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USP cria técnica para coagulante transgênico

Estudo pode ajudar o Brasil a ser auto-suficiente na produção do fator 8, usado no tratamento de hemofilia

Por Emilio Sant'Anna
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Uma pesquisa do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) pode tornar o Brasil auto-suficiente na produção do fator 8, um hemoderivado para o tratamento da hemofilia A, o tipo mais grave da doença. O produto é um coagulante obtido a partir do plasma humano e utilizado para conter os casos de hemorragia desses pacientes. Normalmente, o fator 8 é produzido no fígado humano. No caso dos hemofílicos, no entanto, esse processo é falho. A única alternativa, em uma situação de emergência, é a aplicação do hemoderivado. Hoje, o País importa 240 milhões de unidades por ano do coagulante. Na última compra, o Ministério da Saúde pagou cerca de R$ 322 milhões por 140 milhões de unidades do produto. No entanto, as reclamações de desabastecimento são freqüentes. "Nos meus 57 anos de hemofilia, não me lembro de uma fase tão ruim como a que estamos vivendo hoje", afirma o vice-presidente da Federação Brasileira de Hemofilia (FBH), Gilson da Silva. Como a matéria-prima do coagulante é escassa no mercado mundial, os pesquisadores investem em outras formas de desenvolvimento do fator 8. A pesquisa da USP, desenvolvida no Núcleo de Terapia Celular e Molecular (Nucel), desde 2002 , segue esse caminho. O produto, chamado de fator 8 recombinante, é obtido de células transgênicas de hamster (um tipo de roedor). Uma seqüencia de DNA, responsável pela codificação do fator de coagulação, é retirada do fígado humano, isolada e introduzida em células de ovário de hamster mantidas em cultura. Com a introdução da seqüencia genética, as células do ovário passam a secretar o fator 8. Após essa fase, o produto obtido passa por um processo de purificação, e pode ser utilizado em pacientes hemofílicos. "O problema no Brasil é a produção de matéria-prima, e nossa pesquisa chegou a um ponto em que é compatível com uma escala de produção sem precisar recorrer ao plasma humano", diz a bióloga Mari Cleide Sogayar, coordenadora da pesquisa. Agora, os pesquisadores do Nucel procuram uma empresa interessada em produzir o fator 8 recombinante em escala industrial. A estimativa é que, em dois anos, essa fase esteja concluída. Um laboratório já manifestou interesse, mas o acordo ainda não foi fechado. FINANCIAMENTO Durante seis anos, o governo federal manteve um rede de pesquisas em hemoderivados com recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Além da pesquisa do Nucel, a USP de Ribeirão Preto e a Universidade de Brasília (UnB) faziam parte dessa rede, que foi desfeita em 2007. A bióloga do Nucel esperava outro desfecho para a pesquisa. Ela acredita que a Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás), que será construída em Pernambuco, poderia utilizar os processos desenvolvidos pela rede de pesquisadores para a fabricação do coagulante. "Esperávamos que o governo federal mantivesse essa rede e o resultado fosse apresentado para a Hemobrás ou outra empresa particular", diz. Hoje, a maior parte do financiamento vem da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). "Se tivermos apoio vamos melhorar ainda mais o produto", completa a pesquisadora. A estatal, no entanto, já tem um projeto para a produção do fator 8 recombinante desenvolvido na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Com financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), R$7,2 milhões serão investidos no projeto. A Hemobrás investirá outros 700 mil. De acordo com a assessoria de imprensa da estatal, o projeto da UFRJ foi escolhido por ser o único que não tinha financiamento de órgãos de fomento à pesquisa. HEMORRAGIAS O fator 8 recombinante deve diminuir um pouco as dificuldades dos cerca de 7 mil pacientes hemofílicos no Brasil - assim que estiver acessível. Os sangramentos são freqüentes na vida dessas pessoas. Nas articulações de mãos, braços e pernas, os ferimentos surgem naturalmente, sem causa externa. Além disso, os sangramentos internos também são comuns. "Antigamente, cada hemofílico tinha direito a 30 mil unidades por ano do coagulante", diz o vice-presidente da FBH. "Agora, o medicamento é muito difícil de ser encontrado."

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