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Amor e mérito

A meritocracia se funda na conquista do sucesso, no talento e nas realizações; ocorre que o amor dos pais deveria esquecer as realizações, deveria ser um apoio incondicional

Por David Brooks
Atualização:
 Foto: Crédito: Michael Craig/ Creative Commons

Dois importantes aspectos definem hoje a educação dos filhos. O primeiro, é que, agora, os filhos em geral são elogiados de uma maneira sem precedentes. Como Dorothy Parker disse certa vez brincando, as crianças americanas não são educadas; elas são instigadas. Elas recebem alimento, abrigo e aplausos. 

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Isto hoje é mil vezes mais válido. As crianças ouvem incessantemente o quanto são especiais.

O segundo aspecto é que as crianças são continuamente obrigadas a se aprimorarem, também de uma maneira sem precedentes. A meritocracia é mais competitiva do que nunca. Hoje, os pais estão mais ansiosos e preocupados em garantir que os filhos frequentem boas universidades e sigam carreira importantes. E gastam um tempo muito maior investindo no aperfeiçoamento das capacidades e nos currículos dos filhos, dirigindo-os para práticas e treinamentos do que os das gerações passadas.

Estas duas grandes tendências - mais elogios e maior aperfeiçoamento - estão estreitamente entrelaçadas. As crianças são recobertas de amor, muitas vezes dirigido para um objetivo específico, e de um afeto meritocrático, mesclado ao desejo de impulsionar os filhos para o sucesso.

Na maioria das vezes, este amor é manipulador. Os pais usam, de maneira inconsciente, seus sorrisos e suas carrancas para compelir os filhos a se comportarem de um modo que, na sua opinião, os levará a grandes resultados. Os pais se sentem tremendamente orgulhosos quando o filho estuda e treina com afinco, conquista o primeiro lugar, entra numa universidade muito conceituada.

É um amor baseado no mérito. Não é simplesmente: amo você; mas: amo você quando você se comporta como eu espero que se comporte. Eu o cubro de elogios e de cuidados quando você se comporta como eu espero.

O lobo do amor condicional está à espreita nestes lares. Os pais não se dão conta disso; estão convencidos de que amam seus filhos em quaisquer circunstâncias. Mas os filhos muitas vezes percebem as coisas de maneira diferente.

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Os filhos destas famílias poderão achar que a infância tem a ver exclusivamente com desempenho - nos esportes, na escola e mesmo além disso. Eles poderão achar que o amor não é algo que merecem por serem, intrinsecamente, como são, mas algo que devem merecer.

Estas crianças começarão a achar que este amor mesclado ao mérito pertence à ordem natural do universo. Os mínimos olhares de aprovação e desaprovação são tão profundamente inerentes à sua comunicação que se situam abaixo do nível da consciência. Entretanto, geram uma enorme pressão interior, a suposição de que elas devam comportar-se de determinada maneira a fim de se tornarem merecedoras de amor - para adquirirem autoestima. A sombria presença do amor condicional produz temor, o temor de que um amor totalmente seguro sequer exista; de que não há um lugar completamente seguro onde os jovens possam ser autêntica e plenamente eles mesmos.

Por outro lado, muitos pais destas famílias estão extremamente ligados aos filhos. Sua comunicação é constante. Mas toda esta situação é tensa. Inconscientemente, estes pais consideram os filhos um projeto, a possibilidade de realizar uma obra de arte, e insistem para que frequentem uma universidade e tenham empregos que deem status e prazer a eles, os pais - o que confirmará sua eficiência enquanto pais e mães.

Ao mesmo tempo, os filhos que não têm certeza do amor dos pais acabam sofrendo de uma fome voraz deste amor. O amor condicional é como um ácido que dissolve os critérios internos dos filhos na hora de decidir a respeito da universidade, do curso e da carreira que pretendem seguir. Nos momentos cruciais em que precisam tomar tais decisões, inconscientemente eles se preocupam com a reação dos pais, e pautam sua vida por estas reações imaginárias, reagindo com uma sensibilidade aguda à possibilidade de frieza ou distanciamento.

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Estes filhos costumam falar aos pais coisas que provocam seus elogios, e escondem os aspectos de sua vida que provocariam o contrário. Estudos realizados por Avi Assor, Guy Roth e Edward L. Deci sugerem que os filhos que receberam amor condicional frequentemente se saem melhor a curto prazo. Poderão a ser alunos modelo. Mas sofrerão a longo prazo. Então começam a se ressentir dos pais, a deixar que o medo os influencie a tal ponto que passam a evitar o risco. Perdem o sentido da ação. O que mais os estimula são as pressões que interiorizaram, e não uma autêntica liberdade de escolha. Quando adultos, sentem-se menos merecedores.

Os pais de duas gerações atrás provavelmente diriam aos filhos que esperavam que eles fossem mais obedientes, ao contrário dos pais de hoje. Mas hoje este desejo de obediência não desapareceu; tornou-se subterrâneo. É menos provável que os pais exijam obediência com regras e sermões explícitos, e é mais provável que usem o amor como instrumento de controle.

A cultura da meritocracia é incrivelmente poderosa. Os pais querem desesperadamente a felicidade para os filhos, e querem guiá-los para o sucesso de todas as maneiras possíveis. Entretanto, às vezes, as pressões da meritocracia podem dar a este amor uma base falsa. A meritocracia se funda na conquista do sucesso, no talento e nas realizações. Ocorre que o amor dos pais deveria esquecer as realizações. Deveria ser um apoio incondicional - um dom que não pode ser comprado e não pode ser ganho. Ele foge à lógica da meritocracia, e é o mais próximo que o ser humano pode chegar da graça.

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Tradução de Anna Capovilla

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