Médico teve duas indicações ao Nobel Mas não levou nenhuma. Por quê?

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Por Redação
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Um mistério assombra a memória de Carlos Chagas: Por que ele não recebeu o prêmio Nobel? Suas descobertas sobre a doença que ganhou seu nome eram certamente dignas da maior honraria científica. Até hoje, Chagas é apontado como o candidato mais forte que o Brasil já teve ao Nobel. Ele foi oficialmente indicado ao prêmio de Medicina duas vezes - em 1913 e 1921 -, mas nunca foi laureado. Há quem acredite que sua candidatura foi comprometida por outros médicos brasileiros que questionavam publicamente suas descobertas e que poderiam ter influenciado negativamente a decisão da academia sueca de conceder-lhe o prêmio. Uma versão da história que ganhou visibilidade nos últimos anos é a de que Chagas foi o escolhido pelo Instituto Karolinska para receber o Nobel em 1921, mas, por algum motivo, não o recebeu - por isso, o prêmio não foi concedido a ninguém naquele ano. Teriam os inimigos científicos e políticos de Carlos Chagas no Brasil, motivados pela inveja de seu sucesso, sabotado sua candidatura ao prêmio máximo da ciência mundial? "Os motivos pelos quais o prêmio foi negado quando as indicações foram feitas permanecem um mistério", escrevem os pesquisadores João Carlos Pinto Dias, José Rodrigues Coura e Marília Coutinho em um texto publicado no portal online sobre Chagas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Um artigo do médico José Eymard Homem Pittella, publicado no início deste ano na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, porém, parece afastar os fantasmas de uma teoria conspiratória. Na verdade, Carlos Chagas não foi o único candidato ao Nobel em 1921. Não foi nem mesmo um dos finalistas recomendados pelo comitê de seleção para a Assembleia Nobel. Segundo Pittella, que pesquisou os arquivos do prêmio, 42 cientistas foram indicados ao Nobel de Fisiologia ou Medicina naquele ano. Os três mais "votados" tiveram 11, 9 e 7 indicações cada. Carlos Chagas teve apenas uma, submetida pelo médico brasileiro Hilário Soares de Gouvêa. "É claro que a organização dava mais importância àqueles que tinham mais indicações", disse Pittella ao Estado. "É certo que havia gente invejosa e incomodada com o sucesso do Chagas no Brasil. Isso pesou aqui, mas dificilmente teve alguma influência na escolha do Nobel. Não há nenhuma documentação que sugira isso; é especulação total", diz o médico, professor aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais. Apesar dos 42 indicados, ninguém levou o prêmio em 1921. Mas isso também não foi uma peculiaridade daquele ano. Entre 1915 e 1925, o Nobel de Fisiologia ou Medicina ficou seis vezes sem dono. Em 1913, segundo Pittella, houve 63 indicados ao prêmio, que acabou nas mãos do francês Charles Richet, pelo estudo da anafilaxia. Naquele ano, também, Carlos Chagas teve apenas uma indicação, do médico brasileiro Manuel Augusto Pirajá da Silva. Segundo Pittella, é importante levar em conta que o Brasil era ainda um país periférico na época, e que a maioria dos convidados a fazer indicações eram americanos e europeus - que tendiam a indicar compatriotas. Apesar de discordar da tese de que disputas internas tenham influenciado a candidatura do brasileiro, ele concorda plenamente com a tese de que Chagas merecia ter recebido o Nobel. "Quanto a isso não há dúvida. Ele foi brilhante." Carlos Chagas fez algo incomparável na história da medicina tropical. Em menos de um ano - entre o segundo semestre de 1908 e o primeiro de 1909 - ele descobriu e descreveu o ciclo completo de uma doença infecciosa: descobriu o Trypanosoma cruzi, identificou seu inseto hospedeiro (o barbeiro), e diagnosticou a doença que era causada por ele, a tripanossomíase americana - que ficou conhecida como mal de Chagas. Outros cientistas ficaram famosos - e até ganharam o Nobel - por bem menos que isso. "Foi uma descoberta que representou de maneira muito especial a capacidade científica do Brasil no início do século 20, e que foi muito enaltecida como um símbolo do progresso do País", diz a pesquisadora Simone Kropf, da Casa de Oswaldo Cruz, da Fiocruz.

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