O H1N1 driblou nosso sistema de defesa

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Por Fernando Reinach
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Os primeiros trabalhos científicos que descrevem a epidemiologia e a estrutura molecular do vírus A(H1N1), causador da gripe suína, demonstram que a humanidade foi pega de calças curtas e está despreparada para enfrentar o surgimento de novos vírus. Desde 1948, a Organização Mundial da Saúde (OMS) coordena uma rede global de monitoramento e prevenção de epidemias de influenza. Hoje são 4 centros globais e 112 centros, localizados em 83 países. A cada ano novos vírus de influenza humana e animal são identificados e caracterizados. As epidemias anuais são monitoradas e as cepas utilizadas para produzir a vacina são selecionadas por essa rede. Há alguns anos, com o aparecimento da Síndrome Respiratória Aguda Severa (Sars) e de uma cepa de influenza de aves capaz de matar mais de 50% das pessoas infectadas (H5N1), a OMS e os países-membros se assustaram. Caso um desses vírus se espalhasse, as mortes seriam contadas em milhões. Desde então os países montaram sistemas mais sofisticados de monitoramento, passaram a estocar os remédios necessários para conter uma pandemia e prepararam planos para enfrentar uma hipotética crise global. O aparecimento da gripe suína é o primeiro teste desse sistema e as evidências iniciais mostram que fomos totalmente ludibriados pelo vírus. Entre dezembro de 2005 e fevereiro de 2009, 11 pessoas foram infectadas por vírus de origem suína. Elas se recuperaram e não houve mortes. A maioria dos pacientes lidava diretamente com porcos e o vírus não foi transmitido de uma pessoa para outra. O genoma do vírus foi sequenciado e, como todo vírus de influenza, era composto por oito genes distintos. Mas, nessa cepa, a combinação de genes era inusitada. Um deles era derivado de uma cepa humana, dois pareciam ter vindo de aves e os cinco restantes eram provenientes de cepas de influenza que afetavam porcos da América do Norte. Isso sugeria que, em algum momento, esse vírus havia trocado material genético com vírus de aves e seres humanos. Na época, a descoberta não foi suficiente para acender um sinal de alerta. A MUTAÇÃO Em 15 e 17 de abril, logo após ficar evidente que havia uma epidemia de gripe no México, o Centro de Controle de Doenças (CDC, em inglês) dos Estados Unidos recebeu e sequenciou duas amostras de vírus isoladas de dois casos atípicos de gripe que apareceram na Califórnia. Qual não foi a surpresa ao descobrir que o vírus que estava se propagando em humanos era muito semelhante ao vírus suíno, que havia sido identificado nos 11 casos entre 2005 e 2009. Dos cinco genes de origem suína, dois deles haviam sido substituídos. Saíram os genes de vírus que afetavam suínos norte-americanos e entraram os genes correspondentes de vírus que afetavam suínos asiáticos. Com essa pequena alteração o novo vírus se tornou capaz de infectar eficientemente seres humanos e se espalhou em poucas semanas. A análise feita por epidemiologistas ingleses e mexicanos sugere que esse novo vírus iniciou sua propagação no México em fevereiro de 2009. Os dados também sugerem que o H1N1 se propaga mais facilmente que o vírus convencional e provavelmente infectou entre 10 mil e 30 mil pessoas no México antes que sua presença fosse notada. Quando os primeiros casos foram identificados nos EUA, o vírus já havia se espalhado. Hoje o CDC e a OMS concordam que o número real de pessoas infectadas deve ser muito maior que o número de casos confirmados por exames de laboratório. O que podemos concluir desses primeiros resultados? Primeiro que a sorte está do nosso lado. Até agora esse novo vírus parece não ser muito mais perigoso do que aqueles que nos infectam todos os anos. Segundo, que o sistema de vigilância foi incapaz de detectar a tempo o surgimento desse novo vírus. Quando a epidemia foi descoberta já era tarde para tentar conter o H1N1. Nosso sistema de monitoramento ainda é lento e ineficiente. O vírus passou por entre as pernas do goleiro. Fica uma lição de humildade. O Homo sapiens, apesar de toda tecnologia, não está imune às forças da natureza. E uma das mais fortes é o processo de evolução por seleção natural, responsável pelo surgimento de novos vírus. Hoje, enquanto em algum lugar do planeta estão surgindo novos vírus, epidemiologistas estudam modificações no sistema de monitoramento da OMS. É a eterna batalha entre a presa (nós) e seus predadores (os vírus). *Fernando Reinach, fernando@reinach.com Mais informações: Emergence of a novel Swine-origin influenza A(H1N1) vírus in humans. New England Journal of Medicine, 7 de maio de 2009 e Pandemic potential of a strain of influenza A(H1N1): Early findings. Science, 11 de maio de 2009

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