Mulheres à beira de uma crise que não é de nervos

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Por Mary Del Priore
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A crise financeira mundial chegou! Crise histórica ou crise histérica? É bom lembrar que a de 29, com epicentro em Wall Street, sucedeu a Primeira Guerra Mundial, cujo cenário foi a Europa. Do outro lado do Atlântico, os EUA foram, então, atingidos por uma "marola". Nos anos da Grande Depressão, o crescimento econômico diminuiu, mas não estacou. Contudo, o desemprego bateu recorde. No auge da convulsão, entre 1932 e 33, 27% da força de trabalho americana ficaram desempregados. Se o mesmo tipo de "ondinha" chegar até aqui... Agora já sabemos que a nova crise fará 20 milhões de desempregados, provindos de setores tradicionalmente masculinos: "construção civil, automotivo e financeiro". Isto significa que mais mulheres terão que dar uma contribuição maior para o sustento de suas famílias. As brasileiras já são quase 50% da força de trabalho, e o número tende a aumentar. Mais baratas e, em muitos casos, mais bem formadas, elas caberão como uma luva na flexibilização que vai se impor. Muitos têm chamado atenção para a crise moral, por trás da financeira. De fato, entramos no século 21 celebrando as guerras transmitidas ao vivo, os "reality shows" tipo Big Brother, a mundialização de vírus e do terrorismo, a expansão da internet e o culto do indivíduo, a onipresença da publicidade, do zapping e do instantâneo! Uma época de valores comuns foi trocada pela racionalidade. Pouco a pouco, a coragem e a imaginação foram substituídas pelo cálculo econômico, a busca infinita de soluções técnicas e a satisfação das exigências de consumidores sofisticados. Não seria o momento de as mulheres, que tomarão à frente da árdua tarefa de sua sobrevivência, chamar atenção para as ilusões do progresso e o sentido do futuro? Que tal, além de nos angustiarmos - o que é normal e mesmo indispensável -, tentarmos mudar os valores vazios que estão por aí? Será hora de apertarmos os cintos. De deixarmos o consumo de supérfluos de lado. De nos comportarmos como "gente de pouco". E de sermos felizes sem corrermos, o tempo todo, atrás de bens descartáveis. Os filósofos contemporâneos, além de criticarem a busca da saciedade a todo o custo, vêm nos fornecendo pistas para compreendermos melhor o mundo em que vivemos. Muitos deles já abandonaram as grandes discussões sobre temas morais - o Bem, o Mal, etc. - e nos convidam a desenvolver uma ética mínima, que tenha efeito no cotidiano. Chamam-na de ética aplicada. Seus princípios básicos? Desenvolver uma vida moral sob os auspícios da sensibilidade, da solicitude, da atenção e do cuidado com os outros. Se essa ética mínima fosse aplicada ao mundo do trabalho, evitaríamos, por exemplo, causar prejuízos negativos a outrem ou valorizar a voz de todos que quiserem se expressar. Melhor se a ética mínima contaminasse o mundo da política, fazendo com que nossos representantes se preocupassem com temas diretamente relacionados à sociedade: os direitos das crianças, a dor, a pornografia, a memória, o gênero, a eutanásia. São temas filosóficos que nos ajudam a compreender melhor a vida humana, em vez de trocar insultos A crise, histórica ou histérica, trará uma participação maior de mulheres no mundo do trabalho. Boa oportunidade para as criativas brasileiras lançarem as bases de uma ética mínima que nos conduza a um outro tema da filosofia: a felicidade. *Mary Del Priore é historiadora e sócia do IHGB

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