrico", disse Donna. "Prefiro as curvas, mas adaptadas à linguagem corporal feminina." Isto tem sido verdadeiro desde que ela começou a criar roupas na adolescência, filha de um alfaiate e de uma modelo, apresentando sua primeira coleção no Colégio Hewlett, em Long Island. Ela conseguiu um emprego na Anne Klein e assumiu a empresa ao lado de Louis Dell'Olio, depois que o chefe morreu de câncer, mais tarde trabalhando independentemente numa coleção para a Bergdorf Goodman que logo se esgotou das lojas.

"Lembro-me de Donna sentada no alto dos elevadores do terceiro andar, chorando por achar que as peças jamais fariam sucesso", disse Dawn Mello, então presidente da loja, segundo a qual o segundo casamento de Donna, com Weiss (o primeiro marido foi o lojista Mark Karan), foi crucial para o sucesso dela. "Sem ele, tenho dúvidas se ela teria alcançado o sucesso; ele a pressionava", disse Dawn. "Ela não era tão confiante no próprio talento. Isso veio mais tarde, depois das vitrines e da repercussão na imprensa."Não há dúvidas quanto à sequência de sucessos que ela emplacou. "Acho que Donna foi a primeira mulher a ficar conhecida pelo primeiro nome nos Estados Unidos", disse Valerie Steele, diretora do museu do Instituto de Tecnologia da Moda. Mas Valerie acrescenta: "Com a evolução do trabalho de Donna, ficou mais difícil formar uma imagem clara de seu estilo. Ela acompanha as tendências, mas não apresenta mais o look de Donna. Aquilo que ela tinha de radical foi assimilado pela moda. Donna deixou de ser uma definidora de tendências. Hoje, seus interesses não estão mais na moda, e sim na filantropia e no espiritualismo".

Indagada se teria se distraído demais, afastando-se de sua principal linha de produtos, Donna Karan disse: "Não é uma questão de estar aqui ou ali. Busco ligar os pontos num mundo holístico. Escultura, arte e cultura são as forças que me impulsionam".

"Alguém acha que Karl passa o dia inteiro num escritório da Chanel?" acrescenta ela, referindo-se a Karl Lagerfeld. "Desenvolvemos uma inspiração, um look com nossa assinatura." Donna disse não ter planos para sua sucessão no comando da empresa. "Ninguém pode prever o futuro", disse ela. "Veja o que houve na Anne Klein quando meu chefe morreu e tive de assumir as rédeas, com apenas 25 anos. Hoje, sinto-me à vontade porque há pessoas com quem trabalho faz muito tempo. Elas conhecem a assinatura que distingue nossa marca."

Donna Karan não diminuiu o ritmo de suas atividades. Ela está na passarela com sua coleção; viaja ao Haiti; frequenta jantares de gala do mundo da moda; participa de eventos de caridade nas lojas de departamento; dá palestras na faculdade de administração de Harvard; passa o tempo com a filha, Gabby, 40 anos, e os dois netos, além de um grupo de amigos cheios de estilo, como Barbra Streisand.

"Donna nunca para", diz a amiga de longa data, Sandy Gallin. "Ela é capaz de esgotar as energias de todos que a acompanham. Independentemente de qual for a programação, tudo sempre muda. Se o dia começa às 8h da manhã e ainda teremos que encontrar alguém para jantar às 22h ou 23h, ela sempre diz, 'Vamos, vamos', e nós só conseguimos pensar em 'vamos, vamos logo para a cama'."

O outro lado dessa moeda parece ser a capacidade de se distrair. Desde o acordo com a LVMH, que rendeu a ela mais de US$ 400 milhões, o conjunto de paixões de Donna foi ampliado para incluir uma impressionante gama de trabalhos filantrópicos: apoiando artesãos no Haiti; buscando tratamentos holísticos para pacientes com câncer e outras doenças; divulgando o trabalho de pesquisa com câncer do ovário iniciado com a ajuda dela 16 anos atrás em seu quintal de East Hampton; e seu empreendimento varejista Urban Zen, que procura revender artesanato de todo o mundo. Ela doou US$ 2.5 milhões para inaugurar um programa de mestrado em moda na Parsons, chamado Nova Escola de Design, graças a um "desejo de oferecer aos estilistas mais promissores um espaço e um local para experimentar e explorar os limites de seu verdadeiro potencial", disse ela na época.

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E, como alguém que procura a calma em meio ao caos, há a ioga. "Os sentidos das pessoas que trabalham com criatividade reagem com intensidade, e isso nos leva a buscar essa calma em algum lugar", disse ela, explicando a importância da prática.A filha negou que a mãe, interessada em tantos empreendimentos, estivesse menos envolvida do que antes com o trabalho de estilista. "Ela trabalhou até as 3 da madrugada durante duas semanas antes da estreia da nova coleção", disse Gabby Karan. "Tudo sempre fica pronto na última hora, mas ela sempre consegue o resultado que deseja."

Com lealdade, ela acrescenta: "Minha mãe é como uma borboleta. Ela pousa em lugares diferentes. Está sempre em movimento. Nunca fica muito tempo num mesmo lugar."

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