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Queridas amigas

Em tempos de individualismo extremo, recuperar amizades antigas é um desafio prazeroso

Por Mariana Abreu Sodré
Atualização:

Quem nunca se viu pensando no rumo que tomou aquele amigo inseparável, dos tempos de primário, ginásio ou da faculdade? Aquela pessoa que, durante um bom período, foi coadjuvante de sua vida, mas que o tempo, a rotina, as prioridades se encarregaram de levá-la para um caminho distinto do seu, ou vice-versa? Esse tipo de curiosidade costuma ser facilmente sanada quando o procurado em questão é ligado a algum tipo de site de relacionamento. Caso contrário, só uma rede de contatos pessoais, amigos em comum ou mesmo a casualidade podem colaborar para o reencontro. Ou, então, a soma de todos esses fatores, como ocorreu com a paulistana Angélica Aquino, de 56 anos, organizadora de arquivos pessoais. Um dia, num desses acasos, Angélica encontrou uma amiga dos tempos de infância na imensa cidade de São Paulo. Depois do "como você está?" e "o que está fazendo?", teve a notícia de que uma amiga muito íntima dos tempos do Colégio Sion, Marília Gentil Froes, estava doente. No mesmo momento, pegou o telefone da amiga e, pelo celular, combinou uma visita. Tudo assim, num impulso. Parecia que Angélica não via a amiga apenas há uma semana. "Foi um encontro ótimo, mas também muito triste, pois percebi que ela estava no fim... Um mês depois, ela morreu", conta. "Eu era muito próxima da família dela e retomamos o contato", completa Angélica, que encontraria com outras ex-colegas do Sion na despedida dessa amiga querida. Passado um período, Angélica - super in em informática - se deparou com um recado em seu Orkut. Era de outra ex-colega do Sion, Cristina Lages, dizendo que buscava notícias das amigas do colégio. Angélica passou para ela os contatos das que tinha revisto meses antes. Tempos depois, ela própria, a irmã de Marília, Cristina e outras cinco ex-colegas do Sion se reencontraram num almoço, e decidiram reunir "o povo da escola". Em volta da mesa, com os celulares nas mãos, começaram a ligar para as ex-colegas com quem ainda tinham contato; essas, para outras, e assim por diante. Resultado: depois de muitas ligações, correntes de emails, buscas em listas telefônicas e adesões ao Orkut, das 60 "resgatadas", 50 se reencontraram efetivamente num grande almoço. Dessas 50 ex-alunas, 5 tinham estudado também no Assis Pacheco, tal qual Angélica. Teve início, então, uma nova movimentação. E 200 pessoas compareceram ao almoço do Assis Pacheco, em março de 2006, incluindo as diretoras da escola. Desde então, num grupo de email, são trocados casos e fotos engraçadíssimas daquela época. "Combinamos outras reuniões, e as turmas de maior afinidade fazem encontros paralelos, mais freqüentes. Morro de rir nos que vou", conta Angélica, espécie de síndica dessas duas turmas (Sion e Assis Pacheco). "O que mudou na minha vida com o reencontro? Não sei dizer exatamente, mas foi bom. A melhor sensação é a de estar com alguém com quem não estive nos últimos 35 anos e ter a impressão de que nosso último papo aconteceu ontem. As amizades de infância e adolescência são muito intensas. Acho que essas são as de verdade", conclui Angélica. O psicanalista Jorge Forbes concorda. "A amizade de infância não é qualquer uma, tem um diferencial ligado ao fato de ter sido estabelecida numa época anterior aos julgamentos e preferências da idade adulta, quando todos sofrem interferência dos interesses sociais", analisa. SITES DE RELACIONAMENTO Muito se fala do papel da internet nos relacionamentos atuais. No caso de Angélica, por exemplo, o recado deixado em sua página no Orkut intensificou o desejo de reunir sua turma. O psicanalista Jorge Forbes acredita que essas ferramentas são de suma importância nos tempos hipermodernos. "A internet aumentou as possibilidades e as formas de fazer amigos e reencontrá-los. Foi a principal responsável pela horizontalização do laço social e pela revalorização da amizade", explica. "A amizade é fundamental, especialmente hoje, na globalização, quando o laço social se faz horizontalmente, em rede", continua o especialista. A designer Paula Prado, de 26 anos, compartilha da mesma opinião. Membro de uma turma de seis garotas, Paula revela uma vontade de retornar às raízes quando justifica porque resolveu reaproximar as amigas do Externato Mater Dei. "Nos conhecemos aos 7 anos. Muito do que sou é resultado dessa convivência." Lígia Almeida, outra integrante da turma, acredita no mesmo. "Estivemos juntas em muitas fases importantes. Freqüentemente, recorro a elas para buscar alguma coisa em mim", conta a jornalista, que mora em Brasília - é a única da turma que não vive em São Paulo. Maria Clara Vergueiro, jornalista e socióloga da trupe - da qual também fazem parte Mafê, Renata e Fernanda -, segue a mesma linha, tocando num outro aspecto. "Vivemos algo ortodoxo em relação à amizade.Tínhamos nossas regras, sobre o que era certo e errado, e com isso criamos os nossos valores." Hoje, as meninas não vivem uma relação nostálgica, mas sim de presente e futuro. Como diz Forbes, "a consagração do passado só é boa de cinco em cinco anos. Esses reencontros dão a possibilidade de construir um futuro, não vale desperdiçar falando do passado", explica. NA TV O reencontro como forma de trazer respostas e recuperar valores - um recurso comum e algumas vezes necessário nos dias de hoje, segundo Forbes - é também a temática da minissérie Queridos Amigos, de Maria Adelaide Amaral, que estréia nesta semana na Rede Globo. Baseada em um livro da autora, Aos Meus Amigos, a trama conta a história de Leo, que, em um momento delicado de sua vida, resolve, na década de 80, buscar sua turma de juventude. Isso sem internet, Orkut, celular nem MSN, numa época em que as pessoas tinham desaparecido, embora a violência urbana fosse menor. "É uma história sobre afeto", explica Maria Adelaide Amaral, referindo-se ao enredo real, romanceado para a TV e vivido por ela, integrante da turma de Leo, cujo nome na vida real era Décio Bar. "Continuo mantendo amizade com muitos colegas dessa turma, que era da editora Abril, e realmente constituímos uma família de eleição, como está referido na minissérie", conta a autora, apoiando-se no dito popular que prega que os amigos são como uma família que se pode escolher. Esta máxima é também defendida por Angélica Aquino e pela turma de meninas desta reportagem, como Renata Gomide e Mafê Pereira, que se referem ao grupo do externato Mater Dei como uma família, na qual cada uma tem seu papel essencial. Mas, como nem tudo é unânime (ainda bem), a atriz Fernanda Montenegro, que está na minissérie de Maria Adelaide Amaral, responde com humor quando perguntada sobre a qual família recorre nos momentos mais difíceis. Por acaso seria àquela formada pelos amigos? "Como diz Nelson Rodrigues, na hora do aperto, eu saio como o cavalo do mocinho, em todas as direções. O meu primeiro grito é: meu Jesus Cristo, minha Nossa Senhora, minha Mãe Santíssima e todos os santos, anjos e arcanjos que possam existir no céu", encerra a atriz.

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