Surto revela fragilidade de previsões sobre influenza

Ciência vinha se preparando havia 4 anos para pandemia de gripe aviária

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Por Fabiane Leite
Atualização:

A emergência de um novo vírus da gripe, que levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a decretar iminência de pandemia na semana passada, prova a fragilidade das previsões científicas a respeito da doença nos últimos anos, positivas ou negativas, avaliam especialistas. Outra lição é que os países não podem manter planos de contenção da gripe só no papel - alguns, diz a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), foram pegos de surpresa. O mundo vinha se preparando, desde 2005, para uma grande epidemia de gripe aviária - a pandemia de 1918 foi causada por um vírus de aves. Esperava-se que um influenza que atinge as aves, o H5N1, que vinha sendo transmitido em nível local dos animais para humanos, passasse a ser transmitido de pessoa para pessoa. Mas foi um vírus de porcos, que infectava humanos e que sofreu mutações, incorporou material de vírus humanos e de aves e "aprendeu" a saltar de humanos para humanos, que causa a explosão de casos atual. Além disso, a eclosão da epidemia de gripe se deu na América do Norte, e não na Ásia, onde a proximidade de criações de aves com as de porcos, e também com locais onde vivem humanos, era considerada mais propícia a um vírus pandêmico. De outro lado, apesar do potencial de transmissão, o novo vírus, o A(H1N1), ainda não apresenta altas taxas de mortalidade, como se espera em uma nova epidemia. "É a prova da imprevisibilidade. Foi um outro vírus que aprendeu a saltar para humanos", diz o brasileiro Jarbas Barbosa, gerente da Área de Vigilância em Saúde e Gestão de Doenças da Opas. Ele ressalta, porém, que é cedo para saber se a epidemia seguirá leve, uma vez que a estação da gripe - o inverno - ainda não chegou ao Sul. Eurico de Arruda Neto, professor de Virologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, diz que a epidemia atual retoma uma lição antiga. "O porco é um importante tubo de ensaio para os novos vírus, o que indica a necessidade de aumentarmos a vigilância sobre o que ocorre nas criações." Não há evidências até agora de que a doença circule entre porcos ou de que o consumo da carne do animal cause a doença, mas cientistas da OMS foram enviados a áreas de grandes criações no México para entender como um vírus suíno passou a ser transmitido entre humanos. A existência de diferentes reservatórios do vírus influenza na natureza - que infectam de aves a baleias - favorece recombinações e mutações no seu genoma, o que aumenta a possibilidade de novos subtipos desconhecidos do sistema imunológico humano. "Essas passagens não são surpresa. O influenza é um mutante, é seleção natural, ele se adapta. A grande diferença é essa transmissão inter-humanos agora, essa é a surpresa negativa. A positiva é que o vírus não é tão patogênico, parece ?bom de pegar? mas não causa tantas mortes", resume Arruda Neto, que participou da elaboração do plano de contingência antiepidemia do Brasil. A definição de planos, mesmo que contra a gripe aviária, foi positiva, enfatiza o epidemiologista Jarbas Barbosa. A estratégia estruturou a contenção da nova doença. "Se essa epidemia tivesse ocorrido há cinco anos, quando não havia plano nenhum, seria muito pior." Mas, para ele, a situação atual revela que algumas partes dos planos nacionais eram só promessas no papel. A emergência mostrou, ao longo da semana passada, ausência de laboratórios preparados para diagnóstico, por exemplo, e falta de preparo no repasse de informações à população.

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