Por trás da linha

Apesar de criticado, o telemarketing é uma chance para entrar no mercado de trabalho

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Por Ciça Vallerio
Atualização:

O descontentamento parece ser geral quando se fala de serviços de telemarketing. Muitos consumidores são submetidos a uma via-crúcis para tentar resolver algum problema ou reclamar de um produto. Além dos canais de atendimento a reclamações, há vendedores que ligam para residências tentando empurrar goela abaixo uma mercadoria. Porém, existe o outro lado da moeda, principalmente quando se conhece a realidade que está por trás das ligações e desse grande negócio, que movimenta bilhões de reais e um número considerável de pessoas - principalmente mulheres. O setor fechou 2007 com a contratação de 750 mil funcionários diretos, sendo 76% mulheres, de acordo com a Associação Brasileira de Telesserviços (ABT). Estima-se que, até 2010, chegue a 1 milhão de trabalhadores e a participação feminina alcance 760 mil. Este ano, a previsão de crescimento é de cerca de 9%. Com números em alta, o telemarketing se transformou na porta de entrada para o mercado de trabalho, atraindo milhares de jovens que enxergam aí a oportunidade do primeiro emprego. Tanto é que 45% dos operadores estão na faixa dos 18 e 24 anos. O que atrai essa massa de jovens e de mulheres, além da oportunidade de emprego, é a jornada de trabalho de seis horas, distribuída em dois turnos. Isso permite que as contratadas tenham mais tempo para cuidar dos filhos, da casa ou dos estudos. "Uma pesquisa feita pela ABT mostra que o maior desejo dos operadores é voltar a estudar", conta Carlos Umberto Allegretti, diretor executivo da associação. "Por isso, algumas empresas de telesserviços estão montando em seus próprios espaços universidades corporativas." Em breve, a Vidax vai inaugurar a sua universidade corporativa, em parceria com a Universidade Anhembi Morumbi, em um dos 11 andares dos seus dois prédios. Esse é um dos benefícios que a empresa de telemarketing proporciona aos seus mais de 8 mil funcionários, sendo 73% mulheres. ANTI-ESTRESSE Não é porque cada operador atende cerca de 150 chamadas por dia e tem metas para alcançar que pode ser considerado um estressado. Para evitar a rotatividade de empregados, as empresas investem em benefícios. Na Vidax existe salão de beleza e ginástica laboral, para evitar lesões de esforços repetitivos. Os funcionários ainda recebem treinamentos, incluindo curso de português, para evitar os famosos vícios de gerúndio, como "estou anotando", fora outros erros. As salas batizadas de "descompressão" não são para os atendentes chorarem por causa do estresse - afinal, como os próprios dizem, há cobrança e pressão como em qualquer outro lugar. Nesse espaço, os funcionários jogam-se em pufes, ouvem música, assistem à TV ou simplesmente não fazem nada durante os 20 minutos de pausa, à qual têm direito. Por que, afinal, esse setor é tão malvisto? Especialista em treinamento na área de telemarketing há 25 anos, Ana Maria Leandro explica que isso está relacionado, principalmente, à falta de solução imediata ou ao tempo excessivo que o operador leva para registrar os dados. "As pessoas sentem-se reféns de seus fornecedores, e são obrigadas a se submeter às suas exigências, burocracias e prazos", fala. "Isso tem várias origens, como tecnologia ultrapassada, informações incompletas no sistema, falta de capacitação dos atendentes. Por empregarem pessoas normalmente jovens, muitas no seu primeiro emprego, as empresas dão pouca autonomia aos operadores." OPORTUNIDADES Viviana Rocha, de 30 anos, trabalha há cinco anos na Vidax e já recebeu quatro promoções. De teleatendente, passou para coordenadora operacional de 104 pessoas. Em breve, assumirá 176 funcionários. Com os R$ 1.900,00 que ganha por mês, paga a prestação de seu apartamento e de seu carro. Antes de entrar para esse ramo, embolsava bem menos como técnica de radiologia médica em um hospital. "Troquei de profissão com o intuito de crescer", fala Viviana. Há quem desista de uma promoção para continuar no atendimento. Giane Macedo, de 29 anos, com dois filhos pré-adolescentes, sustenta a família graças aos seus bônus. É sempre a primeira colocada no ranking dos funcionários. Com os prêmios que já ganhou, montou quase o apartamento onde mora, em Itaquera, na zona leste. Também paga a prestação do seu apartamento popular, que acabou de ser reformado, e do seu carro seminovo. "É muito gostoso olhar para trás e ver as conquistas, ainda mais eu, que já fui faxineira", conta Giane. Outro caso de sucesso é de Eliana Luzio, de 35 anos, diretora de operações da SPCOM, outra grande empresa de telesserviços. Ela é a responsável pelo recrutamento e capacitação dos novos contratados, monitoria dos funcionários e auditoria de vendas do atendimento. Hoje, estão sob seu comando 3 mil funcionários. Formada em engenharia mecatrônica, abriu mão do salário de engenheira para ingressar no mundo do telemarketing, quando se tornou atendente de uma extinta fabricante de eletroeletrônicos. Depois foi parar em uma grande empresa de telesserviço, até chegar à gerência. Na seqüência, virou diretora de atendimento de um portal da internet, passando a contratar prestadoras de telemarketing. "A demanda está tão grande que podemos contratar até gente com experiência." DIFERENCIAIS FEMININOS Para o diretor executivo da ABT, as mulheres se destacam em vários quesitos: são mais pacientes, afetuosas, fiéis à empresa onde trabalham e, claro, adoram falar. "Essas características são fundamentais para um bom atendimento", observa Allegretti. "Como o setor não exige experiência, já que investe em capacitação, além de novatos, há muitas mulheres que voltam a trabalhar depois de anos afastadas do mercado. Há, inclusive, várias aposentadas." Quanto às constantes reclamações contra o setor, a consultora Ana Maria Leandro informa que o Ministério da Justiça, por meio do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, elaborou a Proposta do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor para a melhoria da qualidade dos SACs (Sistema de Atendimento ao Consumidor). "O consumidor brasileiro pode se preparar para muitos avanços com relação à garantia de seus direitos." Quem quiser reclamar de mau atendimento, ligações em horários indevidos ou qualquer outro transtorno relacionado ao telemarketing pode entrar no site do Probare, que é o Programa Brasileiro de Auto-Regulamentação (www.probare.org). Trata-se de uma iniciativa de três entidades representantes do mercado de relacionamento no País - ABEMD (Associação Brasileira de Marketing Direto), ABRAREC (Associação Brasileira das Relações Empresa Cliente) e ABT. É preciso preencher um formulário e mandar o e-mail (que serve como documento) com a reclamação. A empresa tem 15 dias para solucionar o problema.

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