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À moda de Emicida

Após divulgar novo clipe sobre uma rebelião de domésticas, o rapper lança coleção de roupas e prepara álbum inspirado na África

Por Giovana Romani
Atualização:
O rapper criou uma linha de roupas em parceria com a marca West Coast Foto: Sergio Castro/ Estadão

Na última quarta, 1, o rapper Emicida fez barulho nas redes sociais ao divulgar seu novo clipe, “Boa Esperança”. Dirigido por Kátia Lund e João Wainer, o vídeo tem fotografia de cinema e mostra a rebelião de empregados de uma mansão que se revoltam com os patrões ao som das batidas de hip hop e da letra que diz “Favela ainda é senzala. Bomba relógio prestes a estourar”. A música faz parte de seu novo álbum, baseado em uma viagem feita por ele a Cabo Verde e Angola, que contará com a participação de Caetano Veloso e Vanessa da Mata e deve ser lançado em agosto. Antes disso, na próxima terça, 7, o rapper realiza um show em São Paulo que marca outra de suas empreitadas: a criação de uma linha de roupas em parceria com a marca West Coast, cuja direção criativa está a cargo do estilista João Pimenta. Entre as peças, há camisa, botas, tênis e moletom, que custam de R$ 189 a R$ 389. “Minha mãe era empregada, eu morava na favela, mas ia para o bairro dos playboys todo dia”, diz Emicida - ele cresceu no bairro Cachoeira, na zona norte da capital paulista. “Gosto da fusão dos dois mundos.” Aos 29 anos, dono de sua própria gravadora e recém-chegado de uma turnê pela Europa, Emicida gosta também de quadrinhos, política e de contar histórias. Como você confere na entrevista.

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Por que se interessou na proposta de lançar uma coleção de roupas? 

Antes mesmo da marca me procurar eu andava desenhando roupas. Comprei uns livros de corte e costura num sebo e às vezes faco aula de tricô com a minha mãe. (risos) Ficamos conversando sobre a vida e tricotando. Quando soube do conceito da coleção, do lance do workwear, de ser uma roupa de trabalho, achei que tinha a ver. Porque é isso que a gente faz - corre. Tanto que as etiquetas das roupas têm o escrito “Corre Sempre”, com o desenho de uma marmitinha.

Você criou mesmo as peças?

Sim. O João (Pimenta) me deu um direcionamento e rabiscamos as ideias. Cheguei em casa, fiquei olhando e pensando na história que poderia contar a partir daquilo. Quis falar das quebradas, que é de onde o trabalhador sai todo dia para atravessar a cidade. Aí liguei para o pessoal do Opni, um coletivo de arte de São Mateus, que criou uma estampa baseada fiação elétrica lá do meu bairro. Juntei João Pimenta, Emicida, West Coast e Opni nessa história. É disso que gosto.

Você sofreu preconceito dos MCs quando apareceu de terno pela primeira vez?

Acho que sim, mas quem fala um negócio desses tem que rever. Você criticou alguém que trocou de roupa, é isso mesmo? A gente é igual à Mônica agora? Tem que usar a mesma roupa todo dia? Acho legal essa parada de ter uma outra postura, de desconstruir o terno. Ele está na capa de todos os meus discos, que é uma parte que me diverte. A composição é muito visceral, você expõe muita coisa e, para mim, que tenho mania de perseguição, isso é difícil.A parte estetica me dá um alívio.

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Tem talento para desenhar?

Sim, inclusive meu plano A era fazer quadrinhos. Foram eles que me fizeram começar a gostar de ler.

Você já afirmou ser contra a redução da maioridade penal pois acredita que os jovens precisam de escola, e não de cadeia. Como foi a sua formação?

Meu pai morreu quando eu tinha seis anos de idade e a minha mãe sempre teve que trabalhar. Ela era doméstica em duas casas de família e para fugir do estresse começou a ler. Parei de estudar na terceira série, pois comecei a brigar por causa dos comentários racistas que sofria. Depois acabei voltando. Devo muito do que sei ao hip hop também. Brinco que, na minha época, para entrar no hip hop, você tinha que saber toda a biografia do Malcolm X. O papel do MC é esse, passar informação. 

Acha que hoje existe uma alienação dos jovens na periferia?

Não. O nível intelectual da nossa burguesia é baixo e o pobre quer ser rico. Ele anseia o dinheiro, não o nível de conhecimento. Quando você não tem uma classe que influencia o País com ideias interessantes, o discurso fica raso mesmo. Hoje, no Brasil, as pessoas sentem orgulho disso. Se um discorda, o outro diz que tem direito à liberdade de expressão. Todo mundo vira uma metralhadora giratória dando tiro no próprio pé.

E as redes sociais colaboram para isso.

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A polarização que aconteceu nas eleições não existe dessa forma. No dia a dia, a gente passa por situações em que tem que tomar decisões equilibradas, nem radicais para um lado nem para um outro. Mas aí para falar de política as pessoas se portam ou como Che Guevara ou como Margareth Thatcher.

Mas não é preciso radicalizar para passar uma mensagem, como você fez no clipe de “Boa Eperança”?

Fomos muito cuidadosos na construção do clipe. A ideia é mostrar que existe uma série de camadas de ódio que ficam escondidas por um verniz. É um motim de empregadas, mas poderia ser de pedreiros, cozinheiros ou operários de uma fábrica. Mas as empregadas estão ali porque, para mim, em especial, é um trabalho que tem um vínculo gigantesco com a escravidão. As pessoas pagam o serviço de alguém para limpar a própria casa, mas não é difícil se acharem donas da pessoa. Essa confusão nos aproxima muito de 1888.

Você possui mais liberdade para fazer trabalhos assim por ter um selo independente?

Sim, mas sou um caso à parte no mercado. Temos capacidade de investir e podemos fazer coisas que são importante artística e politicamente. Hoje tenho solidez para fazer até parcerias com grandes gravadoras, como no DVD Criolo & Emicida. Quem diria, 15 anos atrás, que a Universal trabalharia com um selo de uns moleques da favela sem interferir em nada no processo criativo? Lá fora, Jay-Z e Puffy Daddy trabalham da mesma forma, pois assim é possível fazer algo que artísticamente tem um conceito autêntico e pode ser negociado com alguém que tem uma cadeia de distribuição maior.

Você se preocupa em não se tornar mainstream demais?

Na minha cabeça eu sou underground! O que apodrece o mainstream é a sua postura em relação a ele. Você não pode deixar que o mundo paute a sua busca como artista. E a minha busca é fazer justiça a esses 100 anos de música brasileira e mostrar que a maneira como o hip hop se comunica é fruto da diáspora africana. É disso que se trata meu próximo álbum.

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