Sociedade não sabe educar jovens

Para especialistas, valores contraditórios dificultam que adultos sejam vistos como modelo pelos adolescentes

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Por Karina Toledo
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A falta de influências positivas que auxiliem o desenvolvimento saudável não é um problema restrito apenas à juventude paulistana, afirma a pesquisadora Ida Kublikowski, da PUC-SP, que trabalhou no estudo sobre comportamento dos jovens. "Em diferentes comunidades temos percebido uma similaridade muito grande nos resultados. Mesmo os dados americanos são muito parecidos com os nossos, pois a conjuntura é a mesma." A falta de envolvimento dos adultos com os jovens, a dificuldade de diálogo e a insegurança em relação à transmissão de valores são algumas das causas apontadas pelos especialistas. Antes de aplicar a pesquisa para os adolescentes, foi feito um levantamento com os pais para saber se os 40 "valores positivos" do questionário eram de fato os que eles julgam importante transmitir aos filhos. "Essa pesquisa revelou que os pais acreditam que dialogam muito com os filhos, mas os jovens dizem que não há diálogo em casa. É uma conversa de surdos", diz a pesquisadora. O problema, no entanto, não está centrado apenas na família. "A sociedade como um todo está perdida em relação a como educar os jovens. Os valores estão em conflito, o contexto é contraditório. Você prega a não agressão, por exemplo, mas liga a TV e só vê violência. A bebida tem um significado cultural muito positivo em nossa sociedade, basta ver os comerciais de cerveja, mas não querem que o jovem beba em excesso", completa Ida. Segundo ela, seria preciso repensar o conceito de adolescência vigente. "Essa fase é vista como um período de moratória, em que se tira toda a responsabilidade do jovem, pois ele está se preparando para a vida adulta. Existe uma divisão por idade muito rígida na nossa cultura, a gente não se mistura com os adolescentes." Para o professor de psicologia da adolescência Miguel Perosa, a dificuldade de comunicação entre adultos e jovens sempre existiu e é típica da idade, mas foi acentuada nos dias de hoje pela fragmentação da cultura. "Há uma diferença de expectativas que é de base. O que o jovem espera de seu futuro está relacionado com a cultura dele, que é diferente da cultura dos pais, do tempo em que eles eram jovens. Mas, no passado, a cultura como um todo era mais homogênea. Hoje há menos certezas e mais questionamentos morais", diz. Perosa, no entanto, acredita que o diálogo entre adultos e adolescentes não é mais difícil hoje do que no passado. "Depende da disponibilidade do adulto de entrar no universo de significados do jovem, acolher suas angústias", afirma. Esse período de moratória em que se transformou a adolescência, diz ele, está se estendendo cada vez mais. "Hoje não basta mais o ensino médio ou a graduação para entrar no mercado de trabalho. É preciso especialização, MBA, doutorado. Mas não tem o que fazer, a realidade do mercado é assim", completa. EXEMPLO Um dado preocupante apontado pela pesquisa da PUC é que os adultos servem de modelo positivo de comportamento para apenas 17% dos entrevistados. "Os adultos não estão atentos às suas atitudes e comportamentos. É o faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço. Isso dificulta a assimilação de limites e dos valores positivos por parte dos jovens", diz Ida. O exemplo dos pais e avós foi decisivo, em muitos aspectos, na vida da estudante de Relações Internacionais Luisa Martins, de 18 anos. Ela não bebe álcool, "nem mesmo refrigerante". "Essa sempre foi a cultura na minha casa. Não tinha nem doce ou batata frita", conta. "Desde que eu tenho 15 anos meus amigos tentam me convencer a beber (álcool), mas não tenho vontade." A paixão do avô paterno pelos livros - que resultou numa biblioteca com mais de 3 mil exemplares - e o estímulo que recebeu dos pais desde pequena, fez de Luiza uma leitora voraz. "Eu era do tipo que passava o recreio na biblioteca. E meu avô sempre me dizia que, se fosse boa aluna, eu seria a herdeira de sua biblioteca." Luiza não teve problemas na escola e conseguiu ingressar na faculdade com apenas 17 anos. Mas essa não é a realidade da grande maioria dos jovens que participaram da pesquisa. O quesito "sucesso na escola", avaliado no questionário, apresentou um preocupante índice de 5,5%. "E o número foi baixo até mesmo entre os jovens que apresentaram um alto índice de valores positivos. Isso merece uma elucidação mais aprofundada. A gente começa a desconfiar que o problema não está no jovem, e sim na escola", afirma a pesquisadora da PUC.

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