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Pobreza leva 1/3 das crianças para abrigos

Estudo mostra que elas têm família; mães deixam seus filhos para adoção por falta de emprego e de moradia

Por Simone Iwasso
Atualização:

Das crianças e jovens em abrigos na cidade de São Paulo, um terço vive nesses locais porque os pais estão desempregados ou por falta de moradia para a família. São meninos e meninas que passaram por situações de carência e negligência, vivem meses ou anos sob os cuidados do Estado, mas têm mães que os visitam e que gostariam de, algum dia, levá-los para casa. Essas mães, por sua vez, são oriundas das camadas mais pobres da população - geralmente não têm mais vínculo com o pai das crianças, engravidam de outros parceiros, vivem de casa em casa e alternam desemprego com trabalhos precários e instáveis. Em um ciclo que se repete, 40% delas já foram abrigadas quando mais jovem ou tiveram algum parente próximo nessa condição. O retrato dessas famílias foi traçado pela primeira vez em um trabalho feito pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Criança e o Adolescente da PUC-SP, Associação dos Pesquisadores de Núcleos de Estudos sobre Crianças e Adolescentes e Universidade Cruzeiro do Sul, com apoio do Tribunal de Justiça de SP e do Ministério do Desenvolvimento Social. Entre 2007 e 2008, por intermédio dos próprios abrigos, nome dado aos antigos orfanatos, os pesquisadores traçaram o perfil e a história de uma amostra de 97 famílias que mantêm vínculos com os filhos. Do total de 4,8 mil crianças e adolescentes que vivem em abrigos na capital, 67% têm famílias. "A pobreza está na base de grande parte dos abrigamentos. É falta de onde morar, de onde deixar a criança enquanto procura trabalho, de como se manter, tudo isso em um ambiente permeado pela violência nas relações", afirma Eunice Fávero, professora da Universidade Cruzeiro do Sul e uma das autoras da pesquisa. Segundo ela, sem entender essas famílias, é impossível traçar políticas públicas que cortem esse ciclo de pobreza e abandono. Ou seja, sem encontrar condições mínimas para a sua própria sobrevivência, o abrigo aparece como o único apoio para essas mães - 24% delas têm de três a cinco filhos abrigados e a maioria engravidou pela primeira vez na adolescência. Lá, elas sabem que eles têm onde dormir, o que comer e são obrigados a frequentar a escola. Cria-se uma relação ambígua. Enquanto 42% das mães acham bom o abrigamento porque crianças e adolescentes não ficam na rua, recebem alimentação, cuidados médicos e estudo, 38% delas acham ruim porque as crianças ficam longe da família. "Esse ciclo mostra a fragilidade da política social que temos e da ausência de articulação da rede de apoio que deveria existir. Sem programas de moradia e geração de renda isso não vai mudar", diz Eunice. Ela cita estudo feito pela Corregedoria-Geral da Justiça nas Varas de Infância mostrando que o motivo da quarta parte de todos os abrigamentos é a falta de condições econômicas dos pais e que em 26% das situações deveriam ter sido aplicadas medidas de apoio sociofamiliar. ABANDONO Os relatos, por mais individualizados, evidenciam sempre a falta de estrutura, planejamento familiar e de apoio. É o caso de Ana (nome fictício), uma das entrevistadas pela pesquisa. Ela foi abandonada pelo parceiro no quarto mês de gestação e tentou criar a filha sozinha, deixando-a com vizinhos para trabalhar. Quando perdeu o emprego, não conseguiu pagar o aluguel e foi despejada. Sem ter onde morar e onde deixar a criança, pensou que o abrigo seria melhor para ela, pois poderia ser adotada. "Não conseguia dormir de tanto arrependimento e chorava o tempo todo", conta. Após procurar o Judiciário, conseguiu visitar a filha. Maria (nome fictício) conta que passou cinco anos na Febem (atual Fundação Casa) quando era adolescente. Quando saiu, foi morar com a avó em um bairro da periferia. Engravidou cinco vezes, de relacionamentos diferentes - a primeira aos 17 anos. "Morei só com o pai de um. Mas ele não queria os outros e a casa era dele. NÚMEROS 33% das famílias de crianças e jovens abrigados dizem que o motivo foi a falta de emprego e de moradia 8% das crianças foram abrigadas porque sofriam violência e maus-tratos 3% das crianças estão vivendo no abrigo porque a mãe morreu

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