Um estrelato feito de paradoxo, do menino ao homem

Como astro infantil, ele era precoce; como adulto, não saiu do pueril

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Por Jon Pareles
Atualização:

Qual Michael Jackson será lembrado daqui para frente? O artista insuperável, o homem de música talentoso e enérgico que manejou ritmo, melodia, textura e imagem para criar e promover o álbum mais vendido de todos os tempos, Thriller? Ou a figura bizarra que ele se tornou após fracassar em sua ambição declarada de superar as vendas de Thriller, e depois que a fantasia fulgurante cedeu lugar a revelações de tabloides, respostas amargas e o longo silêncio público que ele estava programado para quebrar, em Londres, no próximo mês? No fim das contas, o superastro e o recluso não estavam assim tão distantes. Michael Jackson construiu seu estrelato sobre um claro paradoxo. Como astro infantil, ele era precoce; como adulto, era pueril. Seu único concorrente era ele mesmo. Dentro da agitação de suas canções, ele cantava sobre medos e incertezas com aquela voz aguda, vulnerável: fugindo de monstros em Thriller, desejando que poderia simplesmente Beat It (cair fora) quando os problemas começassem. Ele foi um paradoxo racial também: um afro-americano cujo público nunca foi segregado, mas cujas feições foram se tornando mais caucasianas e cuja pele embranqueceu ao longo de sua carreira, com um efeito desconcertante. Todas as habilidades de Jackson no show business - as que ele aprendeu com educação ocasionalmente brutal de seu pai e depois dentro da linha de montagem de sucessos da Motown Records - foram a um só tempo uma maneira de agradar ao público mais amplo possível e de se proteger dele mesmo, exceto, claro, no espetáculo de sua própria vida. FILOSOFIA Ninguém jamais negou seu talento. Sua voz saltava do rádio em canções dos Jackson 5 como I Want You Back, mesmo para os que não o viam dançar na televisão. Ele internalizou a filosofia da gravadora Motown de fazer música para um público amplo - não apenas um público negro ou branco quando o pop foi ficando cada vez mais segmentado nos anos 70 - e quando assumiu sua própria carreira, com Off the Wall, em 1979, ele aplicou essa filosofia aos sons mais novos que conseguiu encontrar, dentro e fora de discotecas. Ofereceu alguma coisa a todos em Thriller, que deve ter sido o álbum de maior mudança estratégica até hoje, em todos os tempos: um dueto com um Beatle em The Girl Is Mine, ritmos eletrônicos vertiginosos em Wanna Be Startin? Somethin?, guitarra de rock em Beat It. Seu estrelato consolidado ajudou a pôr uma face afro-americana na MTV, quebrando o que parecia uma linha divisória de cor, no que foi um passo enormemente benéfico para ambos. Jackson não era apenas um especialista em show business à moda antiga, capaz de dançar e cantar no palco ao vivo; ele também estava mais que preparado para a era do vídeo musical, transformando suas canções em videoclipes elaborados e inovadores, que combinavam a produção dos velhos musicais de Hollywood com pepitas próprias para a linguagem da televisão. VÍTIMA Ele era equilibrado, bonito, confiante, astuto - e, no entanto, dentro daquela casa musical reluzente, vulnerável, a vítima de uma ação de paternidade em Billie Jean, fugindo de monstros em Thriller. O recordista Thriller foi o triunfo e o fardo de Michael Jackson. Ele teve as vendas, o Prêmio Grammy, as plateias gritando em cada país onde se apresentava - e isso, definitivamente, não é pouco. Mas passaria o resto de sua carreira tentando repetir a experiência colocando muitas das mesmas manobras em sua música: outro dueto, outra guitarra de rock, outra faixa de dança frenética. Jackson nunca parou de ser cativante, mas por trás do brilho algumas de suas canções se tornaram mais sombrias e estranhas, como Smooth Criminal, com suas intimações à violência, no álbum Bad de 1987. Jackson se cansou; seus álbuns saíam com distâncias de quatro, cinco, seis anos. As canções foram ficando cada vez mais divididas entre mensagens benévolas como Heal the World e rancorosas como Why You Wanna Trip on Me, em seu álbum Dangerous de 1991. No álbum HIStory de 1995 - que começou como uma coletânea de grandes sucessos, mas incluiu um segundo de canções novas - a fúria de Michael Jackson extravasou em novas canções como They Don?t Care About Us e Tabloid Junkie. ÁLBUM FINAL A doçura subjacente que havia tornado Michael Jackson benquisto, mesmo em seus momentos mais aberrantes, havia coagulado e ele não conseguiria ressuscitá-la para seu álbum final, Invincible, em 2001. Todas as peças que ele havia montado, todos os paradoxos que fora capaz de resolver com pura musicalidade, começaram então a se desfazer. Ele estava trabalhando num espetáculo de estádio para nada menos do que 50 shows em Londres no próximo mês, e jamais saberemos se toda sua habilidade e capacidade de empolgar o público lhe teriam proporcionado um novo começo. TRADUÇÃO DE CELSO MAURO PACIORNIK CARREIRA: PRINCIPAIS MOMENTOS Anos 60: aos 5 anos, Michael Jackson começa a se apresentar com quatro de seus irmãos mais velhos no conjunto The Jackson Brothers. Em 1968, rebatizado de The Jackson 5, o grupo é contratado pela Motown. No ano seguinte, lançam o primeiro disco, Diana Ross Presents the Jackson 5. Anos 70: 1970 marca o estouro do grupo, com quatro músicas em primeiro lugar: I Want You Back, ABC, The Love You Save e I''ll Be There, todas com Michael, aos 10 anos, como principal vocalista. A banda ganha uma série de desenhos animados na TV. Em 1971, Michael inicia carreira solo, lançando sucessos como Got to Be There e Ben. Em 1978, ele estreia como ator no filme O Mágico Inesquecível, de Sidney Lumet. Em 1979, lança Off the Wall, que pôs quatro músicas no primeiro lugar e vendeu 7 milhões de cópias. Anos 80: Em 1982, lança Thriller, que se torna o disco mais vendido de todos os tempos. O clipe para a música título faz história e ajuda a catapultar a nascente MTV. Das nove músicas do disco, sete alcançam o top 10. O álbum também ganha oito Grammys. Em 1987, seu disco seguinte, Bad, vende 8 milhões de cópias e põe cinco músicas no primeiro lugar. Anos 90: Em 1991, renova contrato com sua gravadora por US$ 65 milhões, valor recorde à época. Lança Dangerous, que gera outro clipe que marca época: Black or White. Em 1995, lança HIStory - Past, Present and Future, Book I, disco duplo que traz uma coletânea e faixas inéditas. Vende mais de 20 milhões de cópias no mundo todo, um recorde para discos duplos, mas não recebe prêmios. A música de trabalho, Scream, traz um dueto com a irmã Janet e uma letra que reclama do forte assédio da mídia. Em 1997, lança Blood on the Dance Floor: HIStory in the Mix, disco de remixes com cinco faixas inéditas. Em 1999, faz shows beneficentes com artistas como Luciano Pavarotti em prol de entidades como Cruz Vermelha e Unesco. Anos 2000: Em 2001 lança seu último disco, Invincible. Comemora 30 anos de carreira solo com show no Madison Square Garden e organiza um show em memória às vítimas do 11 de Setembro.

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