"A Dilma tirou minha criatividade e minha vontade de desfilar"

Em entrevista, o empresário e estilista, dono da marca Cavalera, explica por que desistiu de apresentar sua coleção na próxima edição da São Paulo Fashion Week, que começa dia 18

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Por Maria Rita Alonso
Atualização:
Alberto Hiar, conhecido como Turco Loco, dono da marca Cavalera Foto: Reprodução/ Facebook

Alberto Hiar sempre foi um ativista na moda. Conhecido como Turco Loco, o ex-deputado estadual nasceu em Heliópolis, cresceu em uma família com oito irmãos e, há vinte anos, assumiu o comando da marca Cavalera. Desde então, além de roupas, ele vende atitude. Faz questão de estar próximo ao universo da música e da cultura urbana e de realizar desfiles que dão o que falar. Já apresentou uma coleção no Rio Tietê, outra no Minhocão e, na última edição da SPFW, em abril, misturou índios do Acre e atores globais num desfile-ritual no meio do Parque Villa Lobos.

'O Governo é muito cafona!'

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Sua atuação política é conhecida no meio - por inúmeras vezes, ele tentou engajar empresários e estilistas na cobrança de incentivos do governo. Sua mais recente forma de protesto foi anunciar que não participaria da semana de moda paulistana por causa da presidente Dilma. "A única pessoa que eu posso culpar é a Dilma, por causa do desgoverno dela, que não tem nenhuma política estabelecida que ofereça condição de planejar uma coleção e apresentar um desfile nesse País", diz Hiar. Veja a seguir trechos da entrevista em que o empresário explica os motivos da decisão. 

Por que a Cavalera desistiu de desfilar na próxima edição da São Paulo Fashion Week? Você declarou que foi uma forma de protesto ao governo da presidente Dilma. É isso mesmo?

Na verdade, o que aconteceu é que eu estava me preparando desde o começo do ano para esse desfile. Viajei pela Ásia inteira e para alguns lugares da Europa buscando matérias-primas, como a gente já vem fazendo há algum tempo. Mas, em função do aumento do dólar, tive que cancelar tudo porque ficaria inviável financeiramente. E isso fez com que eu desanimasse. Tirou minha criatividade e a única pessoa que eu posso culpar é a Dilma, por causa do desgoverno dela, que não tem nenhuma política estabelecida que ofereça condição de planejar uma coleção e apresentar um desfile nesse País. Foi isso que aconteceu, a Dilma tirou minha criatividade e minha vontade de desfilar.

 

Você já tentou inúmeras vezes, ao lado de outros empresários e estilistas do setor, encontrar com a presidente, mas não teve sucesso. O que você diria a ela?

Acho que seria muito importante falar sobre economia criativa e todo o processo de produção que envolve áreas como a moda. Às vezes, não é culpa só da Dilma ou do governo do Estado, mas o que acontece é que fazemos parte de um setor da economia que não é unido, não tem vontade de fazer suas reivindicações. Quando eu era deputado, percebia que na moda cada um só olhava para seu umbigo. Hoje nós passamos por um efeito-cascata tributário muito forte e isso faz com a gente não esteja motivado a desenvolver uma cadeia produtiva, com uma boa oferta têxtil ou com mão-de-obra realmente especializada. Nossa mão-de-obra é muito desqualificada e muito cara e ninguém se preocupa em qualificá-la. Há muitos tributos trabalhistas, um turnover alto, e isso acaba desestimulando o setor e fazendo com que muitos de nós desistam pelo caminho.

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 Você é a favor do impeachment da Dilma?

Sou a favor da Constituição. Se houve um crime, se houve algum erro ou se ela se beneficiou de algum ato de corrupção para alavancar sua campanha, sim sou a favor. Agora o impeachment pelo impeachment, não. Até porque eu não vejo políticos à altura do cargo para governar o País hoje. Acho que o que o Senado e alguns partidos estão fazendo com a Dilma hoje é injusto, no sentido de trocar o impeachment por cargos. Enquanto a gente tiver um Congresso e um Senado que faz o governo de refém, loteando os cargos públicos como foi feito no governo do PT, o Brasil estará definhando. Esse modelo democrático não é verdadeiro.

Democracia para mim prevalece quando a maioria é respeitada. Como um senador com 200 ou 300 mil votos representa a mesma coisa que um senador com 4 milhões de votos? Isso não é democracia para mim. Desse jeito o que prevalece é a troca de favores. Pode ser PT, PSDB ou qualquer outro partido. Agora, de fato, o modelo econômico que o PT estabeleceu para o país se desgastou. Acho que a Dilma não tem competência para governar o Brasil, mas também não acho que o Aécio tenha. Não gosto do estilo Aécio de governar, é um estilo um pouco playboy.  Na última semana de desfiles da São Paulo Fashion Week, você apresentou uma coleção inspirada em uma tribo do Acre, trouxe índios para o desfile e fez um show bem comentado. Como vendeu essa coleção? Financeiramente, como foi o semestre para a Cavalera?

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Foi bom. No varejo, estamos igual ao ano passado. Descontada a inflação, a gente cai 5%. No atacado, estamos crescendo e procurando ser agressivos. Acho que um dos fatores para o crescimento foi inclusive a questão de ter conseguido matérias-primas diferenciadas para a confecção de nossos produtos. O desfile acabou mexendo com as pessoas, que ficaram interessadas na questão não só dos índios, mas também da espiritualidade que trouxemos para a passarela. Nosso tema foi uma tribo muito bacana, chamada Yawanawá, que fica quase isolada em uma região do Acre, na qual se leva 24 horas para chegar. É uma tribo que tem uma cultura e uns cânticos muito lindos.

As nossas lojas, apesar de não apresentarem crescimento em vendas, estão muito lindas, com produtos realmente diferenciados. Agora, eu tive que trabalhar o dobro para conseguir os mesmos resultados e, infelizmente, tivemos que mandar muita gente embora e enxugar bem o quadro de colaboradores. Isso nos entristece, mas foi necessário para que a gente pudesse manter nossas contas e continuar vivo nesse marcado competitivo. A Cavalera é uma empresa de negócios da moda focada em uma gestão competente, sem perder o foco na criatividade e na inovação. É isso que me move e me faz acreditar em meu trabalho.

 Você já disse que o governo é cafona porque não entende nada de moda e nem dos problemas do setor. Na ocasião, você se referia à questão da carga tributária e citava o fato de que no passado a matéria-prima representava 70 % do preço da roupa e os serviços respondiam por 30%. E hoje é exatamente o contrário.

É bem isso. A questão do imposto tem um efeito acumulativo, pelo preço que a matéria-prima entra e pelo preço que o produto pronto sai. Essa diferença é taxada para os empresários e, evidentemente, se você tem criação, inovação e valor agregado embutidos nesse preço, você acaba pagando mais impostos por isso. Para mim, é um erro do governo sobretaxar a economia criativa. É um absurdo! Isso, inclusive, faz com que várias empresas do nosso setor acabem sonegando impostos. Olha o caso da Cavalera, que tem por volta de 20 estilistas na equipe. O custo desses estilistas acaba embutido no preço da mercadoria, porque temos um produto autoral. Por isso, eu digo: o governo é muito cafona!

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E não é só o governo Dilma, os governos estaduais também, porque você não tem, por exemplo, um centro de referência da moda no Brasil. Na Argentina tem, em vários outros países do mundo, tem. No Brasil não tem. Ou seja, os governos e governantes estão pouco se lixando para esse segmento tão importante. Por exemplo, a segunda pessoa mais rica do mundo é o dono da Zara. Se a gente tivesse menos tributos ou mais incentivos, com certeza, o Brasil hoje seria um grande exportador de moda. Só que não exportamos nada, só commodities, só matéria-prima, então quando a gente fala de um PIB que cresceu, é sobre uma economia extrativista, não uma economia de produção ou economia criativa. É uma pena. Estamos fadados a viver como a China antiga que até 30 anos atrás tinha como principal produto de exportação o arroz. Hoje, a China é uma grande potência mundial. E o Brasil não sai do lugar.

Você não gosta do estilo playboy do Aécio e também não gosta do jeito Dilma de governar. Como seria um governante justo para a moda e para o Brasil hoje?

Ele tem que ser austero, tem que ser um estadista, mas tem que ser contemporâneo. Tem que olhar para todos os setores, seja ele agropecuário, seja o industrial, o agrícola, o da moda, o produtivo. Precisa entender as necessidades de cada um e trabalhar para que o País seja competitivo em relação ao mundo. Ele não pode se curvar às pressões do Congresso, que são pressões com base na troca de favores. Mas que seja um governo que procure trabalhar como uma empresa que vem dando certo. Na hora de economizar tem que economizar e sacrificar e na hora de investir tem que saber investir certo e ter prioridades. Este, por exemplo, seria um momento de cortes em relação às despesas do Brasil. Acho que é isso, tem que ser um governante com o pulso firme.