Memória dissemina medo entre a população

Pesquisador afirma que o discurso catastrofista em momentos de epidemia ignora os avanços da medicina no último século

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Por Emilio Sant'Anna
Atualização:

Mais do que um vírus, a cada nova epidemia se dissemina entre a população a noção de que uma catástrofe se aproxima. Autor de uma série de estudos sobre saúde pública e as epidemias do século 20, o sociólogo e historiador Claudio Bertolli Filho, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), combate o estado de pânico e lembra que o discurso catastrofista ignora os avanços da medicina nos últimos cem anos. Há motivo para as pessoas ficarem preocupadas no Brasil? Existe um imaginário popular que a mídia construiu, e a própria medicina aceitou com o tempo, baseada na gripe espanhola do início do século passado. Após a epidemia de Hong Kong, em 1968, o número de pessoas atingidas e mortas por outras epidemias é muito pequeno em relação às estimativas. Sempre que se fala em gripe fica a ideia de que uma tragédia vai acontecer, milhões serão contaminados e milhares morrerão. Esse é um discurso muito comum e que de tempos em tempos reaparece. O que se desconsidera nesse discurso é a evolução da saúde pública em um século. A gripe espanhola teve origem na disseminação de um vírus suíno? A hipótese mais aceita hoje é que surgiu em um quartel no Texas antes da 1º Guerra Mundial que ficava ao lado de uma criação de porcos. Qual a relação entre a atual epidemia e a falta de condições de saúde e saneamento? O vírus gripal é um dos vírus que mais mudam com o decorrer do tempo, tanto que temos uma série de vacinas de amplo espectro mas que nunca cobrem todas as cepas. Especula-se que, em média, a cada 80 ou 90 anos, uma mutação cause a elevação do grau de letalidade dos vírus. Quando isso ocorre, corresponde a cerca de 1% a 1,5% de mortes do universo de contaminados. Mas, desde os anos 70, a OMS está preparada para o que chamam de super-epidemia, que seria uma pandemia gripal. O Brasil estaria preparado? O Brasil está muito mal preparado pra evitar epidemias de doenças possivelmente evitáveis, como a dengue e a malária. Temos um dos melhores programas de aids, mas as chamadas doenças da pobreza não recebem atenção eficiente. Isso é um reflexo da própria noção de modernidade brasileira, que privilegia as chamadas doença de ricos. Qual pode ser a consequência do surgimento de uma epidemia como essa num país como o México? Apesar de receber todos os povos, os EUA são extremamente xenófobos e a invasão de imigrantes latinos colabora para isso. Acredito que pode ser agregado mais esse discurso contra a entrada de imigrantes latinos no país.

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