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O PAC chinês mostra a conta

Por Marcos Sá Corrêa
Atualização:

Planos de crescimento acelerado, com base no dogma de que toda energia de hidrelétrica é, por definição, limpa; projetos de barragens atravessando regiões consideradas patrimônio da humanidade, inundando rios onde há raras espécies de peixes, ameaçadas de extinção; e um partido no poder que considera as críticas ambientais a seu programa econômico uma conspiração - senão um crime de lesa-pátria - para sabotar as metas da economia. Já ouviu isso em algum lugar? Talvez não, porque são histórias contadas numa série de reportagens que o New York Times está publicando sobre a China. Qualquer semelhança com o Brasil pode ser coincidência. Mas a China, segundo o jornal, sufoca na poeira do desenvolvimento. O Ministério da Saúde chinês atribui à poluição a disparada do câncer para o primeiro lugar nas taxas de mortalidade. E o próprio governo calcula em 500 milhões os chineses sem acesso a água potável. O país, crescendo aos trancos e barrancos, criou cidades industriais cuja fumaça raramente deixa os moradores verem o sol, e 99% de sua população urbana respira ares que, para pulmões europeus, seriam tachados de gases tóxicos. Há trechos de seu litoral em que o mar já não suporta outra forma de vida marinha fora algas venenosas. E a China exporta nitrogênio e enxofre, em forma de chuva ácida, para Seul e Tóquio. E dizem que até o horizonte turvo de Los Angeles tem traços de vapores chineses. Nada disso parece incompatível com a arrancada que, meio século atrás, botou o país nos trilhos de uma revolução, tirando estudantes da sala de aula para caçar pardais, demonizados como pragas agrícolas, e convocando aldeias inteiras para transformar florestas em lenha para fornalhas, na febre de produção siderúrgica que cortou à metade as florestas chinesas. Tal política - descrita pela historiadora americana Judith Shapiro num livro ao mesmo tempo chato e fascinante sobre "a guerra do maoísmo contra a natureza" - convenceu chineses a demolir montanhas com pás e picaretas, só para mostrar que nada podia contra a devoção revolucionária. Mas tornou-se inconveniente a um governo que, como anfitrião dos Jogos Olímpicos de 2008, não sabe como limpar a tempo o ar que servirá aos atletas. Não foi à toa que, no discurso sobre o estado do país neste ano, o primeiro-ministro Wen Jiabao fez 48 referências ao meio ambiente. E é por isso também que as reportagens do New York Times sobre a China vêm tanto ao caso.Elas pegam pesado nos erros cometidos pela pressa de substituir o carvão, que ainda move 67% de suas usinas, por energia renovável. Só em 2006 o país acrescentou 102 gigawatts às suas hidrelétricas. A represa de Três Gargantas bateu nada menos que dez recordes mundiais - em tamanho de reservatório, consumo de cimento, volume de terraplenagem e produção de eletricidade, por exemplo. Ao mesmo tempo, removeu mais de 1 milhão de chineses. Transpondo arrozais de vales férteis para encostas áridas, desmatou montanhas sem resolver o problema dos camponeses desterrados. E assoreou rios, que por sua vez comprometem com sua carga crescente de sedimentos a alimentação das turbinas. Cinqüenta mil pessoas foram envenenadas em Fengdu no começo do ano por afluente do Rio Yang-tse. Três Gargantas seria um portentoso troféu da vitalidade chinesa, vitrine de um programa para construir mais 12 usinas gigantescas no Yang-tse, se não fosse um depósito de problemas como "poluição da água, voçorocas e outros desastres geológicos", capitulados como "perigos ocultos" num documento oficial. Um deles é que o peso do reservatório precipite terremotos. Mas andar na frente tem lá suas vantagens. Há três anos, o governo cancelou 13 represas no Rio Nu, em nome do patrimônio ambiental preservado em suas margens. Os bagres do Rio Madeira não tiveram tanta sorte. *É jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br)

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