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Unesp teve doutorado sem aval do MEC

Por mais de 10 anos, pós em Direito titulou 22 pessoas, mas não é válida

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Por Renata Cafardo
Atualização:

A Universidade Estadual Paulista (Unesp) manteve por mais de dez anos um doutorado em Direito, na unidade de Franca, que nunca foi reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC). Durante o período, 22 alunos foram titulados como doutores - entre eles juízes, promotores, desembargadores - sem que o diploma tivesse validade nacional. Mais da metade deles assumiu altos cargos e dá aulas atualmente na Unesp. O fato de os diplomas desses professores não serem reconhecidos foi também uma das justificativas para rebaixar a nota do mestrado da instituição. Em abril deste ano, a Unesp entrou com pedido no Conselho Nacional de Educação (CNE) para tentar validar os títulos de doutores, mas ainda não houve resposta (mais informações nesta página). O curso foi criado em 1991, quando a legislação dava autonomia às instituições para iniciar pós-graduação stricto sensu. Após dois anos, era preciso pedir o credenciamento no então Conselho Federal de Educação. O primeiro registro oficial de tentativa de aprovação do curso, no entanto, foi em 1999. Depois disso, houve mais quatro pedidos frustrados da Unesp - em 2000, 2004 e 2005 - para fazer parte do grupo de cursos recomendados e reconhecidos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão do MEC responsável pela pós-graduação no País. "Ele (doutorado da Unesp) nunca foi incorporado ao sistema porque, oficialmente, não teve mérito ", diz Maria Auxiliadora Nicolato, assessora técnica da Capes/MEC. A avaliação leva em conta a formação e a publicação do corpo docente, carga horária, teses. Mesmo assim, o doutorado só deixou de receber novos alunos em 2001 por determinação do atual reitor, Marcos Macari, que, na época, era pró-reitor de pós-graduação da instituição. A última tese foi defendida em 2005. Entre os ex-alunos há 12 atuais professores da Unesp de Franca. Todos têm benefícios exclusivos a doutores: salário pelo menos um terço superior, orientação de mestrandos e doutorandos, participações em bancas. Alguns chegaram a livre docentes, posição recebida por meio de concurso para o qual só podem se candidatar doutores. É o caso do ex-diretor da unidade de Franca e juiz aposentado, Luiz Antonio Soares Hentz. "Os títulos valem dentro da Unesp, é um doutorado interna corporis", diz, usando a expressão latina que significa "interno à corporação". "Se o professor quiser seguir carreira em outra instituição, não vai conseguir." Segundo ele, que também foi professor do doutorado em que se titulou em 1995, o curso nunca atingiu os requisitos mínimos porque não houve investimento da reitoria da Unesp. "Na área do Direito, os professores não vivem na universidade, não são só acadêmicos", explica. Para Hentz, a reitoria poderia ter contratado pessoas para estruturar melhor o curso, com documentação correta e atenção aos critérios, de forma a ser aprovado pela Capes. Segundo a pró-reitora de pós-graduação, Marilza Vieira Cunha Rudge, os professores da unidade de Franca nunca aceitaram as propostas para resolver o problema do doutorado oferecidas pela reitoria. "Há que se considerar que a origem de todo esse problema é mais antiga: a falta de encaminhamento, por parte da Faculdade de História, Direito e Serviço Social da Unesp, de documentação para a reitoria e desta para o MEC", informou Marilza, por e-mail. De acordo com ela, a Unesp tentou encaminhar esses professores para que fizessem um outro doutorado em um curso reconhecido, mas eles se recusaram. O problema refletiu-se também na última avaliação da Capes do mestrado em Direito da Unesp - que é um curso reconhecido. Ao apreciar o corpo docente do curso, a comissão avaliadora escreveu: "O programa mantém sua decisão de manter nas atividades de mestrado (...) três doutores titulados pela própria instituição, cujo pretenso doutorado jamais foi autorizado pela Capes." E, na justificativa do conceito 3 (regular), mínimo aceitável para não perder o reconhecimento, reitera: "É uma das conseqüências da permanência de docentes sem titulação de doutorado". "O título é conseqüência e serve só para quem quer seguir carreira acadêmica", diz o oficial de registro de imóveis e ex-aluno do doutorado Sérgio Jacobino. Ele foi o último a receber o título, em 2005, e não deu aula na instituição. Jacobino diz que não se lembra de ter sido informado que seu diploma não seria válido, e faz elogio ao curso. "Aprendi bastante, conheci pessoas interessantes que me ajudaram a produzir artigos."

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