Uma aposta feminina

Aumenta o número de mulheres nas franquias, segmento que já bateu recorde de faturamento e promete crescer mais

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Por Ciça Vallerio
Atualização:

Cada vez mais mulheres investem em franquias, seja pela facilidade de se associar a uma marca consolidada, minimizando os riscos, ou pela rapidez de implantação do negócio. A participação feminina (entre 30% e 35%) ainda é menor do que a masculina, mas, nos últimos quatro anos, houve um crescimento de 20% nesse porcentual, de acordo com dados da Sociedade Brasileira de Franchising (ABF). O sistema de franquias bateu recorde de faturamento no ano passado, com R$ 46 bilhões - aumento de 15,6% em relação a 2006. Estima-se que, em 2008, os números subam ainda mais, alcançando um crescimento em torno de 8% a 9%. Histórias de mulheres que mudaram suas vidas com esse tipo de investimento não faltam. Por trás do sucesso, no entanto, há muito trabalho e dedicação. Ou seja, não basta esperar sentada o dinheiro brotar. Elizabeth Moreira, de 52 anos, teve até de sair pelas ruas, distribuindo panfletos, quando abriu uma franquia da escola Seven Idiomas. "Conhecer o bairro é muito importante, assim como freqüentar academias, cabeleireiros, escolas de música, colégios, etc., para conversar com as pessoas e oferecer o serviço", aconselha Elizabeth. A trabalheira toda rendeu frutos. Ela e sua sócia Cristiane Harumi, de 41 anos, fizeram o negócio prosperar. Agora são donas de uma escola na Vila Mariana, com 400 alunos, e outra na Vila Leopoldina, inaugurada no fim do ano passado, com 150 alunos. Para quem deseja abrir uma franquia, a identificação com o tipo de negócio é a primeira recomendação da ABF e de consultores de franchising, como Marcus Rizzo. "Não basta apenas gostar de comer pizza, mas também de prepará-la, colocar a mão na massa literalmente", observa. "O importante é se interessar tanto pelo produto como pela operação do negócio." Muita gente, porém, esquece de levar em conta o que está atrás do balcão. No caso da pizza, para se ter uma idéia, o futuro franqueado deve ficar atento à rotina que vai encarar, como levantar cedo para comprar ingredientes, coordenar funcionários e gerenciar toda a parte burocrática. As sócias Elizabeth e Cristiane, por exemplo, davam aulas de inglês na própria escola de idiomas. Quando surgiu a oportunidade de terem seu próprio negócio, não hesitaram em apostar no ramo de que gostavam: educação. "Como fomos professoras e coordenadoras, nos apaixonamos pelo método e seriedade do ensino, além do cuidado com a capacitação profissional", lembra Cristiane. Sobre os dividendos, contam que, hoje, conseguem tirar um pouco mais do que ganhavam como contratadas. O resto vai para um fundo de poupança. Foi economizando que ambas conseguiram abrir a segunda franquia, sem financiamento de banco. De acordo com dados da Rizzo Franchise - empresa que realiza pesquisas sobre mercado de varejo e franquias de todo o Brasil -, numa mostra de 200 donos de empresas que vendem franquias, 73% acham que as mulheres possuem padrão operacional 45% maior do que o dos homens. Traduzindo, a ala feminina consegue manter com maior fidelidade os padrões estabelecidos nos manuais das marcas, relacionados à apresentação do ponto, produto, gestão e atendimento da freguesia. Por levarem mais à risca as regras, elas faturam 30% mais do que os homens. COMPETÊNCIAS FEMININAS Para o consultor Marcus Rizzo, duas boas razões justificam o melhor desempenho feminino. Primeiro, elas são menos arrogantes: enquanto dizem "eu quero saber" e estão mais dispostas a acertar, eles falam "eu já sei". Segundo, são menos autoritárias, por isso, têm maior facilidade para formar equipes e lidar com pessoas. O diretor executivo da ABF, Ricardo Camargo, só faz elogios. "Embora exista aquela idéia negativa de que mulher não sabe fazer conta, a realidade é outra", diz. "Hoje, elas assumem todo o gerenciamento, incluindo a contabilidade, e se destacam também por serem mais dedicadas ao negócio, observadoras de detalhes e por receberem sempre os clientes com sorriso no rosto. No comércio, esses diferenciais fazem toda a diferença." Não basta, porém, ter tantas qualidades se a escolha do produto e marca não for consciente e racional. Heide Zamboni, de 66 anos, caiu em uma fria quando apostou todas as suas economias em uma "malfadada" - como costuma dizer, mas sem revelar o nome - franquia de agência de turismo. "Sonhava em trabalhar com a minha paixão, que é viajar", lembra a empresária. "Como executiva de uma grande empresa de cosmético, pude conhecer muitos lugares do mundo. Acabei optando pela praticidade de uma franquia. O problema foi confiar demais na pessoa, sem avaliar bem o contrato, checar a idoneidade da empresa e consultar a ABF. Por isso, tive de agüentar três anos até vencer o contrato. Só depois disso que me desfiz do engodo." Nesse período, Heide enfrentou, entre muitas dificuldades, as falcatruas da franqueadora, que não repassava comissão, omitia informação, ameaçava, entre outros golpes. Como ela, muitos colegas dessa mesma franquia perderam dinheiro e alguns estão até hoje brigando na Justiça pelo ressarcimento do que aplicaram no negócio. Em vez de ter chorado pelo mau investimento, Heide encarou tudo como uma oportunidade de aprendizado. Fez das tripas o coração para conseguir tocar a franquia, sem prejudicar clientes. Depois que conseguiu se livrar do "engodo", Heide deu a volta por cima. Em 2001, abriu sua própria agência de turismo, a Pax Voyage, e muitos de seus colegas franqueados tornaram-se os seus novos investidores. Hoje, a marca conta com 51 unidades espalhadas pelo Brasil e tem como sócia sua filha Márcia. Até junho, inaugura uma franquia na cidade de Osaka, no Japão, e outra em Roma, Itália. No final deste mês, Heide receberá em São Paulo o Troféu Marketing & Negócios Internacional, promovido pela Associação dos Empresários do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mercosul, na categoria Destaque Empresarial do Ano. É a redenção da empresária que, depois do sufoco, se filiou à ABF. EMOÇÃO X RAZÃO O caso de Heide ilustra o principal problema apontado por Ana Vecchi, diretora da Vecchi & Ancona, consultoria em estratégia e gestão, com foco no sistema de franchising: escolher o negócio em um momento emocional crítico. "Atendo várias pessoas no meu escritório que, por estarem passando por alguma situação difícil, querem depositar todas as esperanças de mudança de vida em uma franquia", fala Ana, palestrante da ABF e co-autora do livro A Nova Era do Franchising. "Dessa forma, escolhem mal a empresa, não avaliam minuciosamente a papelada e imaginam que o negócio será a galinha dos ovos de ouro. Mas, hoje, as margens de rentabilidade diminuíram e, infelizmente, há empresas antiéticas." Existem várias maneiras de evitar armadilhas. Desconfie, por exemplo, de quem facilita muito o ingresso de um novo franqueado. Atualmente, empresas mais sérias submetem o candidato a um processo de seleção rígido, no qual se avalia interesse, expectativa, experiência profissional, etc. Também é importante entrar em contato com franqueados da rede. Ana diz que esse é outro caminho eficaz, pois donos de unidades não se negam a falar bem, se estão satisfeitos, ou criticar, se estão descontentes. Por isso, a dica é ficar com o pé atrás quando há dificuldade de contatar franqueados. "O essencial é ser criterioso e menos impulsivo", ressalta a especialista. "Hoje não há desculpas, pois existem cursos, profissionais especializados e muito material informativo disponível." Atenção também para os "falsos consultores", que na verdade são corretores. A diferença é clara. O consultor é pago apenas para orientar e avaliar a documentação. Já o corretor, travestido de consultor, está preocupado com a sua comissão e oferece uma cartela de marcas - as que mais lhe convém, claro. NOVAS CANDIDATAS O perfil de mulheres que apostam nesse setor está mudando. Antes, muitas delas eram donas de casa, cujos maridos lhes ofereciam uma franquia como uma forma de ocupação após os filhos terem sido criados. Agora, muitas são empreendedoras, que abandonam cargos de prestígio em grandes empresas para ter mais flexibilidade de horários e ficar mais perto da prole. Os ramos preferidos também estão mudando. Beleza, saúde e moda são ainda os campeões femininos, mas há quem já esteja avançando em áreas consideradas "masculinas". Aparecida Ribeiro, de 47 anos, apostou na franquia de uma oficina mecânica de carros, chamada Oficina Brasil. Começou sua jornada administrando a loja, que estava quase às moscas. Com seu tino feminino, Cidinha, como é conhecida, recuperou a freguesia e os rendimentos. Até que o dono quis lhe vender a unidade. "É um trabalho duro, a oficina fica aberta todos os dias, mas assumi o desafio." Seu jeitinho ajudou a alavancar o negócio. Com delicadeza, costuma mostrar para o freguês a necessidade da troca de uma peça, cativando sua confiança. "Muita gente, que já teve experiência ruim com mecânico, acha que estamos empurrando um produto", fala Cidinha. "Por isso dou total liberdade para que façam outras consultas e orçamentos." Além da preocupação com o atendimento, a empresária conseguiu bons resultados colocando mulheres para cuidar do estoque de peças - pois são mais organizadas. Se está valendo a pena? "É uma luta", diz. Com o que ganha, paga as prestações da compra do negócio e sustenta a família junto com o marido."Por enquanto, conseguimos pagar as contas, o que já é muito bom."

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