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Trauma pode modificar cérebro

Estudo da Unifesp liga stress pós-traumático a alteração cerebral que acarreta problemas de concentração e memória

Por Karina Toledo
Atualização:

Pesquisa desenvolvida na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) comprova que pacientes que sofrem de transtorno do stress pós-traumático apresentam uma redução de 8% a 10% em duas regiões do cérebro - córtex pré-frontal e hipocampo -, o que compromete a capacidade de concentração, raciocínio e memória. Estudos anteriores haviam identificado o fenômeno em pacientes com quadros psiquiátricos graves, mas é a primeira vez que a análise foi feita em uma amostra da população comum. Foram entrevistadas 2.700 pessoas, entre 15 e 75 anos, de diferentes regiões da cidade de São Paulo. Descobriu-se que 80% já haviam sido vítimas de violência ou vivenciado um trauma e, destas, cerca de 15% desenvolveram o transtorno. "Os entrevistadores foram treinados para identificar sintomas da doença. A maioria não sabia que tinha o problema", conta Marcelo Feijó de Mello, coordenador do Programa de Atendimento a Vítimas de Violência (Prove), da Unifesp. "A crítica que se fazia a esse tipo de pesquisa é que as alterações cerebrais haviam sido identificadas em pacientes internados com quadros graves e, portanto, podiam não ter ligação com o transtorno. Já esta é uma mostra mais próxima da realidade." Os entrevistados foram encaminhados para o Prove e divididos em dois grupos - os que desenvolveram e os que não desenvolveram stress pós-traumático. Por meio de ressonâncias magnéticas comprovou-se a alteração no cérebro. "Uma das hipóteses é que o desequilíbrio nos níveis do hormônio cortisol - ligado ao stress - possa causar a atrofia de algumas regiões do cérebro, pois são áreas muito sensíveis à substância", explica a bióloga Andrea Jackowski, responsável pela análise dos exames. "Outra hipótese que precisa ser pesquisada é a de que essas pessoas já possuíam as alterações cerebrais, o que as deixaria mais propensas a desenvolver stress pós-traumático. Nesse caso haveria um componente genético envolvido", diz. Segundo a pesquisadora, a análise deve estar concluída até o fim do ano. "Pretendemos estudar se outras regiões do cérebro também estão envolvidas com a doença e se há outros fatores de risco, como traumas na infância", diz Andrea. Além da possível alteração no cérebro, o desequilíbrio nos níveis de cortisol provoca queda na imunidade e deixa o portador mais propenso a desenvolver doenças degenerativas, como hipertensão, diabete e enfarte. "Acreditamos que, se houver tratamento adequado e uma melhora geral do quadro, até mesmo os efeitos no cérebro podem ser revertidos", diz o coordenador do Prove. Segundo Mello, a chance de melhora com terapia e medicamentos é de 60% a 70%. Mas dados dos pacientes atendidos no centro da Unifesp mostram que apenas entre 10% e 15% dos portadores procuram ajuda e levam em média dois anos para perceber que têm o problema. Apesar de ser a quinta condição psiquiátrica mais comum no mundo - e ainda mais em São Paulo -, o stress pós-traumático é pouco conhecido, afirma Mello. "A doença prejudica muito a qualidade de vida. Metade dos atendidos no Prove ou está aposentado ou de licença. Muitos não saem de casa sozinhos e não conseguem se relacionar bem com a família", diz Mello. A pesquisa está sendo feita em parceria com pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz e de diversas universidades do País, entre elas a Federal do Rio de Janeiro. Na capital fluminense foi feito levantamento semelhante ao de São Paulo, mas os dados ainda estão sob análise. "A pesquisa não está pronta, mas dados preliminares indicam que a incidência do transtorno é maior em São Paulo", afirma o pesquisador Sérgio Andreoli.

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