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Resgate da simplicidade

Nem mais, nem menos, apenas o necessário. Esta é a medida das pessoas que adotam a simplicidade voluntária

Por Fabiana Caso
Atualização:

Em oposição ao consumismo desenfreado do mundo contemporâneo, há um movimento que vem ganhando força na Europa e Estados Unidos: o da simplicidade voluntária. Tanto para preservar os já escassos recursos naturais do planeta como para promover satisfação pessoal, seus adeptos tentam viver apenas com o necessário. Não há uma medida padrão: depende da vida de cada um. No Brasil, aos poucos, alguns estão aderindo a este conceito, adotando uma atitude ecológica e buscando uma vida mais equilibrada.   Veja também:  Um empresário voluntário  Figurino único Qualquer semelhança com o movimento hippie dos anos 60 não é mera coincidência. Naqueles tempos, valorizava-se a fraternidade, o convívio com os outros, e o consumo não era tido como a solução dos males. Um dos primeiros a detectar a tendência posterior à era bicho-grilo foi o historiador e cientista político norte-americano Duane Elgin, que, nos anos 80, publicou o livro Simplicidade Voluntária, teorizando sobre alguns princípios - que, em resumo, dizem respeito a ter uma vida exterior mais simples para viver interiormente com mais riqueza. De acordo com estatísticas apresentadas por Elgin, já no final dos anos 90, mais de 20 milhões de norte-americanos estavam adotando a simplicidade voluntária. "O tema é muito relevante para o Brasil, especialmente por causa da Amazônia e do aquecimento global. Não há uma receita padrão para a simplicidade, mas é importante dizer que não se trata apenas de aspectos materiais, mas também de questões psicológicas e espirituais", escreve ele, em entrevista por e-mail. "As sociedades modernas geralmente são ricas materialmente, mas pobres espiritualmente. O objetivo é alcançar o equilíbrio, nem ter demais nem ter de menos, mas o suficiente." Já na França, o movimento é chamado de décroissance (literalmente, decréscimo) e encabeça até plataformas políticas de partidos que levantam bandeiras ecológicas. Um dos principais teóricos é o cientista social Paul Ariès - autor de Décroissance ou Barbárie -, que sustenta idéias como a da necessidade de limites, porque não é possível um crescimento infinito num mundo finito. Um bom termômetro do movimento talvez seja um evento chamado Buy Nothing Day (o dia de não comprar nada), que começou em Londres há 20 anos. Se no primeiro ano apenas alguns gatos pingados aderiram à proposta, hoje há cerca de 20 mil adeptos na capital inglesa. Em datas diferentes, o movimento acontece em diversas capitais européias, nos Estados Unidos e Canadá. São promovidas atividades culturais em praças públicas, para que não se consuma nem uma mísera bala durante todo o dia. Em solo tropical, o movimento ainda não se alastrou tanto. A iniciativa mais contundente é a do instrutor de aikidô e terapeuta de casais Jorge Mello, gaúcho de 45 anos, que lançou o site www.simplicidade.net, no final de 2006. Há 11 anos, ele largou o emprego de analista de sistemas em um banco, com salário confortável, para buscar maior realização pessoal. Acabou fazendo cursos no Reino Unido sobre a simplicidade voluntária. E se identificou prontamente. "O consumo é o maior fator de degradação do planeta. A humanidade tem que voltar a viver de acordo com as suas necessidades, e não guiada pelos desejos", pondera. "As pessoas são levadas a acreditar que a satisfação vem das coisas externas." Quando percebeu que a satisfação vinha de outras fontes, Jorge vendeu o carro e as duas motos que tinha e mudou sua motivação de vida. "Defini a quantidade de roupas e calçados de que preciso", conta. "Se ganho algo a mais, dôo uma peça." Aplica o mesmo raciocínio com relação aos livros e CDs: desfez-se da metade da sua coleção. "Doei o que não lia com freqüência para bibliotecas e escolas técnicas, que aproveitam muito melhor." Apesar de ganhar hoje pouco mais da metade do que seu antigo salário, ele se diz mais satisfeito e realizado. Praticante de zen-budismo, fala que a simplicidade viabilizou uma forma artística de vida. "Hoje cozinho mais, tenho tempo para tocar violão, pintar e conviver com as pessoas que aprecio." Jorge promove palestras, workshops e encontros pelo País. Hoje, tem tantas solicitações em seu site que nem está dando conta. Apesar da falta de estatísticas no Brasil, aposta em um crescimento exponencial do movimento. Já lhe pediram contribuição para duas teses acadêmicas, e há iniciativas de empresas que estão aplicando os conceitos da simplicidade. "Existe uma comunidade no Orkut que cresceu rapidamente, hoje tem quase 2 mil integrantes", cita. Pelo que Jorge presenciou na Europa, homens e mulheres de todas as idades estão adotando o conceito. "Geralmente, são pessoas não conformistas, com senso crítico, que avaliam a própria vida." A última pesquisa realizada pelo Instituto Akatu mostra que um terço da população brasileira pratica 8 dos 13 comportamentos de consumo consciente listados pela entidade. Uma das bandeiras do Akatu é justamente a redução do consumo, assim como sua prática consciente. "É essencial refletir sobre os hábitos de consumo e sobre os impactos que vai causar", afirma a coordenadora de capacitação comunitária do instituto, Raquel Diniz. Ela ressalta que, de 1960 a 2000, a população aumentou duas vezes mais, enquanto o consumo quadruplicou. "A Terra tem recursos finitos e não agüenta resíduos de tanta gente. Além disso, o consumismo traz o estresse das dívidas: as pessoas trabalham cada vez mais para pagá-las, e depois ficam tristes por não terem tempo para os filhos e relacionamentos."

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