O sexo após a maternidade

Tornar-se mãe é uma dádiva, mas pouco se fala da redução da libido em boa parte das mulheres. Assim, o que é comum passa a ser visto como anomalia

PUBLICIDADE

Foto do author Redação
Por Redação
Atualização:

O ginecologista e obstetra Eliano Pellini lança mão do simbolismo das obras do pintor austríaco Gustav Klimt para comparar a sexualidade feminina antes e depois da maternidade. No quadro mais famoso, O Beijo, de 1907, a mulher envolta pelo abraço do amante entrega-se ao êxtase do desejo. As flores em botão que enfeitam seus cabelos só vão desabrochar e revelar toda a exuberância na obra As Fases da Mulher, em que a personagem aparece com o filho no colo.

 

PUBLICIDADE

Com tal analogia, o médico e chefe do setor de Saúde e Medicina Sexual da Faculdade de Medicina do ABC quer frisar que se tornar mãe é tão sublime que compensa as perdas com as quais a mulher se depara. Entre elas, a mais polêmica: a falta de interesse sexual, muito comum com a chegada da maternidade.

 

Portanto, antes de se sentir a única a vivenciar a baixa da libido, saiba que isso acontece com a maioria das mães. Incomum é o contrário. "Só cerca de 10% dos casais recuperam o ritmo sexual de antes da chegada do filho", ressalta o médico. Vários fatores podem interferir no interesse sexual: a maneira como a mulher e seu companheiro lidam com a sexualidade, o peso dos valores sociais, morais, familiares e religiosos, entre outros.

 

Sem uma única explicação para as nuances da sexualidade humana, o fato é que é muito difícil manter a "chama acesa" com os sintomas que atormentam muitas mulheres durante a gravidez, como náuseas, vômitos, prisão de ventre e refluxo. E o que dizer do estresse que envolve os cuidados com o bebê, as noites mal dormidas, a dor nas mamas por causa da amamentação?

 

Hormônios. A professora de educação física Renata De Cien Fuegos Bucci, de 36 anos, sabe muito bem como o turbilhão hormonal é capaz de inibir qualquer momento caliente. "No primeiro trimestre de gestação, minha pressão ficou baixa, desmaiei algumas vezes, sentia muito enjoo", conta ela, que está grávida de seis meses. "Não tinha como pensar em sexo, apesar do desejo de meu marido."

 

Confiança. Personal trainer especializada em gestação e pós-parto, Renata sempre ouviu muitas queixas das alunas. Agora ela sente na pele a falta de libido.

 

Diante das negativas de Renata, restava ao marido virar de lado na cama e dormir frustrado. Mas, no dia seguinte, nada de cara feia nem cobranças. Como um verdadeiro gentleman, ele respeitou as limitações da mulher. "O homem é mais testosterona, não entende de cara um ‘não’ e, se não formos sábias para lidar com isso, conversando e explicando tudo, em vez de só repeli-lo, o casal vai se afastando até que a relação se torna insustentável", diz ela.

Publicidade

 

Há mais de 10 anos trabalhando com grávidas, como personal trainer especializada em gestação e pós-parto, Renata ouve suas alunas se queixarem de seus maridos, por eles terem se afastado delas por causa da mudança de seus corpos durante a gestação ou por acreditarem erroneamente que penetração pode machucar o feto.

 

O médico Pellini ressalta que o homem deve valorizar o fato de a mulher oferecer seu corpo para gerar um ser e torná-lo pai, em vez de reclamar que ela perdeu suas formas e não é mais aquela deusa do sexo de antes. "Não acho justo o que as revistas de celebridades fazem, ao mostrarem as famosas lindas e perfeitas logo após darem à luz", brada o especialista em sexualidade humana. "Isso passa uma ideia errada e gera muita frustração. Elas gastam muito dinheiro para recuperarem o corpo rápido, porque dependem dele para sobreviver, mas a realidade é outra."

 

Vaidade. O fato de ter engordado 22 quilos nos últimos meses de gravidez contribuiu bastante para que a maquiadora Luciana Alves, de 35 anos, perdesse o interesse por sexo. Mas o corpo não foi o principal motivo. Na ânsia de tornar-se mãe, ela voltou-se totalmente para a gestação e criou uma imagem sagrada da maternidade. "Era como se eu fosse uma santa com um anjo na barriga." Não se via como uma mulher sexualizada e fugia como podia das investidas do marido, o que durou um ano após o parto.

 

O relacionamento só começou a melhorar quando Luciana recuperou as formas e a autoestima. Na segunda gestação, seu médico lhe mostrou a importância de se cuidar. "Ele dizia para eu me ver sexy, pois não poderia esquecer que sou mulher", conta a maquiadora. Nessa segunda fase, o sexo não foi tão frequente, mas não ficou de escanteio. Após 17 anos de casada e mãe de Victor, de 15, e de Vinicius, de 13, veio a separação. Há seis meses sozinha, Luciana ainda não está aberta a relacionamentos, mas quer viver uma nova paixão.

 

Várias fases. Aos 45 anos e mãe de três garotas, a carioca Márcia Andréia Jacob viveu as oscilações de libido na vida conjugal. Após a primeira filha, o desejo sexual sumiu. A coisa só não degringolou porque o maridão fazia de tudo para reconquistá-la. Trazia presentes para ela - inclusive de sex shops -, lhe fazia agrados, e a levava ao motel. "Durante a gravidez, o sexo era muito bom, mas depois não tinha mais vontade."

 

Gratidão. Cumplicidade com as três filhas e admiração pelo parceiro fazem Márcia mais feliz.

 

Aos poucos, a vida sexual foi entrando nos eixos. Não como no começo do namoro, afinal, como ela mesma diz, em 17 anos de casamento o coração não dispara mais. Porém, nunca deixam de transar por causa das filhas. Quando rola um clima, trancam a porta e pronto.

Publicidade

 

Márcia e o marido adoram fazer passeios a dois, sair para dançar, tomar uma cervejinha e conversar. "Mesmo que na volta não role nada ou, sendo mais clara, mesmo que a gente durma, já dá para curtir um momento só nosso", fala a mãe de Marcelle, de 16 anos, Isabelle, de 14, e Maria Eduarda, de 9. "Mais importante do que ter desejo sexual, é haver admiração de um pelo outro, gostar de estar perto, sentar num bar só para jogar conversa fora... Até porque um dia a fúria pelo sexo acaba mesmo, né? E aí, jogamos o casamento fora?"

 

A rotina, com ou sem filho, afeta o desejo no casamento. Há um ano casada, Cristiane Zanardi Nascimento Ribeiro, de 31 anos, encarou o dia a dia doméstico, após ter assumido sozinha sua gravidez. O atual marido diz que sua libido não é mais aquela dos tempos de namoro. "Hoje, nos vemos todos os dias e isso afeta o desejo." Mas ela faz questão de reservar um espaço para o casal. Deixa a filha Pietra, de 4 anos, com sua mãe quando querem ficar a sós.

 

"Encarar os limites da vida sexual com humor, sem dramas nem cobranças, é essencial para que o casal encontre o equilíbrio", orienta o médico Eliano Pellini. "Não há fórmulas mágicas, mas sim a certeza de que a chegada do filho traz um amor incondicional e é extremamente gratificante. Ele vai amar a mãe e o pai para o resto da vida, o que é bem diferente do prazer que o parceiro pode dar ao outro em minutos de sexo."

 

 

 

UM NOVO ESTÁGIO NA RELAÇÃO

 

Com a experiência de 36 anos no atendimento a casais, a psicanalista e sexóloga Regina Navarro Lins comenta uma das principais angústias vividas pelos casais após a chegada do rebento: o desinteresse sexual, principalmente entre as mulheres. A autora de publicações como A Cama na Varanda - Arejando Nossas Ideias a Respeito de Amor e Sexo e O Livro de Ouro do Sexo reflete sobre o que frequentemente está por trás dessa mudança.

 

Qual é a queixa mais comum no quesito sexo após a maternidade ou paternidade?

Quando nasce uma criança, geralmente, há um prolongamento da simbiose que havia entre mãe e filho no período de gestação. A mãe fica totalmente voltada para o bebê. Nesse momento, o pai pode se sentir excluído. Por outro lado, há mulheres que se queixam do fato de estarem exaustas por terem de dar conta de tudo sozinhas.

Publicidade

 

Como a chegada do filho pode afetar as sexualidades feminina e masculina?

É um período complicado para a vida sexual do casal. Se, em condições normais, o sexo no casamento já é um grande desafio, imagine com o nascimento de uma criança e tudo o que isso desorganiza na rotina familiar. Muitos pais ficam ansiosos para que os primeiros meses passem logo e a esposa volte a se interessar por sexo. Mas, às vezes, isso não acontece. O tempo passa e o casal vai fazendo cada vez menos sexo. É grande o número de mulheres que amam seus maridos, mas não têm vontade nenhuma de fazer sexo com eles.

 

O que pode contribuir para o desinteresse sexual dos homens e mulheres no período pós-filho?

Alguns homens, desde a gravidez, passam a enxergar a mulher como mãe. É a tal divisão entre Virgem Maria e Eva. Após o parto, parece que a mulher se transforma, para muitos, na Virgem Maria. Aí o sexo tem de estar totalmente ausente. A Eva, pecadora, fica distante, no passado... Mas é importante ressaltar que existem casais para os quais essa questão é bem resolvida e, assim, a vida sexual não é tão afetada.

 

A falta de desejo sexual pelo parceiro sinaliza o fim da relação?

Não. Atendi muitas mulheres que me disseram algo assim: "Amo meu marido, não quero me separar nunca. É o melhor companheiro, melhor amigo, melhor pai. Só não tenho mais vontade nenhuma de fazer sexo com ele. Quero ficar abraçadinha, ele fazendo cafuné na minha cabeça." Se for isso, não há ginecologista nem terapeuta que dê jeito.

 

O que pode ser feito para manter o desejo?

Publicidade

No casamento, poucos têm vida própria, amigos distintos, programas separados, liberdade para se relacionar com quem quiser, sem o controle do outro. Para haver tesão, é necessário algum grau de insegurança. O casamento se presta à simbiose. Um fica dependente emocionalmente do outro. Se você sabe que o outro depende de você, que você não corre o risco de ele se envolver com outra pessoa, não há conquista.

 

Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.