Uma curiosa troca de favores entre pulgões, bactérias e vírus

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Por Fernando Reinach
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Os agricultores têm razões para não gostar dos pulgões. A maioria deles vive camuflada sob as folhas, sugando a seiva por um poderoso sifão. É assim que vive o Acyrthosiphon pisium, um pulgão que infesta as plantações de ervilha. Muito antes de ser combatido pelos agricultores, o Acyrthosiphon já enfrentava seu inimigo natural, a vespa Aphidius ervi. Essa vespa, duas vezes maior que o pulgão, imobiliza a vítima, e quando você imagina que ela vai picar o pulgão e sugar o bichinho até deixar ele seco, ela dobra o abdome para a frente e, por entre as patas, usa seu ovopositor, um apêndice que parece uma seringa, para depositar no interior do pulgão um ovo fecundado. Após a injeção, ela liberta o bichinho. Mal sabe o pulgão que horas depois esse ovo vai eclodir e a larva da vespa vai se desenvolver no seu interior, comendo o bichinho por dentro. Gorda e bem alimentada, a larva da vespa acaba por matar o pulgão, emergindo do seu cadáver.Mas se você imagina que os pulgões são vítimas indefesas da vespas, incapazes de uma reação, você está subestimando o poder da seleção natural. Ao longo de milhares de anos, os pulgões desenvolveram uma aliança bélico-estratégica com uma bactéria chamada Hamiltonella defensa. Essa bactéria vive no interior do pulgão e, ao longo da evolução, criou uma relação extremamente íntima com seu hospedeiro. A intimidade é tanta que o pulgão permite que a bactéria participe de seu ato sexual. Quando o espermatozoide de um pulgão se funde a um óvulo de um pulgão fêmea, a bactéria Hamiltonella está presente e espertamente infecta imediatamente o ovo a partir do qual vai se desenvolver o pulgão filho. O filho pulgão já nasce com a bactéria no seu interior. Dessa maneira, a Hamiltonella se perpetua no interior dos pulgões.É fácil entender como a bactéria se beneficia de sua relação com o pulgão, mas que vantagem leva o pulgão em abrigar no seu interior a bactéria? Simples: a Hamiltonella é capaz de matar as larvas da vespa parasita. A taxa de sobrevivência dos ovos da vespa no interior de pulgões que possuem a bactéria Hamiltonella é de somente 10%. Mas, se você criar pulgões livres da bactéria, 85% dos pulgões infectados são mortos pelas larvas da vespa. O acordo entre o pulgão e a bactéria é o seguinte: eu te alimento, mas em troca você mata as larvas de vespa assim que elas forem injetadas dentro de mim.Agora foi descoberto que esse acordo envolve mais um ser vivo, um vírus que vive no interior da Hamiltonella. Os cientistas descobriram que a Hamiltonella mata as larvas da vespa utilizando uma toxina muito poderosa. O problema é que eles também descobriram que o gene para a produção dessa toxina não está no genoma da bactéria, mas sim no genoma de um vírus que vive no interior da Hamiltonella. Quando trataram as bactérias e removeram o vírus, descobriram que sem ele a bactéria não é capaz de matar as larvas de vespa. Mas basta infectar de novo as Hamiltonellas com o vírus para se tornarem eficazes matadores de vespas. A conclusão é que a bactéria tolera a presença do vírus no seu interior, pois ele permite que a bactéria se torne letal para as larvas de vespas. Sendo letal para as larvas de vespas, a presença da bactéria no interior dos pulgões também é tolerada. E assim os três organismos, o vírus, a bactéria e os pulgões, colaboram no combate às larvas de vespa. Ganha o pulgão, que fica protegido das vespas; ganha a bactéria, que possui um lar dentro do pulgão; e ganha o vírus, que possui um lar dentro da bactéria. É um belo exemplo de um tipo de simbiose que os biólogos chamam de mutualismo. *fernando@reinach.comBiólogoMais informações: Bacteriophages encode factors required for protection in a symbiotic mutualism. Science, vol. 325

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