Como criar uma criança criativa? Primeiro passo: recue

Pode ser difícil alimentar a criatividade, mas trata-se de algo que pode ser facilmente frustrado

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Por Adam Grant
Atualização:
Ao limitar a imposição de regras, os pais encorajam suas crianças a pensarem por si mesmas Foto: Pixabay

Elas aprendem a ler aos 2 anos, a tocar Bach aos 4, a fazer cálculos facilmente aos 6 e a falar línguas estrangeiras fluentemente aos 8. Seus colegas de classe tremem de inveja; seus pais se enchem de contentamento como se tivessem ganhado na loteria. Mas, parafraseando T. S. Eliot, suas carreiras tendem a acabar não com um estrondo, mas como uma lamúria.

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Considere o prêmio mais prestigiado para alunos talentosos do ensino médio na área de ciências, o Westinghouse Science Talent Search, que foi chamado de o Super Bowl da ciência por um presidente norte-americano. Do seu começo em 1942 até 1994, a competição premiou mais de 200 adolescentes precoces como finalistas. Mas apenas 1% entrou para a Academia Nacional de Ciências e apenas 8 ganharam Prêmios Nobel. Para cada Lisa Randall que revoluciona a física teórica, há muitas dezenas que estão muito aquém de seus potenciais.

Crianças prodígio raramente se tornam, na idade adulta, gênios que mudam o mundo. Nós presumimos que eles careçam de habilidades sociais e emocionais para atuar em sociedade. Quando olhamos as evidências, porém, esta explicação não é suficiente: menos de um quarto das crianças superdotadas sofrem de problemas sociais ou emocionais. A grande maioria é bem ajustada.

O que detém esses jovens é o fato de que eles não aprenderam a ser originais. Eles se empenham em conquistar a aprovação de seus pais e a admiração de seus professores, mas quando se apresentam no Carnegie Hall ou se tornam campeões de xadrez, algo inesperado acontece: a prática torna as coisas perfeitas, mas não originais.

As crianças superdotadas aprendem a tocar as melodias de Mozart de forma magnífica, mas raramente compõem suas próprias partituras. Elas concentram sua energia na aquisição de conhecimento científico já existente, mas não na produção de teorias. Elas se ajustam a regras já codificadas em vez de criar suas próprias. Pesquisas sugerem que as crianças mais criativas são as que têm menos probabilidade de se tornar as queridinhas dos professores e, como resultado, muitas aprendem a manter suas ideias originais para si mesmas. Na linguagem do crítico William Deresiewicz, elas se tornam excelentes "carneirinhos".

Na idade adulta, muitos prodígios se tornam especialistas em suas áreas de atuação e líderes em suas organizações. Ainda assim, "apenas uma fração das crianças superdotadas eventualmente tornam-se criadores revolucionários", lamenta a psicóloga Ellen Winner. "Os que conseguem têm de fazer uma dolorosa transição" para tornarem-se um adulto que "em última análise, refaz seu domínio".

A maioria das crianças prodígios nunca dá esse salto. Elas aplicam suas habilidades extraordinárias brilhando no trabalho sem alterar o status quo com perguntas ou quebra de regras. Elas se transformam em médicos que curam seus pacientes sem lutar para corrigir os problemas do sistema de saúde ou advogados que defendem seus clientes de acusações injustas, mas não tentam transformar as próprias leis.

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Então, o que fazer para educar uma criança criativa? Um estudo comparou as famílias de crianças que eram avaliadas como as 5% mais criativas em seus sistemas de ensino com aquelas que não eram geralmente criativas. Os pais de crianças comuns tinham, na média, seis regras, como horários específicos para fazer o dever de casa e para dormir. Os pais de crianças bastante criativas tinham uma média de menos de uma regra.

Pode ser difícil alimentar a criatividade, mas trata-se de algo que pode ser facilmente frustrado. Ao limitar a imposição de regras, os pais encorajam suas crianças a pensarem por si mesmas. Eles tendem a "colocar ênfase em valores morais em vez de especificar regras", disse a psicóloga de Harvard Teresa Amabile.

Mesmo nesses casos, os pais não empurram seus valores goela abaixo da garganta de seus filhos. Quando os psicólogos compararam os arquitetos norte-americanos mais criativos com um grupo de colegas altamente qualificados mas não originais, havia algo único sobre os pais dos arquitetos criativos: "a ênfase foi colocada no desenvolvimento do código ético de cada um".

Sim, os pais encorajaram seus filhos a perseguir a excelência e o sucesso, mas também os encorajaram a encontrar "felicidade no trabalho". Seus filhos tiveram liberdade para escolher seus próprios valores e descobrir seus próprios interesses. E isso fez com que eles se desenvolvessem e se tornassem adultos criativos.

Crianças prodígio raramente se tornam, na idade adulta, gênios que mudam o mundo Foto: Pixabay

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Quando o psicólogo Benjamim Bloom liderou um estudo a respeito das raízes dos principais músicos, artistas, atletas e cientistas do mundo ele descobriu que seus pais não sonhavam que seus filhos fossem crianças 'superstar'. Eles não treinaram sargentos ou feitores de escravos. Eles responderam às motivações intrínsecas de suas crianças. Quando seus filhos demonstravam interesse e entusiasmo a respeito de algum assunto, os pais os apoiavam.

Os principais pianistas não tiveram professores de elite já na época que começaram a andar. Suas primeiras lições foram dadas por instrutores que moraram por perto e fizeram do aprendizado uma alegria. Mozart mostrou interesse por música antes de ter aulas sobre o assunto, e não o contrário.

Mary Lou Williams aprendeu a tocar piano sozinha; Itzhak Perlman começou aprendendo violino por conta própria depois de ser rejeitado pela escola de música.

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Até mesmo os melhores atletas não tiveram um desempenho melhor do que o de seus pares no começo.

Quando a equipe do Dr. Bloom entrevistou jogadores de tênis que estavam entre os 10 melhores do mundo descobriu que eles não haviam, parafraseando Jerry Seinfield, feito flexões desde que eram fetos. Poucos deles enfrentaram pressões intensas para aperfeiçoar seu jogo, como aconteceu com Andre Agassi. A maioria das estrelas do tênis lembram-se de uma coisa a respeito de seus primeiros treinadores: eles fizeram do tênis algo divertido.

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Desde que Malcolm Gladwell popularizou a "lei das 10 mil horas" sugerindo que o sucesso depende do tempo que você gasta em determina prática, foi desencadeado o debate a respeito de como o número de horas necessária para se tornar um especialista varia de acordo com a área de atuação e de pessoa para pessoa. Ao discutir a respeito da questão, negligenciamos duas questões que importam muito.

Primeiro, não pode a prática em si mesma nos cegar para novas formas de melhorar nossa área de estudo?

Pesquisas revelam que quanto maior a prática, maior nos tornamos entrincheirados, presos em formas familiares de pensamento. Hábeis jogadores de bridge tiveram mais dificuldades do que os novatos para se adaptar quando as regras do jogo foram alteradas; contadores experientes foram piores do que os principiantes na aplicação da nova lei tributária.

Em segundo lugar, o que motiva as pessoas a praticar algo durante milhares de horas? A resposta mais confiável é paixão - descoberta por meio da curiosidade natural ou alimentada em razão de experiências agradáveis com a atividade ou atividades exercidas.

Evidências mostram que contribuições criativas dependem da largura, e não apenas da profundidade de nosso conhecimento e experiência. No mundo da moda, as coleções mais originais são criadas por diretores que passam a maior parte do tempo vivendo no exterior. Na ciência, conquistar o Prêmio Nobel tem menos a ver com ser um gênio com um só objetivo e mais a ver com ser uma pessoa interessada em muitas coisas.

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Em relação aos cientistas típicos, os vencedores do Prêmio Nobel são 22 vezes mais propensos a atuar como dançarinos, atores ou mágicos; têm 12 vezes mais possibilidade de escrever poesia, peças de teatro ou novelas; sete vezes mais vezes de se envolver com artesanato e duas vezes mais propensos a tocar um instrumento ou compor música.

Ninguém força estes cientistas luminares a se envolver com hobbies artísticos. Trata-se de um reflexo de sua curiosidade. E, algumas vezes, esta curiosidade os leva a ideias extraordinárias. "A teoria da relatividade me ocorreu por intuição", relatou Albert Einstein. Sua mãe o colocou para fazer aulas de violino quando ele tinha 5 anos, mas sua curiosidade não foi realmente despertada. Seu amor pela música só floresceu quando ele era adolescente, após parar de ter aulas e descobrir as sonatas de Mozart. "O amor é um professor melhor do que o senso de dever", disse ele.

Ouviram isso, "mães tigre" e "pais Lombardi"? Vocês não podem programar uma criança para se tornar criativa. Tente projetar certo tipo de sucesso e o melhor que vai conseguir é um robô ambicioso. Se vocês querem que as crianças tragam ideias originais para o mundo, precisam deixar que elas busquem suas próprias paixões, e não as dos pais.

Tradução de Priscila Arone

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