O Brasil no portfólio

Angela Hirata, a mulher que vestiu o mundo de sandálias Havaianas, não para de traçar estratégias de negócios e agora quer ver o globo pintado de verde e amarelo

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Por Redação
Atualização:

Angela Hirata. Hoje, cuida de diferentes negócios e sua própria empresa. Felipe Rau/AE

 

 

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Ao acordar, escova os dentes, olha para o lado leste - onde nasce o sol - e pede proteção aos deuses para o dia que vai começar. Este ritual Angela Tamiko Hirata protagoniza todos os dias, desde que era menina. "Foi meu avô quem me ensinou. Se eu não adoto este mantra, não me sinto bem", diz ela. O ritual é seguido em mais de 80 países, lugares que visita frequentemente com uma única missão: apresentar e inserir marcas brasileiras no mercado internacional.

 

Angela cumpre tão bem esse papel que foi a única mulher e única latina convidada a palestrar no evento HSM Group, no Forum Milan 2008 em World Business, que reuniu executivos com cases de sucesso para falarem sobre a importância do posicionamento e internacionalização de marcas.

 

Seu talento para negócios passou a ficar mais explícito a partir de 2001, quando foi convidada a dirigir o departamento de comércio internacional da empresa Alpargatas, e conseguiu o que parecia impossível. Em apenas um ano, as sandálias Havaianas (graças ao status fashion, nem são chamadas mais de "chinelos"), uma das marcas da empresa, passaram a ser exportadas para 12 países.

 

"No segundo ano, chegaram a 30 países e, em cinco anos, estavam nos pés de 80 nacionalidades", conta, com o sorriso que a acompanhou durante toda a entrevista, realizada em sua casa, na capital paulista, onde tem a companhia de quatro sobrinhos que moram com ela. "Esta casa é muito grande, era dos meus pais e eu morava ao lado. Depois que eles faleceram, uni as duas casas, então, tem espaço para todo mundo."

 

As ações que Angela implementou na Alpargatas praticamente dobraram o faturamento de exportação da empresa e, em 2009, 3,4 milhões de pares de Havaianas foram comercializados nos Estados Unidos e na Europa. De Madonna a Gloria Arroyo - ex-presidente das Filipinas, que apareceu na mídia usando Havaianas de salto em sua campanha política -, o mundo aderiu às sandálias, que, até então, não passavam de um simples chinelo popular.

 

"O que fiz foi transmitir a brasilidade, mas de um Brasil criativo, sério, rico, bonito, responsável, que não é só samba", explica Angela, a primeira mulher diretora da centenária Alpargatas e a responsável pela introdução da marca na Europa pela Galeria Lafayette, em Paris, uma das principais lojas de departamento de luxo da Europa. "Queriam que as Havaianas fossem dadas de brinde, mas isso não era o que eu queria. Consegui que as Havaianas ficassem expostas em uma vitrine inteira. Foi um grande sucesso", relembra.

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O feito foi apenas um ano depois que assumiu a direção. Internamente, adotava ações motivadoras. "Criei um mural dentro da fábrica e toda a mídia espontânea era levada para lá. Assim, os funcionários viam o quanto o trabalho deles era reconhecido", conta. "Ia pessoalmente falar com os revendedores do exterior, pois há ‘alma’ quando você visita o lugar. Não basta falar com o presidente, mas também com o gerente, com o vendedor", acrescenta. "Respeito muito as pessoas e os meus funcionários. Se eu não respeitá-los e passar a tratá-los mal, eles vão sempre dizer o que eu quero ouvir."

 

Em 2005, decidiu se aposentar, mas a empresa pediu que continuasse como consultora. "Hoje o meu trabalho é mais pontual, a Havaianas já anda sozinha. Estou muito feliz com isso, pois não queria vender commodity, mas sim uma marca made in Brasil séria. Meu pai nos ensinou a ter coisas sólidas, e não levianas, e procuro fazer isso no meu trabalho", acrescenta ela, a mais velha de 13 irmãos.

 

Pós Havaianas. Hoje, presta um trabalho de consultoria seguindo essa filosofia do pai. Abriu sua própria empresa, a Suriana, que engloba muitas outras marcas nacionais. "O nosso trabalho é desenvolver o mercado internacional dos produtos brasileiros. Já temos muitos clientes."

 

Os vinhos made in Brazil, por exemplo, estão nos melhores pontos de venda do Japão, que já somam cerca de 200. "O mesmo que fiz com as Havaianas, eu tenho que fazer com o nosso vinho. Tem de ser vendido nos melhores pontos. Já estão inseridos também em Portugal, Espanha e no Leste Europeu", comemora ela, recém chegada de uma viagem aos Estados Unidos, onde visitou os principais locais de produção, como Santa Inez e Santa Bárbara, na Califórnia, para apresentar os vinhos brasileiros.

 

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A cartela de produtos da sua empresa é tão variada que inclui mel - já está sendo exportado para os Estados Unidos -, café orgânico, botões de roupa, cosméticos, tecidos e muitos outros. "Detecto o mercado e vejo onde podemos entrar. Depois faço uma estratégia bem estruturada de longo prazo, para o produto não virar commodity. Não preciso ir até Paris para perceber o que as pessoas estão procurando. Consigo distinguir isso indo à Rua 25 de Março ou à Rua José Paulino", assegura, referindo-se às duas importantes ruas de comércio em São Paulo.

 

Mas Angela também trabalha em mão dupla. Da mesma maneira que leva os produtos brasileiros ao exterior, trás de lá outras marcas, como o tecido inglês liberty e um veludo italiano que não existe no mercado brasileiro. "Grandes empresas do exterior já nos procuram."

 

Um dos projetos que tem lhe dado grande alegria são os acessórios feitos pelos índios do Xingu com miçangas de sementes de coco. "Estão sendo exportados para uma joalheria na Itália, que vai customizá-los com metais preciosos. Quando as peças forem divulgadas na mídia, vou fazer o mesmo que fiz na fábrica da Havaianas. Vou recortar as matérias e levá-las para os índios verem onde o trabalho deles chegou."

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Para ela, essa é a maneira correta de se promover o desenvolvimento sustentável. "Onde não tem economia, as coisas se extinguem. Aprendi isso com o meu pai. Quero fazer business com o meio ambiente, respeitando-o sempre. Não sei fazer ONG, sei fazer business, porque, assim, todo mundo lucra, você capacita a mão de obra e dá dignidade às pessoas."

 

Sustentabilidade. A preocupação com o capital humano e o meio ambiente está embutida também no trabalho que desenvolve com os seringueiros da Amazônia. Angela tem 20% das ações da marca Amazon Life - o restante pertence a um grupo italiano -, que fabrica acessórios de moda com látex (o qual passa por um processo e vira laminado de borracha). "Uma porcentagem das vendas é dada aos seringueiros, para investirem em saúde e educação. Eles passaram a cuidar mais da mata, porque recebem um salário, são respeitados pelo que fazem."

 

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O dinheiro que arrecada com as palestras que faz no Brasil e no exterior vão direto para o Instituto Alpargatas, instalado em Campina Grande, na Paraíba. O instituto atende 140 mil crianças do nordeste, moradoras de lugares que têm baixo Índice de Desenvolvimento Humano. "Este dinheiro vem das palestras que eu cobro, porque as que faço em escolas nem falo em dinheiro."

 

Divorciada, mãe de Emerson e Lincoln, e avó de Lissa, de 4 anos, e Louise, de 6 meses, Angela, hoje com 65 anos, não para de receber propostas de trabalho. "Eu digo: você sabe quantos anos eu tenho?", conta, orgulhosa da sua trajetória profissional e de fazer o que mais gosta e sabe: revelar ao mundo as coisas boas que existem no Brasil.

 

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