Com produtos importados, brechó dá cara nova a peças usadas

Na primeira reportagem da série sobre consumo consciente, mostramos como funciona o Gato Bravo, um dos brechós mais completos de São Paulo, e provamos a necessidade urgente de rever nossos hábitos de compras pelo bem do planeta

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Por Mel Meira
Atualização:
Em ambiente moderno (e sem cheiro de naftalina!), o Gato Bravo oferece peças renovadas que custam de 40 a 2 mil reais. Foto: Estadão

Eu, você e aquela sua amiga que vive no shopping ajudamos a compor um dado preocupante: fazemos parte do 1 bilhão de pessoas, o equivalente a 16% da população, responsáveis por quase 80% do total consumido no planeta. E a perspectiva é que o número de pessoas triplique nas próximas duas décadas. O que parece bom para a indústria, representa uma catástrofe em termos de sustentabilidade. Se a previsão se confirmar, não haverá recursos renováveis em quantidade suficiente para suprir a demanda. Como resolver a questão? De acordo com Helio Mattar, presidente do Instituto Akatu, entidade criada em 2011 para estimular práticas de consumo consciente, devemos repensar nossos hábitos de compras e investir no aproveitamento e na renovação de peças que já existem. 

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Parece uma meta difícil levando em consideração fatores caros ao mercado da moda, como as trocas de coleções das grandes grifes e a alta rotatividade de produtos das redes de fast fashion. Mas, cada vez mais, profissionais que insistem em movimentar-se na contramão mostram que é possível propor um novo caminho de consumo. Em alguns dos brechós mais legais do país, o cheiro de naftalina ficou no passado e as roupas velhas sem personalidade deram lugar a produtos usados, mas com cara de novos. É o caso do Gato Bravo, localizado na rua Avanhandava, no centro de São Paulo. Comandada por Rachel Mancini (sim, ela é filha do famoso restaurateur Walter Mancini), a loja oferece roupas e acessórios antigos que passam por uma curadoria exigente e um cuidadoso processo de revitalização. Aos 28 anos, Rachel garimpa peças nos Estados Unidos e na Europa e defende a necessidade urgente de uma transformação na forma com que consumimos moda no Brasil. É o que você confere na entrevista que ela concede a seguir.

Como você enxerga a questão do consumo consciente de moda no Brasil? As pessoas aqui gostam de guardar as coisas por muitos anos. Não querem se desapegar e se desfazer, mesmo que não usem mais e isso é preocupante. Eu mesma era muito mais consumista e deixava muita roupa parada. Passei por uma transformação depois de morar em Barcelona e ver que na Europa a cultura do “second hand” é muito comum. Eles se desapegam das coisas com mais facilidade. 

A ideia de abrir o Gato Bravo surgiu depois dessa experiência na Europa? Sim. Eu me apaixonei pelo universo do brechó quando comecei a conversar com os donos dessas lojas e a criar uma nova atitude em relação ao consumo. Voltei para o Brasil, montei o negócio durante um ano e abri as portas em dezembro de 2012.

Raquel Mancini abriu o negócio após se apaixonar pela cultura do 'second hand' na Europa. "Para mim, estilo é saber reutilizar peças e sair da onda do fast fashion", diz ela Foto: Estadão

Qual a logística necessária para manter a loja? Meu estoque não se repõe muito rápido, então tudo é bem organizado. Geralmente garimpo peças em Los Angeles, Nova York, Berlin, Barcelona e Londres. Também recebo pessoas interessadas em vender ou até em doar algumas peças. Elas se sentem confortáveis, pois sabem que eu vou cuidar bem das roupas. Existe sentimento envolvido e, por isso, também fico feliz quando um cliente legal compra uma peça que eu tive o cuidado de restaurar. 

Qual a média de preços dos produtos? Consigo ter uma faixa bem variável, que vai de camisetas de R$ 40 a vestidos de festa de R$ 2.000.

O consumidor ainda tem preconceito de comprar em brechós? Ainda existe preconceito com esse formato de consumo por diversos motivos. Há quem acredite que a roupa carrega a energia do antigo dono. E muita gente acha que só o novo, o que está no shopping, é especial. Infelizmente, os consumidores brasileiros ainda se apóiam muito no nome da marca. Para mim, estilo é saber reutilizar e sair dessa onda de fast fashion atual. 

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Como você faz para atrair esses consumidores novos? Criei um ambiente confortável e ofereço atendimento personalizado para que todos se sintam à vontade na loja. Na etiqueta dos produtos, é possível ver o país de origem e uma explicação sobre cada um deles. Acredito que pequenas ações do dia a dia ajudam a quebrar preconceitos. Não adianta tentar impor nada. Trata-se de uma questão de abrir a cabeça para o novo; e o novo, algumas vezes, é um produto antigo.

O Gato Bravo também oferece aluguel de peças. Essa é outra maneira de estimular o consumo consciente, não? Claro. Muitas vezes o cliente deseja a peça só para um evento específico e, se comprasse, depois a deixaria parada no armário. Como não queremos isso, ele pode pagar apenas uma porcentagem, usar a roupa ou o acessório e devolver depois. 

Quais são os planos para expandir o alcance da sua iniciativa? Estamos trabalhando na nossa loja online. Na página, quero explicar a origem e história das peças e deixar claro o quanto prezamos pela sustentabilidade para conscientizar cada vez mais gente. Também pretendo realizar o dia da troca, em que os clientes poderão trocar peças que não usam mais por produtos do Gato Bravo. Acho esse outro formato bem atual e interessante. 

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