A Arábia Saudita está pronta para uma semana de moda?

Dias antes de sua estreia, a primeira temporada de desfiles de um dos países mais conservadores do mundo foi adiada

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Por Elizabeth Paton
Atualização:
Desfile da estilista Anniesa Hasibuan Foto: REUTERS/Beawiharta

Passagens de avião de classe executiva e quartos de hotéis cinco estrelas foram reservados para uma quantia razoável de convidados. O deslumbrante e ecologicamente correto Apex Center em Riad, desenhado pela arquiteta Zaha Hadid, foi escolhido como sede. Um calendário de quatro dias, que incluía designers árabes e também marcas européias, como Roberto Cavalli e Jean-Paul Gaultier, foi confirmado há semanas.  Então, na sexta, 23, apenas três dias antes do baile de gala que iria celebrar o início da primeira semana de moda da Arábia Saudita, o evento foi abruptamente adiado.  Algumas pessoas envolvidas atribuem o acontecido a falta de vistos para modelos e jornalistas ocidentais que iriam trabalhar no evento. Outras cochicharam nos bastidores sobre a reação dos membros mais conservadores do governo saudita, que criticaram a família real por apoiar desfiles de moda em um dos países mais conservadores do mundo.  De qualquer forma, nenhuma explicação veio no dias que se seguiram. Na segunda, 26, um comunicado chegou à imprensa por email.  "Desde o anúncio inicial, em fevereiro, pessoas importantes de todo o mundo demonstraram interesse em comparecer na Arab Fashion Week Riyadh", escreveu Layla Issa Abuzaid, diretora do Conselho de Moda Árabe, organização de Dubai responsável pelo evento. "Dado este momento histórico para o reino, o Conselho de Moda Árabe e as marcas participantes tomaram medidas para adiar o evento a fim de receber todos os interessados - o que só poderia ser feito com mais tempo."  Segundo o texto, o evento foi remarcado para ocorrer entre os dias 10 e 15 de abril no Ritz Carlton, também em Riad. A agenda de desfiles continua a mesma.  "A decisão de adiar a semana de moda foi simplesmente para que consigamos acomodar todos os convidados internacionais que confirmaram presença", explica Jacob Abrian, diretor executivo do Conselho de Moda Árabe. "Estamos extremamente gratos pela confiança e pelo apoio que recebemos para fazer isto acontecer."  Embora ninguém nunca tenha dito que organizar uma semana de moda seja fácil (é só perguntar para os responsáveis pelo calendário com centenas de desfiles em Nova York, Londres, Paris e Milão), o adiamento de um evento com essas proporções - e sob olhares atentos da mídia - levanta muitas questões e mostra que há mais coisa em jogo do que simplesmente criar uma nova capital da moda.  O plano luxuoso e de alto-risco da primeira semana de moda árabe, impensável há dois anos, chega em um tempo de aparente reforma no país, que está sendo liderada pelo Príncipe Mohammed bin Salman, o verdadeiro comandante do reino.  Inspirada no sucesso (e nos erros) de seus vizinhos menores do Golfo, como Dubai, a Arábia Saudita está tentando se tornar independente das receitas do petróleo e do gás se posicionando como um local dinâmico de negócios, hospitalidade e lazer - isso em uma das sociedades mais restritivas do mundo para mulheres.  As autoridades sauditas estão se esforçando bastante para garantir que sejam cumpridas as promessas de Salman de permitir que as mulheres dirijam e desempenhem um papel maior na força de trabalho do país, como também de aumentar as opções de entretenimento e incentivar o investimento estrangeiro. Segundo eles, a mudança está no ar. 

A semana de moda de Riad, que terá desfiles voltados para o público feminino, virá em um momento em que as mulheres estão tendo mais acesso às artes e ao entretenimento em geral. Em janeiro, elas puderam entrar pela primeira vez em um estádio de futebol. A proibição de ir ao cinema, que durou décadas, foi suspensa em dezembro.  Agora, o Conselho de Moda Árabe, que abriu seu escritório regional em Riad em dezembro, planeja transformar a Arábia Saudita em um local para a indústria de moda emergente, colocando a Princesa Noura Bint Faisal al-Saud como sua presidente honorária. A associação fornece suporte para estabelecer uma infraestrutura sustentável para todo o mercado de moda do oriente médio e dos 22 países da Liga Árabe.  "A primeira Arab Fashion Week Riyadh será mais do que um evento mundial", declarou Issa Abuzaid quando o projeto foi anunciado. "É um catalisador que transformará a moda moda em líder dos outros setores econômicos como turismo, hospedagem e comércio. Nosso setor de vendas é o que tem o crescimento mais rápido em todo o mundo." Com duas semanas até começar o evento, o adiamento e a falta de informação sobre ele continuam a deixá-lo com uma aura de mistério.  Dito isso, os desfiles em Riad irão ocorrer em um momento em que as mais conservadoras regras religiosas da Arábia Saudita, que restringem as vestes das mulheres fora de suas casas, estão mostrando sinais de relaxamento. Em uma entrevista ao programa 60 minutos da CBS, Salman disse que as mulheres devem poder escolher o que usar. "As leis são claras e estipuladas segundo as leis da Sharia (lei islâmica): mulheres devem usar roupas decentes e respeitosas assim como os homens", disse.  "No entanto, isso não especifica uma abaya ou um lenço de cabeça pretos", continuou. "A decisão é inteiramente das mulheres, que escolhem o tipo de roupas decentes e respeitosas que querem usar." Veremos se esta nova tendência desfilará pelas passarelas de Riade e pelas ruas de todo o país. 

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