Novas mãos e novo rosto

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Por Gilles Lapouge
Atualização:

O professor Laurent Lantiéri, do Hospital Henri Mondor, perto de Paris, chama dois colegas. Ao primeiro, o doutor Jean-Paul Meningaud, especialista em rosto, ele diz: "Prepare-se. Será amanhã de manhã." Ao segundo, o doutor Christian Dumontier, ele diz o mesmo, mas este não se ocupará do rosto, e sim das mãos. O paciente em questão é conhecido há alguns anos. Trata-se de um homem de 30 anos tão cruelmente queimado que não tinha mais rosto, mãos, pálpebras.Sua córnea ficou tão afetada que corria o risco de ficar cego. Em 2006, Lantiéri contatou Dumontier. "Caramba", dissera Dumontier. "Será o caso de tentar?" Eles tentaram, três anos depois. Um enxerto do rosto inteiro e das duas mãos ao mesmo tempo, nunca antes tentado no mundo. Nos meses que precederam a intervenção, os profissionais se consultaram, praticaram e formaram equipes. Outros cirurgiões deram conselhos aos colegas sobre a operação: "Atenção, com os muito queimados, há problemas com as veias", disseram. Experiências foram feitas em cadáveres. Quatro equipes. Quarenta pessoas no total. Cada equipe com três cirurgiões. "Será esta noite, às 20h30." Lantiéri é o chefe. Quarenta e cinco anos. Suas mãos são célebres. Ele conhece o paciente, pois foi quem salvou-lhe as pálpebras impedindo-o de ficar cego depois do acidente. Depois, ele imaginou o duplo enxerto, rosto e mãos, e preparou o plano de ação: 1) Dumontier e suas equipes retiram as mãos e as enxertam. 2) Meningaud e sua equipe retiram o rosto. 3) Lantiéri e sua equipe enxertam o rosto. Às 21 horas de sábado, dia 5, 40 pessoas se aglomeram. A noite começa. Até o amanhecer, as quatro equipes médicas se alternam, com pequenos intervalos de repouso, de sono, aqui e ali. Informações são trocadas. "Essa veia aí está em bom estado? Posso?" Começa-se a implantar as mãos por volta das 5 horas da manhã. Seis cirurgiões entram em ação. A primeira mão, a direita, fica rosada. É um momento de grande exultação. O sangue entra e sai. Tudo bem. Dumontier retira o rosto do doador, o crânio, as pálpebras, os lábios, as orelhas. "É preciso retirar artérias, acompanhá-las até a carótida. É preciso retirar também seis nervos sensitivos e seis nervos motores." Os cirurgiões não têm tempo de comer. Não têm tempo sequer de urinar. Depois, o bastão é passado a Lantiéri. "É preciso reconstruir tudo", dirá Lantiéri ao jornal francês Libération. Até o nível das artérias. Duas, depois quatro veias. Em seguida, os nervos faciais. O couro cabeludo, as bochechas, as orelhas, o lábio superior, as quatro pálpebras. "As pálpebras apresentam grande dificuldade. Há muitos elementos a religar, os músculos que abrem e fecham as pálpebras." Lantiéri está esgotado após 20 horas de trabalho e tensão. Meningaud o substitui. O cirurgião religa os canais lacrimais. As pessoas voltam para casa. É segunda de manhã. Lantiéri acompanha seus filhos à escola. E o paciente? Ele vai bem. Tanto quanto possível. Ele continuará em coma por alguns dias. Depois... * Giles Lapouge é correspondente em Paris

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