Temperatura em São Paulo sobe o triplo da média mundial

Chuvas ficaram mais fortes e intensas, mas a umidade do ar caiu

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Por Redação
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Nada de tornados, furacões ou extinções em massa. A urbanização acelerada e o aquecimento do planeta se traduziram em São Paulo, nos últimos 70 anos, no aumento da temperatura em 2,1 graus. Parece pouco, mas é o triplo da variação média da Terra no século 20 (0,7 grau). "Não é como uma febre, que pega alguém e depois vai embora. Esse aumento da temperatura vem para ficar", diz o pesquisador Augusto Pereira Filho, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo. A variação foi divulgada em abril, em estudo da Sociedade Brasileira de Meteorologia, por meio de análise das médias históricas anuais. A pesquisa também revelou que houve diminuição da umidade relativa do ar e as chuvas ficaram mais fortes e freqüentes na cidade. Embora o aumento de 2,1 graus pareça insignificante - ninguém usa blusa de lã quando a temperatura cai de 22 para 20 graus -, para os meteorologistas representa variação expressiva. "Significa que praticamente em todos os dias houve mudança considerável de temperatura", diz a pesquisadora Micheline Coelho, do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Mas nem todas as mudanças climáticas resultam do aquecimento global. A maioria dos cientistas liga as alterações às ilhas de calor - variações de temperatura na cidade em decorrência da queima de combustíveis e da impermeabilização do solo. Segundo o geógrafo da USP Tarik Rezende de Azevedo, que mediu a influência das atividades humanas no microclima de São Paulo, o equivalente a 1,2 grau do aumento apresentado no estudo é efeito da urbanização. O restante, 0,9 grau, seria conseqüência do aquecimento da Terra. A principal explicação para as alterações é o próprio crescimento da cidade. São Paulo, que em 1940 tinha 1,3 milhão de habitantes, hoje abriga 11 milhões. Com essa ocupação desordenada, as áreas verdes deram lugar ao asfalto das ruas e ao concreto dos prédios, que refletem mais luz solar e esquentam a atmosfera. Aceleram, ainda, a evaporação - quanto menos água na superfície, mais brusca será a variação de temperatura. Outro fator importante é o calor liberado pela cidade, por meio da queima de combustíveis. "É como se São Paulo fosse uma fogueira sempre acesa", afirma Azevedo. Segundo o pesquisador, o município libera energia equivalente a 10% do que recebe da luz solar. TEMPESTADES Quanto às chuvas, nada de dilúvios. Mas se a média de precipitação na cidade, de 1936 para cá, aumentou 50% no mês de janeiro, historicamente o mais chuvoso do ano, há motivos para preocupação. "O que chovia em três, quatro dias, hoje se concentra em poucas horas", afirma o meteorologista da USP Tércio Ambrizzi. Entre as décadas de 30 e 40, primeiro intervalo analisado pelo IAG, chovia cerca de 220 milímetros em janeiro. De 1996 a 2005, a média subiu para 330 mm. O aumento das tempestades também está ligado à poluição. Quanto mais partículas sólidas suspensas no ar, menos umidade é necessária para formar as gotas. Além disso, as ilhas de calor favorecem a formação de nuvens de tempestade, principalmente no verão. Os ventos úmidos vindos das Serras do Mar e da Cantareira se chocam com o ar aquecido das áreas centrais, causando chuvas intensas e de curta duração. "Uma das principais conseqüências disso são as enchentes", diz Ambrizzi. A água das chuvas ganha potencial de destruição quando corre em um ambiente de rios canalizados e terreno impermeável, como o de São Paulo. "A enchente depende da intensidade da chuva. Se for fraca, mesmo que chova o dia todo, ela não ocorre", afirma o engenheiro do Centro de Gerenciamento de Emergências da Prefeitura de São Paulo (CGESP) Hassan Barakat. Outra mudança está na distribuição da chuva ao longo do ano. Tornaram-se comuns, por exemplo, períodos mais longos de estiagem no inverno e uma concentração de chuvas intensas no verão. "Se pegarmos a média anual de precipitações, não veremos uma grande alteração. O que mudou foi a distribuição ao longo do ano", explica Ambrizzi. O aumento da média de chuvas veio acompanhado da diminuição da umidade relativa do ar. Em 70 anos, a queda apontada pelo IAG-USP foi de 7%. Embora São Paulo tenha médias de umidade mensais entre 70% e 80% - dentro dos índices recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) -, os níveis mínimos podem ser baixíssimos. Nos meses de inverno, por exemplo, chegam a 20%. "A pele fica rachada, afeta principalmente mãos e pernas", explica Pereira. Além disso, as condições de respiração e de conforto térmico ficam menos favoráveis com baixa umidade. Nem tudo, porém, é motivo para preocupação. Não fosse a poluição constante, as mudanças na temperatura trariam maior conforto para a população. "As mínimas registradas em São Paulo beiram o desconforto; um aumento delas pode melhorar a vida das pessoas", diz Azevedo. Chover mais também poderia ser benéfico para São Paulo, se a cidade tivesse infra-estrutura adequada. "Usar o aumento das chuvas para abastecer os mananciais seria uma solução, caso tivéssemos um melhor sistema de drenagem e de armazenamento de água."

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