No Emílio Ribas, um espirro diz muito

Referência no combate a epidemias, hospital tem plano contra a gripe

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Por Eduardo Nunomura
Atualização:

Foi um susto quando chegou o primeiro paciente com possível contaminação de gripe suína ao Instituto de Infectologia Emílio Ribas. O jovem vinha do México, apresentava dor muscular, mas não estava com febre. Era sábado à noite, mas naquele dia 25 só havia incertezas sobre a pandemia que estava por vir. "Opa, a doença chegou", anteviu o médico Carlos Frederico Dantas Anjos, que chefiava o plantão do pronto-socorro. Hora do protocolo. Foi isolada uma sala do PS com a proteção adequada, como aventais, luvas, gorros, óculos, máscaras cirúrgicas e máscaras 4N95, que filtram 95% das partículas e devem ser usadas pelos profissionais e pelo paciente. O jovem foi examinado e então encaminhado para a unidade de terapia intensiva. Não era ainda a nova gripe, pois ele foi liberado dez dias depois. Em um hospital comum, pacientes gripados não são prioridade. O Emílio Ribas não é um hospital comum. Por ser referência em doenças infectocontagiosas, um espirro diz muito. Ele lidera desde 1880 o combate de epidemias como febre tifoide, malária, varíola, febre amarela, aids, hepatite e também das que não passaram de ameaças. Graças à última destas, a da gripe aviária, o instituto já possuía um plano de contingência, elaborado quando o doutor Frederico era diretor clínico. "Temos história, tradição e excelência." Desta vez, antes que muitos hospitais se mobilizassem, a unidade já recebia casos. Se um suspeito chega ou é enviado para lá por outra unidade hospitalar, ele é isolado no primeiro instante. É um erro imaginar que ali a pessoa corre mais risco do que se viajar ao México. São Paulo possui 60 leitos de isolamento, metade deles no Emílio Ribas, todos com pressão negativa, onde o fluxo de ar impede que o vírus saia. Os atuais casos suspeitos da gripe A(H1N1) estão sendo monitorados na UTI, que tem 16 leitos no 7º andar. Mas há outros 14 leitos preparados e equipados no PS. Nas internações, as amostras das secreções nasais e da boca são colhidas e enviadas ao Instituto Adolfo Lutz, distante não mais do que 100 metros. O paciente pode receber visitas, mas por pouco tempo e sempre paramentadas com máscara, luva, avental , gorro. Esta, aliás, é a única visão dos pacientes isolados, já que até os médicos atendem dessa forma. O instituto é o termômetro da saúde pública, garantem muitos doutores. Se é assim, São Paulo está longe de estar febril no trato da gripe suína. Em situações de emergência, o corpo clínico e os funcionários se desdobram para homenagear um dos maiores sanitaristas do País, o médico Emílio Ribas (mais informações nesta página). Deixam de lado o dissabor de atuar numa unidade estatal, com dificuldades de material, equipamentos e pessoal. "Esta é a extensão da minha casa há 33 anos", resume o infectologista Caio Rosenthal. Com a gripe A, nada o faz lembrar dos anos terríveis da epidemia de meningite, quando a ditadura militar obrigou os profissionais a ocultarem da população a doença. "Mas estávamos era num hospital de guerra, com colchonetes no chão e pacientes recebendo antibióticos deitados." Ou da aids, nos anos 1990. "Antes dos coquetéis antirretrovirais, o clima era pesado, milhares morriam e não havia como evitar. Era deprimente." Momentos críticos como o atual têm o poder de mostrar que o Emílio Ribas é motivo de orgulho para seus trabalhadores, de segurança para os que não querem estar lá e de preocupação para as autoridades. É que o instituto tem uma infecção institucional de difícil controle, como reconhece o diretor David Uip. Há dois meses no comando, ele mal teve tempo de diagnosticar o próprio hospital. A gripe A atacou antes. Para a Secretária da Saúde, trata-se de uma unidade cara demais. Poucos atendimentos para os cerca de 300 médicos e 1.800 funcionários. Por mês, são atendidas 1.800 pessoas no PS, 3.800 no ambulatório e 250 internações. Há 194 leitos disponíveis e uma capacidade teórica de 300. Médicos do instituto criticam a terceirização dos laboratórios e a falta de pessoal. Em 15 mil metros quadrados, o hospital atende predominantemente pacientes soropositivos. As outras doenças acabam sendo preteridas, o que faz o Emílio Ribas se distanciar da vocação de ser um centro de referência para as moléstias infectocontagiosas. São nove andares, cada um deles loteado por faculdades de medicina particulares. "Cobram caro do aluno e não criam serviços de infectologia em seus locais", critica Marcos Boulos, diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). David Uip terá R$ 30 milhões para melhorar o Emílio Ribas. Metade servirá para erguer um novo prédio para o ambulatório, criando mais 104 leitos, e outros R$ 3,3 milhões para comprar aparelhos. Será o ponto de partida para integrar o instituto com o Adolfo Lutz, a FMUSP, o Instituto de Medicina Tropical, todos no complexo das Clínicas. É mais uma tentativa de criar um Centro de Controle de Doenças aos moldes do americano. Hoje, a realidade é outra. Se um paciente do Emílio Ribas precisar de uma tomografia, em vez de ir até o vizinho Hospital das Clínicas, ele tem de ir até Itaquera, zona leste.

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