O presidente negro parece verde

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Por Marcos Sá Corrêa
Atualização:

O Brasil ficou mais longe do futuro esta semana. Não só porque a posse de Barack Obama encarquilhou os governos populares made in América Latina. Ou porque os Estados Unidos, em menos de meio século de integração, emplacaram um presidente negro na Casa Branca, enquanto nós discutimos desde 1988 com quantos quilombos se faz uma democracia racial, num desvio da segregação. Nem mesmo por causa da ressaca deixada pelo elenco de cozinheiros que transformou em festival de comida orgânica os banquetes da inauguração, tornando quase oficial o esquerdismo culinário da americana Alice Walters. Ela agora está empenhada em convencer a família Obama a plantar uma horta nos jardins da Avenida Pensilvânia, número 1.600, dando ao país o exemplo de só levar à mesa produtos locais. Ainda por cima, os tais banquetes orgânicos caíram entre dois bailes "verdes" - o do sábado, com tudo reciclável, dos pratos às toalhas, e o da segunda-feira, com os convidados pagando, no ingresso, US$ 14 para neutralizar o carbono emitido pela festa. Nada disso bastaria para nos dar a sensação de que o tempo está passando depressa fora daqui, se não fosse o grande sinal de mudança. E esse é o fato de que nada mudou nas entrevistas e projetos de Barack Obama, apesar da crise mundial que cruzou o seu caminho no segundo semestre de 2008. Do começo da campanha, em junho, ao juramento na capital ele reprisa histórias e argumentos que parecem tirados de cartilhas ambientalistas. Em seu Plano Americano de Recuperação e Reinvestimento ecoam trechos de um discurso feito em Los Angeles sete meses atrás, quando citou o petróleo e outros combustíveis fósseis como "caros, minguantes, sujos e perigosos". Outro dia Obama voltou a citar, já com sotaque de chefe de Estado, o caso da siderúrgica na Pensilvânia que se transformou em uma fábrica de usinas eólicas e nos milhares de empregos que, espalhados pelo país, "líderes locais, empreendedores e pequenas firmas" criaram a golpes de inovação tecnológica, sem o patrocínio nem a liderança de Washington, apostando "nas possibilidades ilimitadas" de fontes limpas e alternativas de energia, como a solar. Se é isso que Barack Obama quer, ele sabe onde buscar. Os Estados Unidos estavam ficando para trás nessa corrida, dizia Obama. Mas seus discursos lembram, não é de hoje, um argumento do biólogo e economista Christopher Flavin, presidente do Instituto Worldwatch, trazido ao Rio de Janeiro anos atrás por um seminário sobre política energética, na sede da Petrobrás. Ele vinha de Washington. E lá, o governo de George Bush, ainda em primeiro mandato, queria cravejar os santuários naturais do Alasca com torres de prospecção. Mas Flavin se comportou diante do auditório como se a economia mundial estivesse perdendo a hora de se livrar do petróleo. Não era paradoxo demais para o cidadão de um país onde a indústria petrolífera acabava de assumir o poder? Ao ouvir a pergunta, no saguão de um hotel em Copacabana, ele só faltou entornar o café. "Não", respondeu Flavin. "Porque uma das conquistas da sociedade americana é o direito de fazer uma coisa, mesmo se o governo faz o oposto." Aqui, em geral, não é assim. Pela nossa tradição política, se o presidente acorda com o biocombustível na cabeça, o país planta cana. Se ele sonha com o pré-sal, a ministra Dilma Rousseff já pode tratar da cirurgia plástica. E é por isso que, de vez em quando, os brasileiros precisam de uma boa troca de governo lá em cima. Para ter uma chance de mudar de assunto ou, pelo menos, para sentir as primeiras pontadas de uma conversa que vai ficando velha, o que pode ser a preliminar de qualquer renovação. * É jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br)

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